
O empresário Daniel Pardim Tavares Lima foi preso em flagrante, ontem, durante depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Apostas Esportivas, em andamento no Senado. A prisão, pedida pela relatora do colegiado, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), e acatada pelos demais membros da CPI, foi por falso testemunho, após o empresário mentir em depoimento à comissão.
Durante o interrogatório, Pardim negou conhecer Adélia de Jesus Soares, apontada como sócia dele na empresa Peach Blossom River Technology. A companhia, segundo a relatora, é ligada à Payflow, empresa do ramo de pagamentos associada a sites de apostas on-line e investigada pela Polícia Civil do Distrito Federal por suspeitas de lavagem de dinheiro e movimentações financeiras irregulares.
A senadora afirmou que o empresário omitiu informações essenciais e prestou declarações contraditórias, o que levou à solicitação de prisão imediata. "Demos oportunidades para que corrigisse os relatos, mas persistiu na falsidade", declarou a senadora. O presidente da CPI, senador Dr. Hiran (PP-RR), determinou que a Polícia Legislativa conduzisse o procedimento de autuação.
Soraya Thronicke, que está prestes a apresentar seu relatório final, já antecipou que o texto incluirá diagnósticos, possíveis indiciamentos e propostas para conter a ludopatia — o vício em apostas, que tem afetado a saúde mental de milhares de brasileiros. Com o avanço das investigações, vieram à tona dados alarmantes: indícios de lavagem de dinheiro, evasão bilionária de impostos e a atuação de influenciadores digitais na promoção de plataformas ilegais.
Mercado desregulado
Com um faturamento que chega a centenas de bilhões de reais por ano, as apostas esportivas online se tornaram uma das grandes indústrias do entretenimento no Brasil. No entanto, a falta de regulação clara e a ausência de controle efetivo das plataformas abrem espaço para a atuação de criminosos e grupos organizados, que operam nas sombras do setor. A CPI, em seus encontros, tem destacado os crimes ocultos que acompanham o fenômeno das bets, incluindo lavagem de dinheiro e manipulação de resultados.
O senador Izalci Lucas (PL-DF), membro da CPI, denuncia o tamanho do rombo causado pela falta de regulação no setor. Segundo ele, a ausência de mecanismos eficazes de controle permitiu que mais de R$ 300 bilhões fossem enviados ao exterior sem o pagamento de impostos. "Hoje, nós temos desvio de arrecadação que chega a R$ 30 bilhões por mês. Absurdo. Foram mais de R$ 300 bilhões que foram para o exterior sem pagar nada de imposto", disse.
Outro dado revelado pela CPI é o uso do Bolsa Família para apostas on-line. Em 2023, aproximadamente 5 milhões de pessoas cadastradas no programa usaram seus recursos para fazer apostas, movimentando cerca de R$ 3 bilhões, o que gerou um intenso debate sobre a possibilidade de bloqueio do uso de benefícios para esse fim. "O cara deixa de comer para jogar", denunciou Izalci. Como resposta, o governo anunciou que, a partir deste ano, os cartões do programa terão "limite zero" para transações com casas de apostas.
Influenciadores na mira
A atuação de influenciadores digitais que promovem bets também está no centro das preocupações da CPI. Izalci Lucas afirmou que, mesmo com a resistência de alguns convocados, as investigações revelaram um padrão de promoção irresponsável e enganosa. "Tem inclusive simulador. Na hora de apertar, você ganha, mas é simulado. Não é real aquilo", relatou.
"Esses influenciadores recebem milhões de reais para promover sites de apostas, muitas vezes sem alertar os seguidores sobre os riscos de ludopatia. Precisamos discutir essa prática e, se necessário, proibir esse tipo de publicidade", comentou a senadora Thronicke.
Saúde pública
A ludopatia, considerada pela Organização Mundial da Saúde um transtorno mental, é uma das maiores preocupações da relatora Soraya Thronicke. O relatório final deve propor medidas inspiradas em legislações de outros países, como o uso de biometria facial para tornar o cadastro mais rigoroso e dificultar o acesso de menores de idade. "As bets não são apenas um jogo. Elas criam um ambiente onde a ludopatia se espalha, destruindo famílias e vidas", afirmou a relatora da CPI.
Izalci defende que a legislação também inclua mecanismos de assistência aos viciados. "O sistema tem que ter. A saúde já não funciona, mas nós vamos apresentar também propostas com relação a isso. Tela de aviso não resolve nada", afirmou. A CPI já ouviu especialistas sobre os impactos do vício e analisa modelos como o do Reino Unido, onde há restrições de horário para apostas.
*Estagiária, sob a supervisão de Edla Lula