
O primeiro choque do petróleo, que ocorreu há mais de 50 anos, deixou efeitos catastróficos na economia mundial que persistiram ao longo dos anos em diversos países, principalmente os emergentes, como o Brasil, que testemunhou o momento de milagre econômico se deteriorar a partir da metade da década de 1970. Naquela ocasião, os países árabes impuseram restrições ao comércio internacional do chamado "ouro negro" às nações ocidentais, como os Estados Unidos, que apoiaram explicitamente o exército de Israel durante o conflito. Diante disso, o preço do petróleo no mercado internacional atingiu patamares nunca antes vistos.
Após mais de cinco décadas desse episódio, um ar de incertezas atravessa o cenário geopolítico, principalmente após o ataque dos Estados Unidos e de Israel a bases estratégicas do Irã e a resposta da república islâmica, logo em seguida, o que reacende o alerta para um novo choque global. Com a possibilidade de os EUA participarem mais ativamente no conflito no Oriente Médio, uma das maiores preocupações do mercado seriam eventuais restrições ao comércio do petróleo no Estreito de Ormuz, localizado entre o Irã e a Península Arábica, e por onde passa cerca de um terço de toda a commodity comercializada no mundo. O Parlamento do Irã aprovou uma proposta para o fechamento do Estreito de Ormuz. Mas a decisão precisa ser avalizada pelo Conselho Supremo de Segurança Nacional do país.
Diante desse cenário, o Brasil — um dos 10 maiores produtores de petróleo no mundo — não está em uma situação tão confortável, apesar da capacidade de extração no pré-sal. Um dos principais motivos é a falta de refinadoras capazes de suprir a demanda interna, o que, segundo a associação Refina Brasil, poderia ser contornado de maneira mais fácil, caso houvesse boa vontade do governo federal e da esfera pública. Para o presidente da entidade, Evaristo Pinheiro, que concedeu entrevista ao Correio, um ambiente propício para a concorrência poderia aumentar a capacidade de refino no país, o que, consequentemente, reduziria a dependência externa nesse setor. Confira a entrevista na íntegra:
Mesmo antes da intensificação do conflito, com a entrada dos EUA, o petróleo já vinha sentindo os efeitos da tensão no Oriente Médio. É possível prever o que está vindo?
De abril para cá, o petróleo já subiu mais de 10% — estava em um nível de US$ 65. A grande ameaça ou a grande problemática aqui é essa instabilidade impactar o Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de um terço de todo o petróleo do mundo.
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O Parlamento iraniano já aprovou o fechamento do Estreito de Ormuz. Quais seriam os impactos, caso o bloqueio se concretize?
Instabilidades ali causam problemas de preço, ou seja, causa aumento de preço no petróleo, porque o custo de transporte de petróleo aumenta, as companhias de frete marítimo já aumentaram, quer dizer, as seguradoras de navios já aumentaram os seus prêmios de seguro, para embarcações que passam ali pelo Estreito de Ormuz. Aumentaram em quase 25% o custo de seguro. Daqui a pouco, as empresas de frete vão pensar duas vezes antes de passar por lá. Então, se você diminuir a frequência de navegação por ali, você tem uma escalada dramática do preço do petróleo. E, eventualmente, se o conflito escalar para aquela área do planeta, você pode ter problema de abastecimento. Então, está todo mundo olhando com muita atenção para o que vai acontecer, quais serão os próximos os passos. A entrada dos Estados Unidos na guerra, com o ataque ao Irã, pode desencadear consequências desastrosas sob o ponto de vista de preço de petróleo e, eventualmente, ainda remoto, problemas de abastecimento.
Há uma possibilidade de substituição do petróleo que passa pelo Estreito de Ormuz, em um eventual bloqueio, para suprir a demanda internacional?
Não existe esse substituto rápido e fácil. O que os países vão buscar fazer é minimizar o máximo possível esses efeitos, até porque todo mundo sai perdendo em um eventual fechamento ou instabilidade na região do Estreito de Ormuz. O próprio Irã sai perdendo. Então, para financiar uma guerra, também, precisa vender petróleo. Quem compra o petróleo iraniano, hoje, basicamente é a China e a Índia. Então, se fechar o Estreito de Ormuz, os navios iranianos também não passam. Isso é uma proteção natural, por um lado. Agora, dependendo de quanto tempo fica comprometido o abastecimento, você tem uma escalada realmente dramática de preço.
Um fechamento do Estreito de Ormuz também poderia impactar negativamente a economia chinesa, considerando que a China é um dos maiores compradores do petróleo iraniano, não é mesmo?
Sem dúvida. A China observa com muita atenção todos esses movimentos. Ela consome 12 milhões de barris por dia e só produz 5 milhões de barris. Então, ela depende absolutamente dessas exportações do Oriente Médio, principalmente, de países, como Arábia Saudita e Irã, por exemplo. A Índia, também, não é autossuficiente na produção de petróleo, então esses países olham com muita atenção ao que acontece naquela região, diferentemente, por exemplo, dos Estados Unidos, que consomem 20 milhões de barris/dia e produzem 20 milhões de barris/dia. E têm uma reserva gigantesca de petróleo. A China também tem reserva, mas a grande questão é que, se houver instabilidade que interrompa o fluxo de petróleo naquela geografia, a grande pergunta é por quanto tempo isso ocorrerá, porque a China tem reservas, a Índia tem reservas, mas as reservas acabam, e aí você tem uma preocupação maior.
E como deve ficar o Brasil com isso tudo?
Vale a pena a gente olhar aqui para a nossa área. O Brasil é autossuficiente na produção de petróleo. Mas não é autossuficiente no refino. Então, com a escalada de tensões no Oriente Médio, o Brasil não passa ileso por essa circunstância. A população brasileira vai sentir, muito em breve, os efeitos do aumento de preço do barril e isso pressionará, sem dúvida, a inflação e os preços domésticos. O petróleo é insumo de várias coisas aqui no Brasil, inclusive, de geração de energia, diesel e, principalmente, de produtos petroquímicos. Então, isso invariavelmente impacta os índices de inflação aqui no país.
O Brasil pode ser um dos mais prejudicados em uma eventual crise de abastecimento global?
Se você tiver uma crise de abastecimento no mundo que, de novo, é remota, mas é possível, aí a gente tem um problema. Porque o Brasil é dependente da importação de combustíveis, hoje. Se houver uma falha de abastecimento hoje no planeta, de combustíveis, o Brasil não tem estoque. É suficiente para mais de uma semana de combustível. Então, existe uma vulnerabilidade aqui muito grande. A gente não tem estoque de combustíveis e não tem capacidade de refino suficiente para atender a nossa demanda doméstica.
Desde 2023, os preços do petróleo no Brasil não seguem à risca a trajetória do mercado internacional. Quais podem ser os riscos com esse 'abrasileiramento' dos preços do combustível, nessa situação?
A Refina Brasil pede ao Ministério de Minas e Energia, ao Ministério da Fazenda, que a ANP (Agência Nacional do Petróleo) seja instada a corrigir essa forma por completo, para que esse preço de referência da ANP reflita, de fato, o preço de mercado. E por que eu quero tanto que isso aconteça? Porque eu quero poder comprar petróleo brasileiro. Hoje, com a situação que está, é muito melhor, é muito mais vantajoso para a petroleira exportar para ela própria, no exterior, e depois revender para o comprador independente. É muito mais vantajoso. Ela não quer me vender aqui no mercado interno, porque quando ela vende no mercado interno pra mim, o que acontece? Ela tem que emitir nota fiscal de venda, ela paga o Imposto de Renda e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) sobre o preço de mercado, porque ela vai me vender pelo preço de mercado. Então, eu acabo sendo obrigado a importar boa parte do meu insumo. E aí eu pago acima do preço de mercado, porque, além do preço mercado, eu pago frete e seguro internacional. Então, o Brasil acaba ficando menos competitivo, em termos de preço de combustível, e um mercado menos competitivo. Por consequência, não há estímulo a ter investimentos em novas capacidades de refinamento no Brasil.
Acredita que há boa vontade do governo e do Congresso para discutir sobre uma possível expansão da parcela de petróleo já refinado por meio das refinarias privadas, com o objetivo de abastecer a cadeia nacional?
Nós não precisamos de incentivo. Eu só preciso de condições isonômicas de concorrência. Então, o que que eu preciso? Eu preciso conseguir comprar petróleo brasileiro a um preço competitivo. Eu preciso conseguir condições concorrenciais que obedeçam à Lei Antitruste, à lei de defesa da concorrência com a Petrobras. E eu preciso que a Petrobras tenha uma política de preço que seja convergente com o preço do mercado, dos combustíveis. Se eu tiver isso, o investimento em refino no Brasil virá.
E o mercado, atualmente, vê com bons olhos a abertura para investimento no Brasil?
Em todos os eventos, foros e viagens que a Refina Brasil está presente, a gente escuta e a gente tem consultas de potenciais investidores querendo saber sobre o mercado brasileiro, porque é um mercado que tem deficit, é um mercado grande, o nosso mercado consumidor é de 330 milhões de pessoas. Para se ter uma ideia, essa região do Oriente Médio — o Golfo Pérsico inteiro — tem 40 milhões de pessoas. Se incluir o Irã, são 90 milhões de pessoas. Então, o mercado consumidor deles é muito pequeno e eles têm muito petróleo. Então, o Brasil é um mercado consumidor muito vistoso, muito atrativo. Há possibilidade ou haveria a possibilidade de a gente ter inúmeras refinarias a mais no Brasil. Vou dar um exemplo: nos Estados Unidos, existem mais de 150 refinarias. Aqui no Brasil, são 18 refinarias, apenas. Veja a quantidade de potencialidade de investimento que existe aqui. Para cobrir o gap de refino aqui no Brasil, a gente teria que investir mais de R$ 70 bilhões. Todo esse dinheiro pode vir do setor privado. Não é necessário dinheiro público para isso. Ele pode vir do setor privado. Eu só preciso dessas três coisas: conseguir comprar petróleo brasileiro, ter condições de concorrência justas com a Petrobras e que a Petrobras tenha uma política de preço alinhada ao preço internacional. E aí, a competição vai ser aberta e o investimento virá.
O senhor acredita que o setor já está preparado para aumentar essa parcela?
Eu não tenho dúvida de que este é o momento de o governo e de o setor privado se unirem em prol da autossuficiência da soberania energética do Brasil. Porque esse é o momento em que a gente vê materializar o risco que a gente vem falando apenas em tese. Então, essa é a hora, esse é o chamado a um trabalho para que o governo e o setor privado se unam em prol da soberania energética do Brasil. Eu não tenho dúvida de que essa discussão não vai passar tão cedo, porque essa instabilidade que a gente está vendo agora, eu espero que não dure tanto, mas esse risco é permanente há décadas naquela região. Então, o Brasil precisa parar de perder oportunidades, parar de exportar petróleo e importar combustível. Ou seja, a gente exporta menos valor agregado e importa mais valor agregado. Isso é inaceitável, e a gente não pode depender de importações de combustíveis para atingir, ou para abastecer o mercado em um país continental. Então, esse é um chamado à ação. Este é o momento que a gente está vivendo.
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