Mercado de trabalho

Projeto propõe a contratação de engenheiros com mais de 60 anos 

Em meio à escassez de mão de obra especializada, ex-alunos da USP e do ITA lançam plataforma para recrutar profissionais

A plataforma InovaSenior foi criada pelo ITA, em parceria com a USP -  (crédito: Divulgação)
A plataforma InovaSenior foi criada pelo ITA, em parceria com a USP - (crédito: Divulgação)

Diante do cenário de escassez de engenheiros no mercado brasileiro e de valorização de profissionais experientes, graduados em engenharia na Universidade de São Paulo (USP) e no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) lançam nesta sexta-feira (22) o InovaSenior, projeto que propõe a volta de engenheiros com idade a partir de 60 anos ao mercado de trabalho. 

A estratégia do projeto, que inicialmente conta com 200 engenheiros da USP e do ITA, é usar tecnologia como ponte para reconectar profissionais experientes ao mercado por meio de plataforma digital com inteligência artificial, governança ambiental, social e corporativa. O sistema aproximará engenheiros de empresas, startups e instituições que necessitam de experiência e visão estratégica.

"Seniores são hoje uma reserva de competência e qualificação técnica que nos possibilitará crescer enquanto enfrentamos o desafio de melhorar nossa educação para suprir as necessidades de nossas empresas e negócios", explicou Ricardo Pessoa, um dos coordenadores do InovaSenior e engenheiro eletricista de 65 anos.

Os "desafios" comentados por Ricardo perpassam pelo fato de o mercado de engenharia carecer de mão de obra qualificada.

Na avaliação de Roberto Thiele, engenheiro aeronáutico de 59 anos formado pelo ITA e colaborador na estruturação do projeto InovaSenior, a importância de profissionais experientes no mercado perpassa tanto pela bagagem curricular como por meio do compartilhamento de experiências.

"A gente tem mais experiência para compartilhar, já temos um acúmulo de erros ou de acertos e esse tipo de histórico ajuda muito no processo de tomada de decisão para que erros não sejam repetidos", defendeu.

Juliana Ramalho, engenheira de produção formada pela USP em 2001 e empresária especializada em talentos seniores, complementa a observação . "A pessoa experiente tem essa habilidade de vocabulário e de comunicação mais desenvolvida. Então, usa uma ferramenta de inteligência artificial e já se comunica e já tem acesso a um histórico de determinado erro ou até de uma solução para um determinado problema".

O InovaSenior surge em contexto demográfico favorável para as projeções de longevidade. Segundo estimativas do IBGE o Brasil terá cerca de 75,3 milhões de pessoas com mais de 60 anos em 2070, representando 37,8% da população total.

Para o engenheiro Ricardo Pessoa, isso representa uma oportunidade única. "A gente tem o bônus da longevidade", afirma. "Muita coisa está acontecendo e os 60 são os novos 40. Tem muita energia para essas pessoas darem no processo produtivo."

Deficit elevado

Dados da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) apontam déficit de 75 mil engenheiros no país. Além disso, professores de engenharia ouvidos pelo Correio  apontam que boa parte de seus alunos abandonam os estudos para trabalhar em áreas que oferecem salários maiores a jovens.

“Muitos (alunos) saem no meio do curso para trabalhar no mercado financeiro ou com alguma outra coisa que nada tem a ver com engenharia”, comentou Dorel Ramos, professor de engenharia elétrica na USP.

Além da questão econômica, o InovaSenior pretende combater problemas sociais relacionados ao envelhecimento. “O que acontece com os caras que se aposentam aos60, 65 anos? Ele vai gradativamente se tornando invisível e completamente alienado. A consequência disso é depressão e morte”, alerta Pessoa.

O coordenador cita experiência pessoal para ilustrar o problema: conheceu pessoas que, após se aposentarem, passaram a frequentar bares diariamente e não resistiram por mais de uma década a essa rotina. O financiamento do projeto InovaSenior virá de doações dedutíveis do Fundo do Idoso, permitindo que empresas e pessoas físicas direcionem parte do Imposto de Renda para a causa. A meta é captar até R$ 15 milhões em cinco anos.

Entre os objetivos iniciais estão a capacitação de 200 engenheiros seniores nos três primeiros anos, desenvolvimento de 10 projetos de inovação com impacto tangível e engajamento de mais de 300 empresas parceiras. “O InovaSenior nasceu para transformar experiência em ativo estratégico para o país. É um projeto que honra o passado, atua no presente e constrói o futuro”, afirmou Duperron Ribeiro, diretor da plataforma de ex-alunos da Escola Politécnica da USP (PoliAlumni).

Para Juliana Ramalho, a iniciativa chega em um momento crucial para a engenharia brasileira. “Nós queremos criar um canal de divulgação para os nossos 60+ que eles mostrem com orgulho o que foi feito no Brasil, o que é feito através da engenharia, o que continuará a ser feito com a IA. A IA não vai matar a engenharia, bem pelo contrário, ela precisa de mais gente pensante para fazer coisas interessantes com uma tecnologia fácil.”

Rafael Rosa, vice-presidente da AEITA, resume a importância do projeto: “É um movimento necessário diante da escassez de engenheiros habilitados no Brasil e do potencial desperdiçado de milhares de profissionais experientes que ainda querem, podem e são capazes de contribuir”.

  


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postado em 21/08/2025 03:30 / atualizado em 30/09/2025 20:36
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