TÓQUIO 2020

Oitavo, Zanetti cai, mas o choro não foi porque perdeu medalha

O atleta arriscou o triplo mortal e caiu das argolas. Minutos depois, a emoção não foi contida, mas o motivo não era a queda e sim a família

JOÃO VITOR MARQUES - Enviado especial
postado em 03/08/2021 06:00
 (crédito: Ezra Shaw/AFP)
(crédito: Ezra Shaw/AFP)

Tóquio — Rebeca Andrade sorria ao chegar para a entrevista. Não parecia que tinha acabado de ficar sem medalha na final do solo nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Mas isso pouco importava. A ginasta brasileira de 22 anos sabia que havia colocado o próprio nome na história com o ouro no salto e a prata no individual geral. Mais do que os pódios, construiu um legado imensurável.

Mais leve, Rebeca pisou no solo ciente de que precisaria de uma apresentação quase perfeita para conquistar medalha em uma final que teve notas altíssimas. No primeiro movimento, errou. Aterrissou fora do tablado e viu as chances de pódio se esvaírem rapidamente. Das arquibancadas do Centro de Ginástica de Ariake, foi possível ouvir um desabafo de lamentação. Não da ginasta, mas de quem a apoiava — maioria nas tribunas quase vazias.

Mas Rebeca continuou, embalada pelas palmas ritmadas das arquibancadas, que recebiam atletas e jornalistas-torcedores (ou torcedores-jornalistas). Ao som do funk Baile de Favela, do MC João, ela fez uma série quase perfeita a partir daí e alcançou 14.033 pontos, que lhe renderam a quinta colocação. O ouro foi da estadunidense Jade Carrey (14.366), a prata, da italiana Vanessa Ferrari (14.200) e o bronze ficou dividido entre a russa Angelina Melnikova e a japonesa Murakami Mai (ambas com 14.166).

Ao ver a nota no telão, Rebeca não se abateu, sorriu e agradeceu aos que a acompanharam. “Jamais poderia esperar tudo o que aconteceu. As medalhas a gente sempre quer ganhar, mas acho que ganhei muito mais que as medalhas. Ganhei a admiração das pessoas, o respeito, fiz história, representei um país inteiro. Não foi só a medalha. O que me deixa mais feliz é orgulhar todo mundo, minha família, meu treinador. Foi mais do que eu sonhei”, vibrou.

E Rebeca sabe bem que o que está vivendo não é um sonho. “Já caiu a ficha, porque eu durmo com elas (as medalhas) do meu ladinho (risos)”, brincou. “Me senti incrível. É sério, porque eu não me senti pressionada para nada, não me senti pressionada para levar uma medalha para o Brasil, não me senti pressionada para acertar tudo, mesmo querendo acertar. Foi uma coisa muito natural mesmo, que fluía, só fluía”.

A apresentação no solo na manhã de ontem (noite no Japão) foi a última de Rebeca Andrade na Olimpíada. A ginástica continua até hoje, mas com finais sem a presença da brasileira. “Agora, vou curtir o momento, ver minha família, falar com várias pessoas”, disse.

Nenhuma das entrevistas de Rebeca Andrade depois das medalhas de ouro e prata atraíram uma diversidade tão grande de jornalistas. Após o solo, não eram tantos, mas de vários lugares do mundo. A brasileira virou popstar na internet — com mais de dois milhões de seguidores — e despertou a atenção da imprensa estrangeira.

Ontem, os intérpretes disponibilizados pela organização, curiosamente, não estavam. Sobrou para uma outra pessoa fazer a tradução simultânea do português para o inglês aos estrangeiros que queriam saber de Rebeca Andrade, das medalhas e do funk que a embalou. Sem a presença de Simone Biles, a brasileira foi a mais exaltada da noite, embora não tenha subido ao pódio.

“Ouvi as palmas (da arquibancada durante a apresentação). Me deu muita força, porque eu já estava morrendo (risos). Isso é muito importante, porque é bom quando você vê que o público está gostando do que você está fazendo, sabe? A arbitragem vê que as pessoas gostam e curtem também, o que é muito importante”, afirmou.

“Baile de Favela”, porém, pode estar com os dias contados na apresentação de Rebeca. A série pode ter sido a última da ginasta ao som do funk. “Não sei se vou continuar com Baile de Favela. Eu amo essa música, mas se o coreógrafo falar que a gente vai mudar, eu vou mudar, não tem problema. Mas se eu tiver que continuar, vou continuar, porque está sendo incrível me apresentar com ela”, contou. Com ou sem Baile de Favela, Rebeca volta para casa com o status de um dos grandes heróis olímpicos do Brasil.

Família

Sereno, Arthur Zanetti sabia que tinha feito o certo ao arriscar um triplo mortal grupado. Era a única chance de conquistar o tão sonhado terceiro pódio olímpico nas argolas. Campeão em Londres (2012) e vice no Rio (2016), o paulista de 31 anos caiu. Mas o choro só veio minutos depois, quando a competição já havia acabado. E não era de tristeza.

Era saudade. São dias distante do pequeno Liam, o filho de quase 11 meses. Para tê-lo por perto de alguma maneira, Zanetti levou a Tóquio a roupinha do bebê. “É a roupa dele, o cheirinho dele, tudo…”, começou a chorar. “Está tranquilo, é só saudades. É difícil, velho. É minha maior conquista, sem palavras”, prosseguiu.

“Ele, porra, é… Saudade, quase dois meses fora de casa, perder a evolução. Agora ele tá evoluindo muito rápido e só fico vendo pelo celular. Ainda bem que tem o celular para a gente ver hoje, mas nada como estar presencialmente. Minha maior conquista, não tem o que falar”, disse, ao ser consolado pelos repórteres.

Antes do choro, Zanetti resolveu aumentar a dificuldade da saída das argolas, mas caiu e recebeu 14.133 de nota — insuficiente para subir ao pódio. Com a pontuação, o brasileiro terminou a final em oitavo e último lugar. O ouro ficou com o chinês Liu Yang, com 15.500, a prata com o compatriota You Hao, com 15.300, e o bronze foi do grego Elefhterios Petrounias, com 15.200.

Zanetti foi o primeiro a se apresentar e tinha como meta chegar entre 15.350 e 15.400 na final — o que lhe daria uma medalha. Ao perceber o erro na saída e receber a nota ruim, o brasileiro agradeceu os aplausos das arquibancadas e esboçou um sorriso. Depois, sentado, acompanhou os outros competidores se apresentarem, sem maiores lamentações.

“A gente tem que sair feliz de tudo da nossa vida. Não é porque eu errei, que eu tenho que sair triste, acho que saí feliz porque eu arrisquei. Tinha que arriscar, e, é como falei, ninguém sabe o tanto que eu sofri para fazer esta saída, machuquei meu pé várias vezes para fazer esta saída. Se eu não tivesse feito ela aqui hoje, com certeza eu ficar triste. Provavelmente, pelas notas que geralmente vinha tirando em avaliações, competições, ia estar lá quarto, quinto, aí você ia me ver triste, porque eu não arrisquei”, afirmou.


Outro finalista

O Centro de Ginástica de Ariake também recebeu, ontem, a final do salto masculino. O Brasil foi representado por Caio Souza, que caiu e terminou em último, com 13.683. O ouro foi do sul-coreano Jeahwan Shin. A prata, do russo Denis Abliazin e o bronze, do armênio Artus Davtyan.


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