No ano em que o mundo celebra a realização da edição mais igualitária dos Jogos Olímpicos em termos de distribuição de vagas para homens e mulheres, uma dupla da canoagem velocidade feminina do Brasil acusa a Confederação da modalidade (CBCa) de boicote e discriminação de gênero. Ângela Aparecida da Silva e Andréa Santos Oliveira tinham o objetivo de competir em Paris-2024, mas não se classificaram e alegam responsabilidade da entidade por supostamente impedi-las.
Em tese, Ângela e Andréa teriam duas chances, entre agosto de 2023 e abril de 2024, para carimbar o passaporte para a missão olímpica na França. A primeira, no Campeonato Mundial em Duisburg, na Alemanha. Porém, era necessária convocação de Ângela pela Confederação Brasileira de Canoagem para remarem juntas, o que não aconteceu. Somente Andréa foi chamada. Posteriormente, elas acionaram o Tribunal de Justiça do Paraná e obtiveram liminar para brigar pela vaga.
Porém, foram impedidas de competir devido à suspensão da ação obtida pela CBCa em 17 de agosto de 2023, em instância superior, sete dias antes da largada. A justificativa era que a decisão do TJ-PR não respeitava a dupla originalmente escalada, formada por Andréa e Valdenice Conceição. Segundo a entidade, Andréa, inclusive, não compareceu aos treinamentos. A explicação dela foi baseada nas listas da competição, que apontava para a dobradinha com Ângela.
A defesa ressaltou que Andréa e Valdenice jamais disputaram provas juntas e remam para o mesmo lado, fator que pode contribuir para o desequilíbrio da embarcação na água. A CBCa costuma evitar o risco. No masculino, Isaquias Queiroz disputou o C2 500m com Jack Godman, pois Filipe Vieira pende para o mesmo lado do quatro vezes medalhista olímpico. O suposto tratamento diferenciado é uma das broncas da dupla feminina.
Tempos: o que dizem a defesa e a CBCa
Como não tiveram sucesso na busca por vaga via Mundial, Ângela e Andréa apostaram todas as fichas para competir no Pan-Americano, de 23 a 25 de abril, em Sarasota, nos Estados Unidos. Para isso, a defesa sustenta que as atletas precisariam alcançar ou se aproximar dos índices pré-estabelecidos. O corpo jurídico da dupla acredita que os tempos nas disputas do C1 200m seriam suficientes para a convocação (veja na imagem abaixo). A Confederação diverge. À reportagem, a entidade comunicou que as próprias canoístas teriam solicitado e estipulado o tempo de 1min59s, equivalente ao 3º lugar nos Jogos Pan-Americanos de Santiago-2023, não descrito no Plano de Trabalho, na medida em que apenas o barco campeão se classifica para a Olimpíada de Paris.
O informe da CBCa ressalta que as atletas não alcançaram o tempo necessário. Na primeira tomada de tempo, encerraram com a marca de 2min06s73 e, na segunda, com 2min12s91 (veja os resultados abaixo). “Considerando que a convocação ocorreu apenas em observância de critérios técnicos, não há recusa de inscrição e, muito menos, boicote as atletas e as mulheres canoístas”, ressaltou a entidade, em nota, emendando que o melhor tempo obtido por Ângela e Andréa juntas em competições oficiais da Confederação seja de 2min04s480.
Situado em Brasília, o escritório que defende Ângela e Andréa levou o caso novamente à justiça. O processo passou por análise da juíza Renata Ribeiro Bau, da 24ª Vara Cível de Curitiba, em 9 e 15 de abril. No último documento, ao qual o Correio teve acesso, a magistrada indeferiu o pedido, concluindo não haver embasamento para a inclusão de qualquer atleta após o fim do prazo das discussões. Três dias antes, os advogados das canoístas participaram de uma reunião com ouvidores dos Ministérios das Mulheres e do Esporte e membros jurídicos ligados à CBCa.
Entre os homens, os convocados foram Filipe Vieira, Jacky Goodmann, Edson Silva e Vagner Souta. Valdenice Conceição e Ana Paula Vergutz foram as selecionadas para as provas femininas. De acordo com a defesa de Ângela e Andréa, a CBca teria cometido boicote, forjado documentação de esclarecimento para a Federação Internacional de Canoagem (ICF, na sigla em inglês) e repassado informações não condizentes ao Comitê Olímpico do Brasil (COB).
Segundo a equipe, o caso foi passado para a apuração do Ministério Público, com objetivo de responsabilizar os envolvidos pelos supostos atos. Apesar dos processos movidos até o momento, todas as decisões legais resguardam e são favoráveis à CBCa.
O escritório de Brasília também relata suposto favorecimento a atletas. Enquanto a convocação era divulgada no portal da CBCa, competidores estavam a caminho dos Estados Unidos. “Como estão indo para uma seletiva sem convocação? Como você convoca no privado uma seletiva nacional e presta conta aos demais atletas? Passagens estavam compradas, vistos providenciados. Sabemos que visto americano não se tira da noite para o dia. É um festival de absurdos com dinheiro público. A informação privilegiada abre portas para alguns, enquanto outros ficam enxugando gelo”, questiona Luciano Judice, um dos advogados de Ângela e Andréa.
Segundo a defesa de Andréa e Ângela, a CBCa pratica boicote e atua com suposta discriminação de gênero por não levar atletas mulheres para provas de dupla da canoa de 500m desde 2018. Falta de incentivo, apoio logístico, desigualdade no fornecimento das embarcações — algumas, segundo os advogados, com avarias ou até inviáveis para a categoria — e em treinamentos também estão entre as reclamações. Segundo os advogados, as canoístas treinam por conta própria e estão sem competir internacionalmente, o que dificulta o acesso à Bolsa Pódio, benefício de R$ 5 mil a R$ 15 mil.
Veja nota completa da CBCa
A Confederação Brasileira de Canoagem publicou, no último dia 13 de abril de 2024, a convocatória dos atletas que representarão o Brasil no Campeonato Pan-Americano de Canoagem de 2024, a ser realizado na cidade de Sarasota – EUA. A convocação leva em consideração os parâmetros técnicos definidos em plano de trabalho divulgado em janeiro de 2024, em audiência pública realizada pela CBCa, e índices para cada modalidade.
Assim, a não convocação e inscrição das atletas Ângela Silva e Andrea Oliveira pela CBCa estão justificadas exclusivamente em critérios técnicos previamente estabelecidos e divulgados, e que jamais foram impugnados, cumpridos e alcançados pelas Atletas.
Para a tomada de tempo concedida pela Confederação, foi estabelecido como parâmetro mínimo na modalidade C2 500m o tempo de 1’59’’, equivalente ao 3o lugar no último Pan de Santiago 2023, na medida em que apenas o barco campeão da prova e classificado para os Jogos Olimpicos. O tempo de referência não foi atingido pelas atletas que, na primeira tomada de tempo, atingiram a marca de 2:06:73, e na segunda oportunidade a marca foi ainda pior, com o tempo de 2:12:91, quase 14 segundos acima do índice, conforme publicação oficial dos resultados no site da CBCa.
Registra-se, ainda, que o melhor tempo obtido pelas atletas em Competições oficiais da CBCa e de conhecimento desta de 2022 até hoje foi de 2'04''480''', mais de 5 segundos acima da referência estabelecida. Considerando que a convocação da CBCa ocorreu apenas em observância de critérios técnicos, não ha recusa de inscrição e muito menos boicote as atletas e as mulheres canoístas, que representarão o Brasil de forma brilhante no Campeonato Pan-Americano e nos Jogos Olímpicos Paris 2024.
A CBCa registra, ainda, que as Atletas ajuizaram acoes perante o Tribunal de Justiça do Estado do Parana em relação à convocação realizada pela CBCa no ano de 2023, quanto esta agora de 2024 para o Pan-Americano de Canoagem de 2024, a ser realizado na cidade de Sarasota – EUA, requerendo liminares para que CBCa fosse obrigada a convocar e inscrever as Atletas.
A CBCa obteve decisões favoráveis em todas as acoes, e estás decisões registraram que as convocações realizadas pela CBCa demonstravam legalidade e razoabilidade, pois realizadas em atenção a critérios técnicos, não se verificando as alegações de abuso ou boicote em relação às Atletas, menos ainda discriminação de gênero ou qualquer outra natureza, dentro da autonomia técnica e desportiva.
Sendo assim, em nome da verdade e da integridade da canoagem mundial e da CBCa, que sempre respeitou e fez respeitar regras e direitos de Atletas, prezando pela manutenção de critérios técnicos que prestigiam a competição igualitária em detrimento de descontentamentos individuais, a CBCa reafirma que sua convocação e conduta estão baseadas, exclusivamente, em parâmetros técnicos objetivando a melhor performance esportiva no desporto de alto rendimento, com a esperança de que o árduo trabalho realizado se reflita em novas vitórias da canoagem brasileira.
Sendo o que nos cabia para o momento, a CBCa reitera seu compromisso com o movimento olímpico e, em especial, em relação à promoção da equidade de gênero no âmbito da Canoagem nacional, esperando que os atletas e as atletas convocadas possam levar o Brasil ao lugar mais alto do pódio.
Errata: Diferentemente do publicado, o efeito suspensivo da liminar não foi obtido uma hora antes do início da prova do Mundial de Duisburg, na Alemanha, na qual Andréa e Ângela tinham o intuito de participar em 24 de agosto de 2023, mas, sim, no dia 17, uma semana antes.
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