
Quando assumiu a Presidência da República em 1956, Juscelino Kubitschek adotou o lema "50 anos em 5", na intenção de acelerar o desenvolvimento nacional com a construção de uma nova capital. Um dos marcos do Plano de Metas foi a criação de Brasília, inaugurada em 1960. Quinze anos depois, em 1975, o futebol local ganhou um capítulo decisivo na história: a fundação da Sociedade Esportiva do Gama, em um 15 de novembro como este sábado.
O alviverde completa cinco décadas apoiado por glórias e conquistas. A maior delas segue inabalável: a Série B do Campeonato Brasileiro de 1998. Com elenco repleto de pratas da casa, o Gama levantou a taça e coroou a campanha com um 3 x 0 sobre o Londrina, no antigo Mané Garrincha lotado. A vitória levou o clube à elite, rompendo um jejum local de 10 anos.
A saga gamense passou por caminhos tortuosos. Em 1999, após um escândalo no futebol brasileiro, o clube foi rebaixamento no "tapetão". Inconformada, a diretoria acionou a Justiça sob alegação de distorção de tabela e insegurança competitiva. Ali, criou-se uma revolução. A solução resultou na Copa João Havelange, disputada em 2000 com módulos e acessos livres aos envolvidos no litígio.
No cenário local, o alviverde mantém soberania. Mesmo atravessando um momento de recuperação administrativa e financeira, com direito a projeto fracassado de SAF, são 14 títulos do Campeonato Candango e domínio nas categorias de base, com conquistas no sub-20, 17 e 15.
A história gamense é construída, porém, por quem sustenta a identidade alviverde nas arquibancadas. E nem sempre os jogos precisam ter um peso tão grande para serem especiais. O Correio entrevistou cinco torcedores para relatarem, por meio de cinco jogos, experiências que marcaram os cinquenta anos de paixão.
STEPHANIE NASTENKA, enfermeira
Gama 4 x 1 Brasiliense (2003)
A paixão de Stephanie surgiu em casa. A torcedora sempre amou futebol, mas o pai demorou a levá-la aos estádios. A primeira ida ao Bezerrão aconteceu aos oito anos e marcou o início de um vínculo definitivo. Entre tantas lembranças, ela escolhe a final do Candangão de 2003, conquista que alimentou a rivalidade com o Brasiliense. Após o empate por 1 x 1 na ida, o Gama dominou a volta, venceu por 4 x 1 e levantou a taça. "Quando o jogo acabou, nós invadimos o campo para comemorar. No antigo Bezerrão, tinha um carrinho do maqueiro e a gente deu a volta nele. Eu tinha uma bandeirinha da torcida organizada, da Distrito Feminino. Eu era a única mulher naquela época", lembra. O episódio, porém, terminou na delegacia. "Rolou uma confusão e um policial me abordou quando eu estava organizando as coisas para ir embora. Ele mandou eu entregar a bandeira e eu disse que não faria. Tive que ficar sentada na delegacia por uns 30 minutos até ser liberada. E esse foi um dos dias mais inesquecíveis para mim: a primeira e única vez que invadi um campo para comemorar um título."
GABRIEL CAETANO, social media
Gama 2 x 1 Grêmio (2005)
Para Gabriel, crescer com o Gama significou entrar em campo, literalmente. Ele lembra com carinho dos jogos da infância. "Era o tempo em que eu costumava entrar com os jogadores." O comunicador treinava na Escolinha do Jaime, no antigo Bezerrinho, demolido para dar lugar ao Centro Olímpico. "Eles tinham uma parceria com o Gama. O Rodriguinho, por exemplo, foi revelado lá", explica. O pequeno Gabriel era recorrentemente convidado para ser gandula. Um dos chamados foi marcante: na estreia da Série B de 2005, diante do Grêmio de Mano Menezes. O Grêmio abriu o placar no início do jogo, com Anderson. O Gama empatou com Maia, de cavadinha, aos 35 minutos. "Quando empatamos, passei a segurar a bola para retardar o ataque deles e todos os gremistas começaram a me xingar. Me lembro de ser xingado pelo Mano Menezes e por outros jogadores deles, mas eu não estava nem aí". A tática deu resultado. Com a ajuda da malandragem, o alviverde virou para 2 x 1, com gol de Victor Santana, e estreou com vitória na segunda divisão nacional.
IARA LOPES, cuidadora
Gama 2 x 1 Duque Caxias (2015)
A vida de Iara sempre caminhou ao lado do Gama. Aos 62 anos, ela acompanha o time desde os primórdios. Escolher apenas uma história nos cinquenta anos do clube foi difícil. "Para mim, todo jogo do Gama é emocionante. Quando a gente ama o time, não tem só um." Na vitória por 2 x 1 contra Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, pela Série D, Iara decidiu acompanhar o time, mesmo sem dinheiro para a empreitada. Cuidadora, inventou uma história para conseguir liberação no plantão e foi atrás de uma solução improvável. "Meu filho, Guilherme, duvidou que daria certo. Mas eu arrumei dinheiro com a agiota. Pedi R$ 800. Quando meu filho chegou em casa, falei: tá aqui nossa viagem!" A aventura incluiu saída de madrugada, van lotada e bairros desconhecidos. A passagem pelo Rio ainda rendeu outra memória que ela guarda com carinho. Antes da partida, um carioca elogiou a camisa alviverde que vestia. Iara voltou à van e pegou outra que trazia na mala para presenteá-lo. "Paixão a gente não explica. Nasceu comigo e vai até eu partir dessa terra", declarou-se.
PAULO LIMA, empresário
Gama 2 x 3 América-RN (2015)
A relação de Paulo com o Gama nasce do pertencimento. Filho da cidade e criado em ambiente alviverde, ele foi influenciado pela paixão familiar, que chegou a patrocinar o clube. "Isso sempre foi nosso sonho. Nossa empresa, a Riacho Tintas, nasceu em 1999, em meio à ascensão do Gama. De lá para cá, crescemos ao ponto de ter condição financeira de patrocinar o time que tanto amamos". O amor, porém, trouxe consequências. Uma das histórias mais marcantes ocorreu em 2016, quando a relação de Paulo terminou por causa de uma viagem clandestina para acompanhar o time. "Fui escondido dela contra o América-RN, pela Copa do Brasil. No primeiro jogo, a gente tinha vencido por 1 x 0. Na volta, eu arrumei minhas malas e fui". Apesar da derrota por 3 x 2, o Gama avançou pelo critério de gols fora de casa. O time foi para frente, mas o namoro não. "O detalhe é que no meio da viagem ela descobriu que eu havia viajado para Natal e esse foi o motivo do término. Mas valeu cada centavo e perrengue da viagem, pois vi o Gama conseguir a classificação".
RÔMULO LOPES, advogado
Gama 1 (3) x (1) 1 Capital (2025)
Nascido e criado nos arredores do Bezerrão, Rômulo cresceu cercado por gamenses. A família vibra pelo alviverde. A devoção, que sempre existiu na arquibancada, aumentou quando o advogado passou a atuar profissionalmente no clube. Ele aponta a final do Candangão deste ano, diante do Capital, como o episódio mais emocionante da trajetória. A lembrança envolve entes queridos. A filha Mariana o acompanhou no trabalho e adotou o mesmo amor. "Mesmo que ela tenha crescido em uma fase ruim do clube, um dos maiores orgulhos da minha vida foi conseguir fazê-la torcer para o Gama. Ela poderia torcer para o Corinthians, o time da mãe, ou o Cruzeiro, do avô materno. Mas ela virou Gama." A disputa por pênaltis encerrou cinco anos de jejum sem títulos candangos. "Quando acabou, eu só lembrava da minha tia que faleceu, Zilena. Ela estaria muito orgulhosa de me ver lá trabalhando. Eu levei um retrato dela na mochila e eu achei minha prima na arquibancada. Tirei e mostrei para ela. Toda a família começou a chorar".
*Estagiário sob a supervisão de Marcos Paulo Lima
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