FUTEBOL

Jogo sujo: Brasil tem ano marcado por preconceito e discurso de ódio

Misoginia, homofobia, xenofobia, racismo, etarismo mancharam o futebol nacional por meio de falas de figurões. Presidente do Flamengo ofendeu jornalista que denunciou precariedade do time feminino

Lance da partida entre Botafogo e Flamengo, pela Supercopa do Brasil 2025, em Belém (PA)     -  (crédito: Vitor Silva/Botafogo)
Lance da partida entre Botafogo e Flamengo, pela Supercopa do Brasil 2025, em Belém (PA) - (crédito: Vitor Silva/Botafogo)

Nos deram espelho e vimos um futebol doente. Os diagnósticos são de misoginia, etarismo, homofobia, xenofobia, racismo... O esporte mais popular do mundo se despede de 2025 marcando gols contra em série. Discursos de ódio disseminados por vozes de comando dos clubes mais populares do Brasil — e até na Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol). Em vez de intensificar campanhas contra todo tipo de discriminação e de preconceito, os ataques estimulam e mobilizam torcedores a reproduzi-los.

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O mais recente partiu do presidente do Flamengo, Luiz Eduardo Baptista, o Bap. Durante a apresentação dos resultados financeiros do clube aos sócios na sede da Gávea, o dirigente mirou na comentarista Renata Mendonça, do Grupo Globo. A jornalista havia criticado a gestão da diretoria rubro-negra no futebol feminino, e o cartola respondeu com ofensas.

"Quais são os fatos: audiência crescente (do futebol feminino). Se compara com o futebol masculino? Não, mas não pode ser essa diferença. A TV fica com os lucros do pacote de marketing e não distribuiu aos clubes", inicia Bap na apresentação.

Na sequência, ataca: "Tem lá a 'nariguda da Globo' que fica falando mal da gente e tudo mais, do futebol, que não estimula... dá vontade de falar: 'Filha, convence a sua empresa a colocar R$ 10 milhões, R$ 20 milhões por ano em direito de transmissão que a coisa fica melhor. Pau de dá em João tem de bater em Maria também", disparou. O corte viralizou nas redes sociais com manifestações de solidariedade à jornalista e de repúdio a Bap.

"A Globo repudia o ataque gratuito e misógino do dirigente do Flamengo a uma de suas profissionais e reitera seu profundo respeito às mulheres e a opiniões críticas que não ofendam nem insultem quem quer que seja", contra-atacou a empresa.

A passagem relâmpago do técnico argentino Ramón Díaz pelo Internacional foi marcada por um discurso machista na entrevista coletiva depois do empate por 2 x 2 com o Bahia no Beira-Rio. "Futebol é para homens, não é para meninas. É para homens", reforçou. Diante da repercussão, o treinador publicou nota oficial com pedido de desculpas.

Vitor Roque virou réu no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) após fazer uma publicação homofóbica nas redes sociais depois da vitória de virada do Palmeiras contra o São Paulo em outubro, no MorumBis. O atacante publicou no perfil oficial no Instagram a imagem de um tigre devorando um veado — alusão homofóbica aos torcedores do São Paulo, segundo apontou o MPSP.

Os discursos preconceituosos estiveram dentro e fora das quatro linhas durante toda a temporada. No início deste ano, a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, rebateu um manifesto contrário ao uso de gramado sintético no futebol brasileiro com discurso etarista. 

"Normalmente, os atletas que reclamam são mais velhos, eu até compreendo que querem prolongar ainda mais a vida profissional deles, então eles acham que isso pode encurtar a vida útil deles como atleta. Mas, normalmente, são atletas que já deveriam ter parado de jogar futebol ao invés de ficar reclamando do gramado. Levando em conta que no Brasil a realidade é outra, se os gramados europeus são tão bons, ótimo, fiquem lá, não venham para cá. Eu me refiro aos jogadores que fizeram aquele manifesto", atacou.

Contratado em caráter de urgência nas últimas duas rodadas do Campeonato Brasileiro com a missão de evitar o segundo rebaixamento do Internacional, o técnico Abel Braga agiu com homofobia na chegada ao clube ao se manifestar sobre a cor de camisa alternativa.

Durante o acerto intermediado pelo diretor esportivo do Internacional Andrés D'Alessandro, Abel Braga revelou o tema de uma conversa privada com o dirigente: "Eu falei: 'Eu não quero a porra do meu time treinando de camisa rosa, parece time de veado", soltou. Na tentativa de justificar-se, Abel piorou. "Eu tinha que relaxar meu grupo. Eu quero os caras fortes".

Depois de apanhar nas redes sociais, o treinador se retratou. "Colorados e coloradas, em primeiro lugar reconheço que não fiz uma colocação boa sobre a cor rosa durante a minha coletiva. Antes que isso se prolifere, peço desculpas. Cores não definem gêneros. O que define é caráter. O Internacional precisa de paz e muito trabalho", escreveu Abel Braga.

Sobrou para Ancelotti

A deselegância do futebol brasileiro atingiu até o técnico da Seleção. Em novembro, Carlo Ancelotti sofreu ataques xenofóbicos dos colegas de profissão Émerson Leão e Oswaldo de Oliveira no papel de convidado no Segundo Fórum Brasileiro de Treinadores de Futebol, realizado em novembro, na sede da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro.

"Eu sempre disse que não gosto de treinadores estrangeiros no meu país. Não mudo a minha opinião. Mas tenho que ser inteligente suficiente para dizer que isso tudo tem um culpado. Nós. Nós, treinadores, somos culpados da invasão de outros treinadores que não têm nada a ver com isso", protestou o ex-goleiro, com serviços prestados ao futebol japonês no cargo de técnico de times como Shimizu S-Pulse, Verdy Kawasaki e Vissel Kobe, além do Al-Sadd do Catar, país localizado no Oriente Médio.

O ex-técnico Oswaldo de Oliveira também atacou o técnico italiano do Brasil. "Eu não queria treinador estrangeiro, mas não tinha jeito, se tivesse que ser, que fosse esse senhor (Carlo Ancelotti). Torci para ser esse senhor. Depois que ele for embora, campeão do mundo, que venha um brasileiro", endossou o coro.

O racismo entrou em campo na temporada de competições organizadas pela Conmebol na voz do presidente da entidade, Alejandro Domínguez. Questionado sobre como seria a Libertadores sem a participação dos clubes brasileiros, o dirigente nascido no Paraguai respondeu com a seguinte metáfora: "Como o Tarzan sem a Chita". Depois, ele se retratou.

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MP
postado em 26/12/2025 06:00
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