CIÊNCIA

Pesquisadora da UnB encontra dente de 120 milhões de anos em Minas Gerais

O fóssil preenche uma lacuna na ciência nacional apontando para a conexão geográfica dos continentes americano e africano

Flávia Fialho, 47, com o fóssil encontrado na Bacia do São Francisco -  (crédito: Artur Maldaner/CB Press)
Flávia Fialho, 47, com o fóssil encontrado na Bacia do São Francisco - (crédito: Artur Maldaner/CB Press)

Encontrado pela pesquisadora Flávia Fialho, 47 anos, um dente de pterossauro, de 120 milhões de anos, é a mais nova aquisição do acervo do Museu de Geociências (MGEO), da Universidade de Brasília. O dente foi resgatado durante a pesquisa de doutorado de Flávia, em escavações na Formação Quiricó, na Bacia do São Francisco (MG), junto com fósseis de plantas e peixes. "Poderíamos ter achado dentes de tubarão, de crocodilo, que são registros que a gente já sabia que tinham lá. Mas demos sorte de achar o de um pterossauro, que era inédito na região", explica a curadora do MGEO.

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Não é possível descobrir exatamente a espécie de pterossauro apenas com o dente encontrado, mas a pesquisadora explica que se trata de um réptil voador, frequentemente confundido com dinossauro, possuía envergadura de asa de dois a quatro metros e crânio de aproximadamente 66 centímetros. No Brasil, vestígios já haviam sido encontrados no Ceará, na Paraná, na Bahia e no Maranhão, mas não na Formação Quiricó, em Minas Gerais, um dos maiores sítios paleontológicos do país.

  •  A pesquisadora (C) conversa com grupo de visitantes do museu: divulgação científica
    A pesquisadora (C) conversa com grupo de visitantes do museu: divulgação científica Divulgação
  • Divulgação científica: o museu é aberto ao público e recebe visitações de escolas do DF
    Divulgação científica: o museu é aberto ao público e recebe visitações de escolas do DF arquivo pessoal
  • O dente encontrado em Minas Gerais é de um pterossauro, réptil voador do período
    O dente encontrado em Minas Gerais é de um pterossauro, réptil voador do período Artur Maldaner/CB Press
  •  O dente mede 3 centímetros: descoberta
    O dente mede 3 centímetros: descoberta Artur Maldaner/CB Press
  • Flávia Fialho, 47, com o fóssil encontrado na Bacia do São Francisco
    Flávia Fialho, 47, com o fóssil encontrado na Bacia do São Francisco Artur Maldaner/CB Press
  • Flávia Fialho coletando amostras nos folhelhos papiráceos, formações rochosas da Bacia de São Francisco
    Flávia Fialho coletando amostras nos folhelhos papiráceos, formações rochosas da Bacia de São Francisco Arquivo pessoal

Flávia explica que o dente é uma amostra relevante não só para o conhecimento paleontológico e geográfico do nosso país, mas também para o fomento de novas escavações na Formação Quiricó: "É uma região muito rica, com fósseis de diversos tipos, mas muito pouco estudada", diz sobre a descoberta inédita. 

O fóssil encontrado ainda não faz parte da exposição do MGEO, que conta com outras amostras semelhantes, como dentes de pterossauros achados em Marrocos. A curadora planeja adicioná-lo na próxima reformulação. Segundo Flávia, uma opção seria usar o dente como parte de uma oficina educativa, juntando os fósseis de peixe e plantas, encontrados na Bacia do São Francisco, durante sua pesquisa, para montar uma representação do ambiente mineiro no período cretáceo, de 120 milhões de anos. 

"Hoje sou bem reconhecida e procurada pelo meu trabalho no museu", afirma a bióloga de formação. Flávia trabalha como técnica no Museu de Geociências da UnB há nove anos e explica que o doutorado nasceu de uma vontade de entender mais da paleontologia, além de aprimorar seu trabalho. Ela só não imaginava que teria um achado inédito, e conta que, desde a publicação do artigo que cataloga o dente de pterossauro, já teve a descoberta apresentada em um simpósio internacional, na Alemanha.

Escavando o reconhecimento

Quando realizava as escavações para sua tese de doutorado, Flávia tinha outro resultado em mente: planejava estudar os peixes da ordem gonorinchiformes, que habitavam a Formação Quiricó, no período cretáceo inferior, quando havia diversos corpos d'água interconectados. O lugar da escavação também não foi aleatório. O professor da UnB Demerval do Carmo, um dos orientadores da tese, já havia realizado outras pesquisas na mesma área. Também colaborou o docente especialista em vertebrados, Rodrigo Santucci.

No total, foram três expedições na bacia sedimentar mineira, durante os anos de 2020 e 2022. Flávia, os dois orientadores e outros alunos da universidade viajavam de caminhonete e se instalavam em Patos de Minas, com idas matinais de 60km para a Fazenda de São José, onde começavam as escavações. Os pesquisadores levavam ao local os martelos e formões, uma espécie de espátula para quebrar rochas, e procuravam os fósseis entre folhelhos papiráceos, uma rocha fina feita de sedimentos, que possui o formato de folhas empilhadas. 

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Em 2022, uma colega de Flávia encontrou o dente de pterossauro enquanto quebrava as rochas. A relíquia histórica chegou a cair e quebrar ao meio, mas a pesquisadora decidiu seguir com a análise: "Pensei: 'Nossa, deve ser de dinossauro, vamos coletar'". Ao chegar a Brasília, as amostras passaram pela análise de Flávia, que percebeu que o dente encontrado não se assemelhava ao de outras espécies, como crocodilos, cobras e até dinossauros, que viviam na região há milhões de anos.

"Então, vi que poderia ser de um pterossauro, e, fazendo a comparação, percebemos que o fóssil possui mais semelhanças com as espécies encontradas em Marrocos do que com as achadas no Brasil", explica. De acordo com a pesquisadora, o fóssil, por se assemelhar aos encontrados em Marrocos, reforça a antiga conexão geográfica da África e América do Sul, que na época em que a espécie vivia, estavam em processo de separação, como descrito na Teoria da Deriva Continental.

Flávia conta que, inicialmente, o orientador dela nem queria que a análise do dente fosse feita, e que imaginava ser apenas mais um fóssil de jacaré, ou de cobra da região. Mas a pesquisadora agiu por conta própria e, ao invés de escrever um artigo para o doutorado, escreveu três, todos com base nas descobertas da Bacia de São Francisco. "Eu sou teimosa e fiz as coisas da forma que eu queria. Tanto que, depois, o professor viu a importância do achado, e o apresentou durante um simpósio internacional", celebra.

Dom natural

"O amor pela ciência é um dom. Tenho uma conexão muito forte com a natureza", afirma a pesquisadora. Enquanto a biologia estuda o presente, a paleontologia estuda o passado, e portanto são duas faces da mesma moeda: "Quando comecei a estudar paleontologia, minha cabeça abriu. Porque eu compreendia os animais no presente, mas não sabia exatamente o que tinha acontecido antes, quais processos, e descobri a importância de entender a evolução", conta.

Motivada pela curiosidade, Flávia visitou o Museu de História Natural de Nova York e o Museu Histórico Natural de Londres e vários outros: "Quando eu fui ao Museu de Londres, eu chorei horrores. Era um sonho muito grande, e lá vi as coletas do Charles Darwin. Então, eu sou muito apaixonada pela ciência", diz. 

O MGEO tem visitação gratuita e aberta ao público, sem necessidade de agendamento. Fica no ICC Norte, na UnB. Atualmente, recebe a mostra 3 Atos: Conhecendo a Terra, sobre a evolução do planeta Terra de forma didática. A curadora, que trabalhou no Museu Nacional do Rio de Janeiro, antes do incêndio em 2018, explica que costumam receber alunos de escolas públicas e turmas da própria UnB. "A divulgação científica é a minha paixão", afirma.

Estagiário sob a supervisão de Márcia Machado

 


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postado em 03/12/2025 08:00 / atualizado em 03/12/2025 11:24
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