
Encontrado pela pesquisadora Flávia Fialho, 47 anos, um dente de pterossauro, de 120 milhões de anos, é a mais nova aquisição do acervo do Museu de Geociências (MGEO), da Universidade de Brasília. O dente foi resgatado durante a pesquisa de doutorado de Flávia, em escavações na Formação Quiricó, na Bacia do São Francisco (MG), junto com fósseis de plantas e peixes. "Poderíamos ter achado dentes de tubarão, de crocodilo, que são registros que a gente já sabia que tinham lá. Mas demos sorte de achar o de um pterossauro, que era inédito na região", explica a curadora do MGEO.
Não é possível descobrir exatamente a espécie de pterossauro apenas com o dente encontrado, mas a pesquisadora explica que se trata de um réptil voador, frequentemente confundido com dinossauro, possuía envergadura de asa de dois a quatro metros e crânio de aproximadamente 66 centímetros. No Brasil, vestígios já haviam sido encontrados no Ceará, na Paraná, na Bahia e no Maranhão, mas não na Formação Quiricó, em Minas Gerais, um dos maiores sítios paleontológicos do país.
Flávia explica que o dente é uma amostra relevante não só para o conhecimento paleontológico e geográfico do nosso país, mas também para o fomento de novas escavações na Formação Quiricó: "É uma região muito rica, com fósseis de diversos tipos, mas muito pouco estudada", diz sobre a descoberta inédita.
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O fóssil encontrado ainda não faz parte da exposição do MGEO, que conta com outras amostras semelhantes, como dentes de pterossauros achados em Marrocos. A curadora planeja adicioná-lo na próxima reformulação. Segundo Flávia, uma opção seria usar o dente como parte de uma oficina educativa, juntando os fósseis de peixe e plantas, encontrados na Bacia do São Francisco, durante sua pesquisa, para montar uma representação do ambiente mineiro no período cretáceo, de 120 milhões de anos.
"Hoje sou bem reconhecida e procurada pelo meu trabalho no museu", afirma a bióloga de formação. Flávia trabalha como técnica no Museu de Geociências da UnB há nove anos e explica que o doutorado nasceu de uma vontade de entender mais da paleontologia, além de aprimorar seu trabalho. Ela só não imaginava que teria um achado inédito, e conta que, desde a publicação do artigo que cataloga o dente de pterossauro, já teve a descoberta apresentada em um simpósio internacional, na Alemanha.
Escavando o reconhecimento
Quando realizava as escavações para sua tese de doutorado, Flávia tinha outro resultado em mente: planejava estudar os peixes da ordem gonorinchiformes, que habitavam a Formação Quiricó, no período cretáceo inferior, quando havia diversos corpos d'água interconectados. O lugar da escavação também não foi aleatório. O professor da UnB Demerval do Carmo, um dos orientadores da tese, já havia realizado outras pesquisas na mesma área. Também colaborou o docente especialista em vertebrados, Rodrigo Santucci.
No total, foram três expedições na bacia sedimentar mineira, durante os anos de 2020 e 2022. Flávia, os dois orientadores e outros alunos da universidade viajavam de caminhonete e se instalavam em Patos de Minas, com idas matinais de 60km para a Fazenda de São José, onde começavam as escavações. Os pesquisadores levavam ao local os martelos e formões, uma espécie de espátula para quebrar rochas, e procuravam os fósseis entre folhelhos papiráceos, uma rocha fina feita de sedimentos, que possui o formato de folhas empilhadas.
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Em 2022, uma colega de Flávia encontrou o dente de pterossauro enquanto quebrava as rochas. A relíquia histórica chegou a cair e quebrar ao meio, mas a pesquisadora decidiu seguir com a análise: "Pensei: 'Nossa, deve ser de dinossauro, vamos coletar'". Ao chegar a Brasília, as amostras passaram pela análise de Flávia, que percebeu que o dente encontrado não se assemelhava ao de outras espécies, como crocodilos, cobras e até dinossauros, que viviam na região há milhões de anos.
"Então, vi que poderia ser de um pterossauro, e, fazendo a comparação, percebemos que o fóssil possui mais semelhanças com as espécies encontradas em Marrocos do que com as achadas no Brasil", explica. De acordo com a pesquisadora, o fóssil, por se assemelhar aos encontrados em Marrocos, reforça a antiga conexão geográfica da África e América do Sul, que na época em que a espécie vivia, estavam em processo de separação, como descrito na Teoria da Deriva Continental.
Flávia conta que, inicialmente, o orientador dela nem queria que a análise do dente fosse feita, e que imaginava ser apenas mais um fóssil de jacaré, ou de cobra da região. Mas a pesquisadora agiu por conta própria e, ao invés de escrever um artigo para o doutorado, escreveu três, todos com base nas descobertas da Bacia de São Francisco. "Eu sou teimosa e fiz as coisas da forma que eu queria. Tanto que, depois, o professor viu a importância do achado, e o apresentou durante um simpósio internacional", celebra.
Dom natural
"O amor pela ciência é um dom. Tenho uma conexão muito forte com a natureza", afirma a pesquisadora. Enquanto a biologia estuda o presente, a paleontologia estuda o passado, e portanto são duas faces da mesma moeda: "Quando comecei a estudar paleontologia, minha cabeça abriu. Porque eu compreendia os animais no presente, mas não sabia exatamente o que tinha acontecido antes, quais processos, e descobri a importância de entender a evolução", conta.
Motivada pela curiosidade, Flávia visitou o Museu de História Natural de Nova York e o Museu Histórico Natural de Londres e vários outros: "Quando eu fui ao Museu de Londres, eu chorei horrores. Era um sonho muito grande, e lá vi as coletas do Charles Darwin. Então, eu sou muito apaixonada pela ciência", diz.
O MGEO tem visitação gratuita e aberta ao público, sem necessidade de agendamento. Fica no ICC Norte, na UnB. Atualmente, recebe a mostra 3 Atos: Conhecendo a Terra, sobre a evolução do planeta Terra de forma didática. A curadora, que trabalhou no Museu Nacional do Rio de Janeiro, antes do incêndio em 2018, explica que costumam receber alunos de escolas públicas e turmas da própria UnB. "A divulgação científica é a minha paixão", afirma.
Estagiário sob a supervisão de Márcia Machado

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