A professora Érica Cristina Bispo foi aprovada em primeiro lugar no concurso público para docente na área de literaturas africanas de língua portuguesa da Universidade de São Paulo (USP) realizado em 2024. Todavia, ela está impedida de tomar posse, dado que o certame foi anulado após recurso impetrado por seis candidatos. Funcionária pública federal no Rio de Janeiro, ela já estava planejando a mudança e visitando apartamentos em São Paulo.
Ao Correio, a professora relatou a medida foi tomada após recurso interposto por seis candidatos, que questionaram a lisura do processo, alegando suposta proximidade de Érica e duas avaliadoras da banca examinadora. As acusações, segundo ela, se baseiam em fotos publicadas em redes sociais, tiradas durante congressos acadêmicos, nas quais aparece ao lado das professoras.
Além das supostas relações interpessoais, os candidatos também questionaram o currículo de Érica. "Eu passei legitimamente, eu não fui beneficiada", declara Érica, que se sente "injustiçada".
O Ministério Público, acionado em paralelo pelos mesmos candidatos, arquivou o caso após concluir que "não houve improbidade administrativa de nenhum dos agentes públicos" e que "todo o processo foi legítimo". No entanto, a USP optou por invalidar o concurso, sem apontar irregularidades na atuação da banca examinadora — principal alvo das acusações —, concentrando a anulação na participação de Érica. Diante da decisão, a docente entrou com ação judicial pedindo a reversão da anulação, apresentando o parecer do MP como base de sua defesa.
A docente ainda aponta que há um viés racial no caso. "A minha primeira reação quando eu soube do recurso foi falar assim: que coisa racista. Para mim salta os olhos o fato de todos os candidatos que entraram com o recurso serem brancos e formados na USP e eu sou a preta que não se formou na USP", afirma a docente.
Os mesmos candidatos também buscaram o Ministério Público (MP). Em um processo separado, o Ministério Público arquivou a ação, concluindo que "não houve improbidade administrativa de nenhum dos agentes públicos" e que "todo o processo foi legítimo". A USP, no entanto, não questionou a banca — alvo principal do recurso — mas apenas a candidata. Érica agora entrou na justiça, pedindo a anulação da anulação e utilizando o parecer do Ministério Público como prova de sua legitimidade.
A situação se agravou com a abertura de um novo concurso para a mesma vaga. A professora afirma que, mesmo podendo se reinscrever, considera o novo certame uma injustiça. “É injusto ter que refazer um concurso para o qual já fui aprovada. E, se outra pessoa passar, e eu ganhar na Justiça depois? Como fica? Esse novo concurso transforma meu caso numa corrida contra o tempo”, desabafa.
Em nota enviada ao Correio, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP confirmou que o processo de contratação chegou a ser iniciado, mas foi interrompido após o recurso. A decisão, segundo a instituição, foi tomada pelo Conselho Universitário com base nas "ponderações sobre o relacionamento evidenciado nas redes sociais". A faculdade afirmou ainda que não tem autonomia para reverter a medida, cabendo eventual reversão apenas por via judicial.
A FFLCH informou ainda que, na fase de inscrições do concurso anulado, três candidatos se autodeclararam negros e foram aprovados pela banca de heteroidentificação, mas apenas Érica compareceu às provas. A nova seleção está com inscrições abertas, e a direção da faculdade declarou esperar que a professora participe novamente.
Confira a íntegra da nota da FFLCH
"A FFLCH homologou o resultado, mas outros candidatos fizeram recurso a uma instância superior, o Conselho Universitário. Esse órgão superior, que é o máximo da Universidade, anulou o concurso porque considerou que havia indícios de relações de proximidade da candidata aprovada e indicada com pessoas integrantes da banca. Essa conclusão teve embasamento em postagens em redes sociais em que, além de fotos, havia expressões de amizade. O concurso será refeito.
- No processo, consta que a Congregação da FFLCH não atendeu os recursos e homologou o concurso, isto é, deu andamento à aprovação e contratação da Érica, como informado acima.
- O processo de contratação da Érica foi iniciado, mas outros candidatos fizeram recurso ao Conselho Universitário, que decidiu pela anulação. O motivo foi a ponderação que o Conselho fez sobre o relacionamento que as postagens em redes sociais mostram. Sendo uma decisão do Conselho Universitário, a FFLCH não tem como reverter, tem que ser revertida na justiça.
- No momento da inscrição, houve três candidatos autodeclarados negros (PPI) e aprovados pela banca de heteroidentificação da Faculdade, mas apenas a Erica realizou as provas do concurso, sendo que os demais não compareceram.
- O concurso foi reaberto, as inscrições estão em andamento, e a direção da FFLCH espera que a Érica se inscreva".
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