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Seiji Isotani: "Nosso currículo precisa abraçar a tecnologia"

Especialista Seiji Isotani detalha entraves e potencialidades do uso da inteligência artificial na sala de aula

Isabela Stanga
postado em 15/09/2024 06:00
Seiji Isotani, professor USP -  (crédito: Divulgação)
Seiji Isotani, professor USP - (crédito: Divulgação)

A evolução da inteligência artificial para o modelo generativo causou impactos na sociedade que a educação não pode ignorar. Os sistemas de ensino precisam se apropriar cada vez mais das potencialidades para o processamento de dados e a tomada de decisão. "Nós já estamos atrasados no sentido de repensar o nosso currículo para abraçar essas tecnologias e aumentar as nossas capacidades", diz Seiji Isotani, professor de ciência computacional e tecnologia do aprendizado da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Sociedade Internacional de Inteligência Artificial na Educação (IAIED, na sigla em inglês). Confira os principais trechos da entrevista a seguir.

Confira os principais trechos da entrevista a seguir:

Como a inteligência artificial pode influenciar a dinâmica escolar? 

Temos vários tipos de influência. Uma que já está acontecendo em vários locais é o professor ter um dashboard, um conjunto de informações que a inteligência artificial oferece para que ele entenda qual é o estado atual dos alunos. Imagine um que está dando aula para 10 salas diferentes ou mais. Cada sala de aula tem uns 30 alunos. Estamos falando de mais ou menos uns 300 alunos, e ele não consegue acompanhar individualmente cada um desses alunos em cada uma das salas. A inteligência artificial pode vir como um mecanismo para apoiar o professor a entender quais são as dificuldades dos alunos, apresentando um dashboard com as dificuldades deles e ajudando o professor a tomar a melhor decisão pedagógica. 

E para os alunos e os gestores?

No momento de estudo individual ou em grupo, a inteligência artificial também pode atuar como um apoio ao aluno, identificando qual a sua dificuldade e mostrando um passo a passo com as melhores estratégias para que ele consiga aprender e construir o seu próprio conhecimento. Para o gestor, é a mesma coisa: conseguimos vários dados de diferentes locais para entender, por exemplo, que às vezes é melhor você usar recursos para capacitar o professor do que para comprar mais ônibus para a escola. Ou é melhor investir em merenda escolar do que em uniforme. Essas decisão precisam ser tomadas baseadas em evidências que a inteligência artificial pode ajudar a construir.

Como a inteligência artificial pode ajudar os alunos a se prepararem para o futuro?

O que está acontecendo, na verdade, é que estamos em um processo de transição, e isso passa por como nos entendemos como ser humano. Quais são as nossas capacidades e como é que a gente consegue aumentar as nossas capacidades por meio do uso desse tipo de tecnologia? E aí precisamos entender que tipo de capacidades a tecnologia, em particular, da IA, oferece, e que tipo de tarefa ela ainda tem dificuldade para realizar. Tem um livro muito interessante do Charles Fadel, Education in the Age of AI (Educação na era da IA, em tradução livre), e em uma parte ele menciona que, quando olhamos para a inteligência artificial, precisamos pensar no presente, no médio prazo e no longo prazo. O que a IA consegue fazer agora? Então, o papel do sistema educacional é utilizar da melhor forma essa tecnologia e apoiar o aluno a aprender outras coisas, porque isso que a tecnologia faz melhor, talvez não seja mais necessário para a gente. Da mesma forma como os currículos evoluíram ao longo do tempo. Imagina que em 1700, 1800, o currículo era totalmente diferente. Qual é a evolução necessária nesse currículo? Nós já estamos atrasados no sentido de repensar o nosso currículo para abraçar essas tecnologias.

É necessário incluir no currículo tecnologia e pensamento crítico? 

Eu acredito que sim, mas o pensamento crítico é independente de tecnologia. Torna-se ainda mais necessário o pensamento crítico quando você tem mecanismos de automatização de diferentes processos e muitos desses processos podem nos afetar. Exemplo: um texto escrito por máquina. Qual é a análise crítica que nós temos que fazer? Os dados são factuais? De onde eles vieram? Será que existe algum viés nesse texto? Será que ele está me direcionando para alguma conclusão? Então, precisamos ter um papel ainda mais importante de pensamento crítico e de julgamento, porque a previsão é de que, nos próximos cinco anos, de 30% a 50% de tudo o que vai estar na internet terá processamento de máquina.

Quais são os riscos da dependência excessiva da IA no contexto da educação?

Eu acho que o grande risco da inteligência artificial na educação é você perder a capacidade de processar a informação. Então, você deixa tudo para o ChatGPT e outras tecnologias e pega a primeira resposta que vem dali. Você faz uma pergunta, tem uma resposta e você usa daquele jeito, recebe aquela resposta como uma resposta correta. Você perde o processo dialógico, de construção, de pensar. Um dos grandes benefícios desse tipo de tecnologia de IA-generativa é a capacidade de conseguir dialogar com a tecnologia para construir uma coisa que não seria possível fazer sozinho. O grande medo é a perda dessa capacidade de processar, de tomar decisões e de construir em conjunto.

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