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Por que a primeira infância é fase crucial do desenvolvimento?

Até os 6 anos de idade, experiências moldam o cérebro e determinam habilidades cognitivas e sociais. A ciência explica por que priorizar essa fase é investir no futuro

Até os 6 anos de idade, o cérebro humano é capaz de formar mais de um milhão de conexões por segundo. É uma explosão invisível, mas que constrói as bases para o que a criança será no futuro. A forma como vai aprender, se relacionar, lidar com emoções, viver em sociedade. A esse período, dá-se o nome de primeira infância.

Apesar das evidências científicas, a infância segue ocupando lugar secundário na cultura brasileira. A psicopedagoga Luciana Brites, mestre e doutoranda em distúrbios do desenvolvimento, afirma que esse olhar distorcido é um dos maiores entraves. "Sempre que falamos em criança, tudo é colocado em um lugar de menor importância. Acham que basta alimentar e garantir o bem-estar físico, mas se esquecem de que 90% da nossa estrutura cerebral se forma na primeira infância. O brincar, por exemplo, é visto como perda de tempo, quando na verdade é a linguagem mais significativa do desenvolvimento", observa.

Ciência explica o desenvolvimento infantil

A ciência ajuda a explicar o que Angélica Ávila, médica neuropediatra da ABAaction, chama de "sinfonia" de mudanças. "Nos primeiros anos, ocorre a sinaptogênese exuberante: milhões de conexões são criadas rapidamente. Em seguida, vem a poda sináptica, quando as conexões pouco usadas são eliminadas e as mais estimuladas se fortalecem. Paralelamente, ocorre a mielinização, que funciona como um isolamento elétrico dos neurônios, acelerando a transmissão das informações. Em termos simples: cada experiência nessa fase ajuda a definir quais circuitos permanecerão ativos para a vida toda."

É esse processo que garante a plasticidade cerebral, ou seja, a capacidade de o cérebro se adaptar e aprender. "Depois dos 6 anos, a plasticidade continua, mas de forma mais seletiva. As bases já estão lançadas, e o refinamento depende mais de treino e de repetição. O que não for feito na primeira infância dificilmente será recuperado com a mesma força depois", explica a médica.

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Essas transformações se traduzem em marcos visíveis. No campo da linguagem, a evolução vai do balbucio nos primeiros meses às frases complexas por volta dos 5 anos. Na motricidade, do controle cervical aos 3 meses ao domínio da escrita inicial aos 6 anos.

Já na interação social, do sorriso social e do contato ocular no primeiro ano à brincadeira cooperativa e às primeiras negociações na idade pré-escolar. Cada etapa, embora variável entre crianças, mostra a construção progressiva de habilidades que sustentarão a vida adulta.

Fotos: Bruna Gaston CB/DA Press - Joyciane com a filha Betina: bem-estar emocional é prioridade

Metas e objetivos para a primeira infância no Brasil

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece que, de 0 a 5 anos, as crianças devem ter assegurados seis direitos de aprendizagem: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Já as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação infantil reforçam a criança como sujeito de direitos, histórico e social, cujo desenvolvimento deve ser integral (físico, cognitivo, afetivo, social e cultural).

Para Luciana Winck, vice-diretora educacional do Colégio Marista João Paulo II, isso significa olhar a criança em sua inteireza: "Para que uma criança se desenvolva de maneira integral, é preciso oferecer condições de aprendizagem em todos os aspectos: emocional, físico, cognitivo, espiritual. A infância não é um rascunho: é a fase que marca memórias e constrói bases para toda a vida adulta".

Esse compromisso se materializa no cotidiano. "Hoje, não se fala em uma infância, mas em múltiplas infâncias. O respeito a esses contextos únicos passa pela escuta atenta, pela valorização das culturas infantis e pelo uso do brincar como motor da aprendizagem. Quando família, escola e comunidade caminham juntas, o desenvolvimento é pleno", completa.

Na prática, as famílias reconhecem o impacto. Giovana Tonello, advogada e mãe de Maria, estudante do Infantil 4 do Marista, conta que a escola mostrou que o brincar é um instrumento poderoso de aprendizagem. "Minhas filhas passam o dia na escola e, mesmo assim, muitas vezes não querem ir embora. Isso mostra que a infância é respeitada em sua essência, sem pressa de pular etapas. O lúdico ensina mais do que uma abordagem rígida", avalia.

Para Joyciane Loreto, mãe de Betina, do Infantil 5, é importante que a escola se preocupe com o bem-estar emocional. "Um indivíduo emocionalmente estável consegue lidar com os desafios da vida de forma calma e equilibrada, seja nos estudos, seja no trabalho ou na integração social."

"A primeira infância é o tempo das raízes. Cada palavra, gesto de afeto e oportunidade de brincar se transforma em arquitetura cerebral. É um período que define não apenas o destino de cada criança, mas a sociedade que estamos construindo. Ela não pode ser vista como detalhe: é a fase que define quem seremos como pessoas e como nação", conclui a psicopedagoga Luciana Brites.

As medidas urgentes para proteger a primeira infância

  •  Expandir creches e pré-escola
  •  Combater a insegurança alimentar
  • Garantir pré-natal de qualidade
  • Reforçar a vacinação
  • Apoiar famílias
  • Implementar a Política Nacional Integrada da Primeira Infância

Dados revelam urgência

Mesmo com tantos avanços, os números mostram o tamanho do desafio. A insegurança alimentar atinge um em cada três brasileiros de 0 a 4 anos, comprometendo não só o crescimento físico, mas também o desenvolvimento cerebral. Na educação, 441 mil crianças de 4 a 5 anos não frequentam a pré-escola, etapa obrigatória, e apenas 38% dos pequenos de até 3 anos têm acesso à creche.

Especialistas lembram que a escolha de uma creche ou pré-escola deve levar em conta mais do que localização ou custo. Espaços físicos seguros e estimulantes, educadores preparados para valorizar o brincar, propostas pedagógicas claras e abertura ao diálogo com as famílias são critérios essenciais.

A escola precisa ser parceira da família no cuidado e no desenvolvimento integral, respeitando o ritmo de cada criança. Na saúde, há um retrocesso preocupante: em 20 anos, a cobertura vacinal caiu de 100% para 78%, abrindo espaço para doenças antes controladas. Além disso, mulheres negras ainda têm menos acesso a pré-natal adequado do que mulheres brancas, um reflexo das desigualdades que começam antes mesmo do nascimento.

A economia confirma o que a neurociência mostrou. O Nobel James Heckman demonstrou que cada dólar
investido na primeira infância gera até sete dólares de retorno em saúde, escolaridade, produtividade e redução da violência. “É na primeira infância que se define o futuro de um país”, resume a psicopedagoga Luciana Brites.

“Investir cedo é a melhor estratégia para combater desigualdades e quebrar o ciclo da pobreza. O país perde seu maior ativo, o potencial humano, quando não prioriza a infância. O resultado são maiores desigualdades, dificuldades escolares, problemas de saúde e custos crescentes em políticas corretivas”, afirma a CEO da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Mariana Luz.

O que diz a lei

A Constituição Federal, no artigo 227, determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, os direitos da criança. O Marco Legal da Primeira Infância aprofundou esse compromisso, ao prever apoio à parentalidade, atenção integral à saúde, expansão da educação
infantil e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Neste ano, o país deu um passo histórico ao sancionar a Política Nacional Integrada da Primeira Infância (PNIPI).

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