
Entre as periferias de São Paulo e do Distrito Federal, cresceu William Silva Placides, um menino cheio de sonhos e com uma trajetória marcada pela superação de dificuldades e a valorização da educação. Nascido em Itapecerica da Serra (SP), ele se mudou aos 11 anos com a mãe e os três irmãos para o Sol Nascente, que já foi considerada a maior favela do Brasil pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estudante da rede pública de ensino por toda a vida, William se dedicou aos estudos para alcançar seu maior objetivo profissional: ser diplomata.
Após sete anos de muita dedicação, conciliando trabalho e estudos para garantir o sustento, além de cinco seleções frustradas no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD), do Ministério das Relações Exteriores (MRE), o sonho dele se tornou realidade. No final do ano passado, aos 35 anos, William descobriu a aprovação no concurso, que é considerado um dos mais difíceis e concorridos do Brasil.
O novo diplomata tomou posse em 23 de janeiro deste ano, como terceiro-secretário do Itamaraty, cargo inicial da carreira. Agora, ele está recebendo formação no Instituto Rio Branco (IRBR), na Asa Sul. "A sensação é de realização mesmo. Eu fui ao encontro da minha vocação, do meu destino, e consegui chegar até aqui, nunca desisti", conta, orgulhoso.
Do barro ao diploma
William diz que a vinda para o DF foi motivada pela separação dos pais e porque sua mãe tinha parentes em Brasília. Por questões financeiras, a família se instalou no Sol Nascente, em uma região que não tinha asfalto, era estrada de terra; condição que, segundo ele, permanece. O diplomata admite que cresceu em uma comunidade violenta, onde a falta de perspectiva de vida se fazia presente no cotidiano: "Uma região sem privilégios". Porém, William superou as dificuldades por meio da educação, sempre valorizada em casa.
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Em 2007, aos 18 anos, conquistou o quarto lugar entre os estudantes de escolas públicas de Brasília no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Assim, ele cursou relações internacionais na Universidade Católica de Brasília (UCB), com bolsa integral pelo Programa Universidade para Todos (Prouni), vinculado ao Ministério da Educação (MEC) e que oferece bolsas de estudo em universidades particulares. Naquele ano, a mãe de William, dona Nina, que concluiu os estudos pela Educação de Jovens e Adultos (EJA), também conquistou uma vaga na universidade pelo Enem com bolsa integral no Prouni, cursando pedagogia.
"Eu tinha nota para medicina em algumas universidades do Brasil, mas escolhi relações internacionais, apesar de, na época, sequer ter viajado de avião. Foi um chamado, eu tinha muita curiosidade e interesse pela área, e hoje sei o porquê", compartilha. O diplomata lembra, com carinho, de um tio que era tenente da Polícia Militar do DF e, em 2010, morreu em um terremoto no Haiti, no Caribe, enquanto servia nas Nações Unidas, enxergando o policial como grande referência para a decisão pelo curso.
"Ele era uma pessoa muito inspiradora e querida, que adorava estudar idiomas. De alguma maneira, eu me espelhava na carreira dele e, quando eu estava na faculdade, ele faleceu. Lembramos dele como um herói brasileiro, um exemplo para mim", relata. Para William, a conclusão da formação, em 2013, aos 22 anos, foi o começo de um caminho que deixará legado para os filhos: "Hoje, o fruto do meu estudo vai impactar definitivamente toda a minha descendência, quebrando, por fim, o ciclo de pobreza."
Responsabilidades
No primeiro ano de faculdade, William fez estágio na Embaixada da Itália, experiência que considera propulsora para seguir a carreira diplomática. Naquela mesma época, porém, ele se casou e teve filhos, o que, segundo ele, levou ao afastamento dos planos profissionais, devido à necessidade de sustento da família. Aos 19 anos, foi aprovado no concurso da Polícia Penal do DF, onde permaneceu por 14 anos. Paralelamente ao serviço policial, William diz que sempre trabalhou com a esposa em atividades comerciais para complementar a renda.
Naquele momento, ele achava que fazer o concurso para diplomacia não era uma realidade próxima, até que algumas oportunidades surgiram. Já formado em relações internacionais, participou do programa Brasília Sem Fronteiras, do Governo do Distrito Federal (GDF), que selecionou estudantes de escolas públicas e servidores para fazer intercâmbio, tendo a chance de fazer um curso de um mês na Áustria: "Eu olhava a diplomacia com olhos brilhantes", diz. Em 2017, William resolveu se dedicar a essa jornada e prestou o concurso do Itamaraty pela primeira vez, passando para a etapa discursiva da prova.
Apesar da reprovação, por meio da Bolsa Prêmio de Vocação para Diplomacia, programa do MRE que fornece recursos para profissionalização de candidatos pretos e pardos, o diplomata fez uma formação complementar junto à Organização das Nações Unidas (ONU) na Suíça durante quase quatro meses, o que aumentou, ainda mais, seu desejo pela profissão. "Foi aí que eu me apaixonei mesmo. Falei: 'Cara, é isso que eu quero para minha vida'. Só não sabia que seriam mais seis anos de luta, tentativas e falhas até chegar lá", expõe o servidor.
Nos últimos dois anos de estudo antes da aprovação no concurso, William conta que trabalhava 48h semanais na Polícia Penal, além do emprego em uma clínica de estética com a esposa e também no ramo de construção, com a fabricação de blocos de cimento. "Naquele momento tão turbulento, a galera perguntava como eu fazia para estudar. Eu estudava na hora que dava e, muitas vezes, isso era das 3h às 7h da manhã. Foi difícil, realmente extenuante, mas era o possível, e que bom que deu certo."
Persistência
Sem ter diploma de língua estrangeira, importante para a diplomacia, William acredita que seu diferencial foi a persistência. "Eu tinha medo de nunca passar, porque achava difícil. Eu via os aprovados nos anos anteriores e pensava: 'Como esses caras conseguem fazer isso?'. Mas se tem algo que eu fiz bem, foi não desistir. Eu decidi que iria até o final, porque uma hora eu passaria. E quem não desiste, chega", compartilha, alegre.
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Como sua primeira inspiração, ele cita a mãe, que sempre acreditou no seu potencial. "Ela me falava: 'Você pode ser o que você quiser. Corre atrás e dá o seu melhor, que você vai conseguir'. Minha mãe já se dizia muito orgulhosa dos filhos, mas eu sempre quis dar mais orgulho ainda para ela", conta, emocionado. Ele diz que também tem grande admiração por Sérgio Vieira de Mello, diplomata brasileiro das Nações Unidas morto em um atentado no Iraque em 2003: "Era uma figura fantástica".
Além da mãe e de Sérgio, William se espelhava em outros jovens que tinham vivências parecidas às dele. "Eu achava muito bonito ver histórias de pessoas que, apesar das dificuldades, passaram em concursos, como a de um rapaz que foi gari e tomou posse como juiz federal", destaca.
Exemplo
Como recado final, o diplomata espera que sua trajetória possa inspirar outros que, assim como ele, vieram "de baixo", em um contexto com poucas oportunidades e perspectivas de vida, mostrando que é possível ascender profissionalmente e superar os obstáculos da realidade social em que estão inseridos. A essas pessoas, ele diz: "Se você tem um sonho, corre atrás disso que vai dar certo. O estudo é sempre o melhor caminho, e foi assim que cheguei até onde estou hoje."
*Estagiária sob a supervisão de Marina Rodrigues