
Mesmo com sinais claros de retomada, o setor de eventos no Brasil ainda enfrenta desafios para se consolidar após os efeitos da pandemia covid-19, há cinco anos. De um lado, o crescimento no número de feiras, congressos e encontros empresariais aquece a economia; de outro, as empresas que sustentam essa cadeia seguem endividadas, pressionadas por juros elevados e pela ausência de políticas públicas permanentes.
"O setor está, sim, respondendo muito bem, com geração de empregos e movimentando a economia. Mas ninguém está olhando para as empresas que precisaram se endividar para sobreviver", alerta Enid Câmara, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Eventos (Abeoc) Brasil. Ela lembra que boa parte dos negócios fizeram empréstimos com taxas de juros bem menores do que as praticadas hoje. "A Selic estava em 5%, 3%, 4% quando pegamos empréstimos para segurar nossos negócios. Hoje, ela está em 11%, 12%. Quem é que paga essa conta?", questiona.
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A preocupação é principalmente devido ao fim do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), que beneficiava a recuperação do setor e também deixou marcas. Segundo Enid, a entidade judicializou a questão, buscando reverter o fim do benefício. "Empresa de alimentação, por exemplo, recebeu, e isso é uma grande injustiça. Agora, cabe à Justiça decidir. A nossa parte, estamos fazendo", afirma. Além disso, a entidade contratou um terceiro estudo técnico para comprovar que os dados apresentados pela Receita não refletem a realidade do setor.
Enquanto os números de eventos voltam a crescer, a recuperação financeira das empresas segue lenta. "Levamos 50 anos para consolidar esse setor. Aí vem uma pandemia que derruba tudo, e agora querem que, em dois anos e meio, a gente tenha recuperado tudo? Não existe mágica que faça isso", pontua.
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A falta de incentivos é um tema recorrente. "Se você olhar para o agronegócio, para a indústria, todos têm benefícios, incentivos, fixos. E nós, do setor de eventos, não temos nada", reforça Enid. Segundo a presidente, para organizar uma feira de médio porte, especialmente no Nordeste, é necessário investir, do próprio bolso, valores que chegam facilmente a milhões de reais, com retorno apenas após o evento. "O pós-Perse precisa ser a construção de uma política definitiva para o nosso setor", sugere.
Outro gargalo debatido no 4º Summit Brasil Eventos, realizado em Fortaleza, está na malha aérea nacional, que não acompanhou o ritmo da retomada dos eventos e outros setores. "O Brasil é muito grande e não temos todos os modais funcionando, como na Europa. Dependemos dos voos e muitos ainda não voltaram. Isso encarece muito os eventos e dificulta o planejamento", lamenta a presidente.
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Exemplo social
O presidente da Abeoc Ceará, Leonardo Araride, reforça que o setor precisa ser visto de forma mais estruturada. "Nosso setor envolve cerca de 52 ramos de atividades diretamente ligados. Fora os indiretos, que são muitos", destaca. Segundo ele, eventos só acontecem graças à união de diferentes serviços, como agências, hotelaria, transporte e estrutura. "Temos andado cada vez mais de mãos dadas, e é assim que estamos vencendo os desafios."
Leonardo destaca também que, diferentemente de setores, o setor de eventos sofre com o fato de ser composto por muitos pequenos negócios. "Somos muitos, pequenos, ocupando muito espaço e movimentando uma cadeia enorme. Só que ninguém vê isso. Precisamos gritar para nos fortalecer", afirma.
No Ceará, a Abeoc local desenvolve um modelo inovador de conexão entre o setor de eventos e a educação técnica. Durante o Summit, os líderes nacionais da entidade foram levados para dentro de escolas profissionalizantes, promovendo uma troca direta com alunos. "É um evento itinerante, que leva o conhecimento até a academia. Isso aproxima quem está se formando do mercado real", explica Leonardo. A ideia, segundo ele, é transformar esse modelo em referência nacional.
O evento também serviu como palco para uma discussão urgente: a necessidade de dados atualizados sobre a cadeia produtiva de eventos. "O nosso setor não conhece seus próprios números, e é por isso que a Abeoc Brasil tem investido nesse terceiro estudo de dimensionamento", destaca Leonardo.
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O encontro reforça a importância de ações conjuntas. "O mais valioso desse tipo de evento é o networking. É o espaço para trocar ideias, compartilhar experiências e pensar em como replicar nos nossos estados. É isso que fortalece o setor e nos ajuda a construir um futuro mais sustentável", conclui.
*A jornalista viajou a convite da Abeoc Brasil
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Em defesa do setor
A ausência de dados consolidados sobre o setor de eventos brasileiro foi, por muito tempo, uma das maiores fragilidades na busca por reconhecimento, incentivos e políticas públicas. A boa notícia é que esse cenário começa a mudar. Está em curso um levantamento inédito conduzido pelo Observatório da Indústria do Ceará, em parceria com o Sebrae Nacional, que promete oferecer, pela primeira vez em mais de uma década, um retrato real, atualizado e ampliado do impacto econômico e social dos eventos no país.
"Esse levantamento não ocorre desde 2013. O setor ficou mais de 10 anos no escuro, sem dados oficiais que pudessem mostrar sua força, sua geração de emprego e sua contribuição econômica", explica Mariana Matos, coordenadora técnica do Observatório. Segundo ela, o estudo não se limita a repetir o modelo antigo, mas traz uma abordagem muito mais ampla e profunda, com inclusão de categorias que antes não eram contempladas, como coworkings e shopping centers, além de um recorte específico sobre espaços de eventos e fornecedores.
Diferentemente de uma pesquisa baseada apenas em cruzamento de bases secundárias, o levantamento atual trabalha com dados primários, ou seja, diretamente coletados nas empresas, espaços, fornecedores e profissionais que fazem parte dessa engrenagem. "Nosso objetivo é entender a fundo como funciona essa cadeia, quais são os gargalos, quais são as oportunidades e, mais do que isso, gerar insumos para construir cenários futuros para o setor", afirma Mariana.
Ela ressalta que a metodologia utilizada inclui ferramentas da prospectiva estratégica, permitindo que o próprio setor trace, com base em dados concretos, onde quer estar daqui a dez anos. O trabalho também traz uma inovação ao oferecer uma visão regionalizada, algo que nunca havia sido feito nos levantamentos anteriores. "Pela primeira vez, vamos entender claramente onde estão os maiores polos, as maiores concentrações de fornecedores, organizadores e espaços, e onde estão as regiões que precisam de mais incentivo e desenvolvimento", pontua.
Além de dimensionar o presente, os dados têm papel fundamental na defesa do setor, principalmente em momentos em que são necessários pleitos junto ao Legislativo e ao Executivo. "Toda vez que o setor tenta negociar algum benefício, algum incentivo ou até se posicionar na formulação de políticas públicas, a primeira pergunta que surge é: qual é o tamanho do setor? O que vocês representam na economia? E, até hoje, a resposta era vaga", explica.
Representatividade
Mariana lembra que essa fragilidade não ocorre, por exemplo, com setores como comércio, indústria ou agronegócio, que possuem federações fortes, dados atualizados e uma voz institucional permanente. O setor de eventos, composto majoritariamente por micro, pequenas e médias empresas, e dividido entre pelo menos 14 entidades nacionais representativas, sempre enfrentou mais dificuldades. "Esse é um dos maiores desafios do trabalho: o setor não tem uma única entidade que o represente por inteiro. Precisamos alinhar as visões de todas, entender o que se quer medir e, a partir disso, construir um retrato fiel e consistente", detalha.
Ela reforça que a dificuldade não está apenas na obtenção de dados secundários, mas na mobilização do próprio setor. "É preciso que os empresários respondam às pesquisas, participem das entrevistas, contribuam com informações. Só quem está na ponta pode dizer, de verdade, qual é a realidade dos eventos no Brasil. Não são só números frios", destaca.
O cronograma prevê que os resultados completos do levantamento sejam apresentados em 2026, embora a data exata ainda dependa da decisão do Sebrae, parceiro na realização. Mariana é categórica ao dizer que o setor sai fortalecido com essa iniciativa. "Nosso objetivo é que esse estudo seja um divisor de águas. Que o setor, que hoje ainda luta para ser reconhecido, finalmente tenha nas mãos um instrumento poderoso para se posicionar, negociar, planejar e crescer com segurança", finaliza. (LC)