Por trás da mente veloz e da criatividade abundante, muitos adultos superdotados enfrentam uma realidade marcada pela solidão, instabilidade no trabalho e sofrimento emocional. Essa é a principal comprovação de um estudo conduzido pela estudante de psicologia Júlia Munhoz de Freitas, do Centro Universitário de Brasília (CEUB), que investiga o impacto psicossocial do diagnóstico de altas habilidades (AH/SD) na vida adulta.
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A pesquisa, selecionada para apresentação no 12º Congresso Brasileiro de Avaliação Psicológica, em 2025, mergulha nas experiências de pessoas que, apesar de um alto potencial intelectual, vivem à margem de ambientes profissionais e sociais que pouco compreendem ou acolhem suas especificidades.
"Superdotação não é dom mágico, nem maldição. É uma forma de existir que precisa ser reconhecida ao longo de toda a vida, não só na infância", defende a autora.
O estudo entrevistou seis adultos com diagnóstico formal de altas habilidades, todos com ensino superior completo e média de idade de 34 anos. Cinco eram mulheres e um, homem. Eles atuam em áreas como educação, cinema, música, direito e serviço público.
Apesar das conquistas acadêmicas e profissionais, relataram uma sensação persistente de não pertencimento. "Mesmo quando atingem resultados expressivos, sentem-se deslocados, como se precisassem conter quem realmente são para se adaptarem ao ambiente", explica Júlia.
Vida profissional
Além da frustração em espaços de trabalho pouco desafiadores, a trajetória desses profissionais é marcada por mudanças frequentes de emprego, desgaste emocional, sobrecarga e sintomas de ansiedade e depressão.
A ausência de acolhimento e escuta qualificada agrava esse cenário. Muitos ainda escondem suas habilidades por medo de julgamento ou de parecerem arrogantes, por isso a necessidade de se esconder.
Mas é importante lembrar que podem apresentar assincronias no desenvolvimento. Isto significa que nem sempre é acompanhado por uma maturidade emocional e social equivalente, gerando certas dificuldades nas interações e na adaptação a alguns contextos.
Para a estudante, a superdotação esteve associada, desde cedo, à percepção de diferença. Assim como ela, expressões como "me sentia estranho desde pequeno" ou "sempre me disseram que eu era exagerado" revelam a dor de quem passou grande parte da vida tentando entender por que não se encaixava.
"A sensação de estar mentalmente acelerado em um ambiente que funciona em ritmo mais lento também surgiu em diversas entrevistas, provocando cansaço, isolamento e, em alguns casos, sintomas depressivos", considera.
O professor Carlos Manoel Rodrigues, orientador da pesquisa no UniCeub, explica que o sofrimento relatado tem origem em um sistema que não foi feito para comportar essas potências. "Essas pessoas costumam ter sensibilidade emocional elevada, senso ético aguçado e necessidade de estímulo intelectual. Em ambientes engessados, essas características viram peso", afirma.
O estudo chama atenção para um vácuo nas políticas públicas e educacionais voltadas à superdotação, historicamente concentradas na infância e no ensino básico.
A estudante defende uma abordagem que considere o ciclo completo da vida e incentive ambientes de trabalho mais inclusivos, com espaço para inovação e trajetórias não convencionais.
"Quando reconhecida e bem integrada, pode se transformar em potência para a sociedade. Mas, sem apoio, vira fonte de sofrimento, exclusão e invisibilidade", alerta a estudante.
Para ela, a pesquisa é um convite à construção de pontes que permitam que esses indivíduos sejam vistos, compreendidos e valorizados por inteiro.
