As pessoas que têm autismo encaram uma série de desafios diários e precisam, com frequência, desenvolver habilidades e estratégias para conviver de forma saudável no meio em que estão. As adversidades variam e não são iguais para todas as pessoas nessa condição.
O diagnóstico, ainda na infância, pode ajudar a construir caminhos que levem ao equilíbrio de forma mais suave. Por outro lado, tem crescido o número de pessoas que percebem e buscam o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) na fase adulta da vida. Entender e se reconhecer como pessoa com autismo pode gerar uma cadeia de impactos, inclusive no aspecto laboral.
O mercado de trabalho tem legislações que preveem salários equitativos e adequação entre empregadores e colaboradores para que as atividades e os ambientes sejam adaptados para as pessoas com deficiência, inclusive as pessoas que vivem no transtorno do espectro autista.
Primeiro é preciso entender que pessoas que têm o diagnóstico de autismo, independentemente do nível, — legalmente — pessoa com deficiência e deverão receber suporte social e jurídico para desenvolverem seu papel na comunidade da forma mais saudável possível.
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O que é TEA?
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma expressão da neurodiversidade humana que tem como principal característica alterações das funções do neurodesenvolvimento, que podem ocorrer na comunicação, interação social ou comportamentos como ações repetitivas, hiperfoco e restrição de interesses. As pessoas que vivem no espectro autista podem ter graus distintos que variam entre alterações discretas ou níveis de total dependência para atividades rotineiras.
Ícaro Pedraça, mestre em psicologia do Desenvolvimento e Escolar pela UnB, explica que, após o diagnóstico, que deve ser feito por equipe multidisciplinar com profissionais de psicologia e psiquiatria, a pessoa com autismo deverá fazer intervenções interdisciplinares que possibilitam o desenvolvimento da pessoa a partir das suas singularidades e potencialidades.
A Lei Berenice Piana, de 2012, estabelece que pessoas com autismo devem ser consideradas pessoas com deficiência, por isso, podem ter acesso a cotas para inclusão no mercado de trabalho. Além disso, o Estatuto da Pessoa com Deficiência estabelece que empresas precisam promover adaptações razoáveis no ambiente de trabalho, além de remuneração equitativa.
"É necessário dialogar com as pessoas com autismo que buscam empregos sobre quais são as necessidades específicas que elas têm para que consigam realizar atividades. A inclusão acontecerá a partir da perspectiva da própria pessoa com autismo, afirmando potencialidades e possibilidades de atuação. Portanto, antes do julgamento com base em nível de suporte, é preciso compreender, a partir do que a pessoa com autismo trouxer, quais são as suas necessidades específicas", comenta o psicólogo Ícaro Pedraça.
Empreendedor com TEA
O psicólogo Elias Balthazar tem 40 anos e fechou o diagnóstico de TEA há poucos meses. Desde os 25, quando começou estudar psicologia, passou a entender que provavelmente estava no espectro autista. Além da dificuldade de socialização, ele observou situações familiares que o levaram a crer que estava no grupo de pessoas neurodivergentes, mas, por uma série de razões, adiou a busca do diagnóstico. Além de psicólogo, Balthazar é empreendedor e criou do zero uma plataforma que conecta psicólogos e pacientes no mundo todo, o Terapia de Bolso. O negócio tem mais de dez anos e segue vivo graças à resiliência do fundador e CEO, que equilibra as dificuldades comportamentais e as questões corporativas.
"Para mim, os maiores desafios se concentram na comunicação de alto contexto típica do networking e das negociações. Muitas interações exigem leitura de subtexto, ironia e sinais sociais implícitos — áreas em que pessoas no TEA podem ter mais esforço. A terapia e a psicoeducação em TEA me ajudaram muito: hoje uso protocolos de reunião (pauta fechada, tempo definido, follow-up escrito), comunicação assíncrona sempre que possível e rotinas claras para proteger performance sem perder humanidade. Empreender no espectro é navegar alta complexidade com previsibilidade: pauta clara, sensorial amigável e follow-up escrito viraram minhas alavancas.", comenta o psicólogo e CEO do Terapia de Bolso, Elias Balthazar.
Entre os desafios cotidianos, Balthazar encontrou também diferenciais competitivos. "O hiperfoco e o monotropismo (atenção profunda em poucos interesses), somados ao detalhismo e à busca por coerência, me ajudam em planejamento estratégico e gestão de qualidade. Tenho forte leitura de padrões e pensamento sistêmico, o que favorece inovação, segurança da informação e processos replicáveis", pontua.
Ele afirma ainda que, ao associar os desafios do TEA com as problemáticas do ofício da psicologia, encontrou um produto viável e o Terapia de Bolso nasceu a partir dessa demanda. "Ao iniciar a vida profissional, notei desafios que são comuns a todos os psicólogos, mas que, em mim, devido ao espectro, eram mais sentidos: perda de tempo no deslocamento, organização de documentos, superação de distâncias, organização financeira, atendimento ao cliente... E com isso fui contratando engenheiros de software e cientistas da computação para desenvolver a plataforma, que, em 2014/2015, era tão inovadora, que se tornou a segunda do país. E as pessoas duvidavam muito da eficácia. Todavia, com o tempo, a tese se mostrou bem validada, inclusive em teses de mestrado e doutorado, que levaram o Conselho Federal de Psicologia a reconhecer a eficácia e publicar Resolução permitindo a prática", pontua.
O empreendedor aponta que, além de garantir atendimento seguro para pacientes e psicólogos, a plataforma auxilia também profissionais e pacientes que vivem no espectro. "A teleconsulta segura reduz a sobrecarga de deslocamento e permite rotina previsível com agendamento on-line, lembretes automáticos e materiais estruturados. Para o psicólogo, a plataforma oferece prontuário eletrônico, documentos clínicos e consentimento (TCLE), gestão financeira e automação de rotinas, tudo com foco em LGPD — liberando tempo para o que importa: intervenção clínica de qualidade" afirma Elias Balthazar.
O psicólogo que teve uma infância pobre em uma região sem infraestrutura, encara agora os desafios ao empreender e colhe, pouco a pouco, o sucesso de um negócio diferenciado.
Fomento e desafios
Assim como ocorre com Elias Balthazar, empreender pode ser uma alternativa para pessoas que vivem no espectro autista superarem barreiras no mercado de trabalho, conforme explica o especialista em empreendedorismo Rafic Júnior. No entanto, é necessário apoio da família e políticas públicas para que isso ocorra de forma saudável. "Para que esses negócios prosperem, é fundamental o apoio da família, o incentivo de políticas governamentais inclusivas. Quando isso acontece, não estamos apenas fortalecendo negócios, mas promovendo bem-estar, dignidade, inclusão social e espiritual" pontua Rafic Júnior.
O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) lançou, no ano passado, o Programa Nacional Plural, que tem cerca de 700 ações estratégicas em todo país. O objetivo do programa é impulsionar negócios diversos liderados por grupos Sub-representados, entre eles, as pessoas com autismo. Em um nova proposta, o Sebrae está concluindo um acordo com o Ministério de Desenvolvimento Humano e Cidadania, para criar um trabalho anticapacitista que promova inclusão valorizando as competências individuais. O programa deve ser lançado em 2025 e, além de apresentar estratégias aos empreendedores, vai orientar os empregadores sobre como aproveitar os talentos das pessoas com autismo e empregá-las além das cotas, conforme explica Alessandra Ciuffo.
"A gente sabe que as pessoas que têm algum tipo de deficiência e que estão no transtorno do espectro autista têm dificuldade na empregabilidade e geralmente acabam ocupando vagas para cumprir cota. E isso é complicado, porque são pessoas que têm inteligências, competências e merecem ter um bom emprego e oportunidades, valorizando competências técnicas" detalhou a responsável pela área no Sebrae.
Empreender é um desafio, mas também pode ser uma saída de sucesso para muitas pessoas, inclusive as que têm autismo. E ajudar a incluir, acolher e adequar ferramentas e espaços para essas pessoas é papel de toda a sociedade.
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