
De uma tenda no bairro de Al-Mawasi, na Cidade de Gaza, Firas Diab testemunhou o horror na madrugada desta terça-feira (18/3). "Crianças e mulheres gritavam, queimadas vivas dentro das barracas. E não pudemos salvá-las", desabafou ao Correio o palestino, hoje desempregado. "A cena foi muito dura. O bombardeio pesado continuou por uma hora sobre minha cabeça. Os ataques aéreos ocorrem em todos os lugares de Gaza. A ocupação está forçando as pessoas a deixarem suas tendas e a irem para o mar. De bombardeio em bombardeio, apenas tentamos fugir para um local seguro", acrescentou. Israel decidiu pôr fim ao cessar-fogo e prometeu manter os ataques à Faixa de Gaza até que os reféns do grupo terrorista Hamas sejam libertados.
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"De agora em diante, as negociações (com o Hamas) serão conduzidas somente sob fogo", declarou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. "O Hamas sentiu a força de nossa mão nas últimas 24 horas. Quero prometer a vocês — e a eles: isso é apenas o começo. (...) O ataque militar ao Hamas e a libertação dos nossos reféns não são objetivos contraditórios — são objetivos interligados", acrescentou. Com a retomada da guerra, os familiares de 59 reféns temem pela vida de seus entes queridos.
Até a noite desta terça-feira, a retomada da ofensiva de Israel contabilizava 413 mortos e centenas de feridos, segundo o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, controlado pelo Hamas. Foi o dia mais sangrento no enclave desde 7 de novembro de 2023. O porta-voz do governo israelense confirmou que os ataques foram "totalmente coordenados" com os Estados Unidos. "Não vamos parar de lutar até que todos os reféns tenham retornado para suas casas e todos os objetivos da guerra tenham sido cumpridos", declarou o ministro da Defesa, Israel Katz. A Casa Branca afirmou que "o Hamas escolheu a guerra".
Morador da Faixa de Gaza, o jornalista palestino Motasem Dalloul disse à reportagem que os ataques aéreos de ontem atingiram "centenas de locais", incluindo centros de deslocados, tendas e prédios públicos. "No começo, achávamos que 120 pessoas tinham morrido. Mais tarde, quando as equipes médicas, voluntários e a Defesa Civil vasculharam os emcombros, encontraram mais corpos. A situação é muito difícil. A ocupação israelense continua golpeando Gaza com ataques pesados. Não há razão para esses ataques", comentou. Por sua vez, Ramiz Al Amarin, um palestino deslocado que vive emuma tenda no norte de Gaza, relatou à agência France-Presse que os bombardeios "reacenderam o fogo do inferno em Gaza". "Há corpos e membros espalhados pelo chão", contou.
Por meio do WhatsApp, Mahmoud Al-Mardawi, um dos líderes do Hamas, falou ao Correio e acusou Israel de impor penalidades e prometer contra-ataques. "A realidade tem provado que a força militar não é capaz de quebrar a vontade da resistência. Pelo contrário, cada rodada de escalada fortaleceu nossa resiliência. A promessa (de Israel) de lançar ataques 'mais severos' pode aumentar a destruição e o sofrimento humano, mas não atingirá objetivos. Pelo contrário, pode arrastar a região para uma escalada mais ampla", alertou. Ele advertiu que a questão palestina não será resolvida pela força.
Segundo Al-Mardawi, o Hamas apela aos mediadores para que garantam o cumprimento das responsabilidades por parte de Israel. "Eles devem entender que assassinatos e genocídio não vão alterar a posição do movimento nem enfraquecerão sua determinação. Justiça e direitos não estão sujeitos à coerção", sublinhou. O Hamas anunciou que Essam al Dalis, chefe do governo na Faixa de Gaza, morreu nos bombardeios de ontem.
O Fórum das Famílias de Reféns e Desaparecidos advertiu que "o perigo aos sequestrados aumentou". "A pressão militar pode colocar ainda mais em perigo suas vidas e complicar os esforços para trazê-los para casa em segurança", afirmou. Em outra nota, o Fórum disse que a continuação dos combates em Gaza custará as vidas de mais reféns. "Devemos parar a guerra e retornar imediatamente à mesa de negociação, a fim de alcançarmos um acordo abrangente para o retorno de todos os reféns." O presidente palestino, Mahmud Abbas, apelou à comunidade internacional para "obrigar" Israel a pôr fim à sua "agressão".
Vários países reagiram ao fim da trégua com indignação. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil citou uma "flagrante violação do Direito Internacional Humanitário". "Ao assinalar a obrigação de que Israel, como potência ocupante, tome as medidas necessárias para proteger a população civil nos territórios ocupados, o Brasil insta o país a suspender as restrições à entrada de ajuda humanitária a Gaza e a restabelecer o fornecimento de eletricidade no território. Exorta, ainda, as partes a cumprirem os termos do acordo de cessar-fogo", declarou em nota. O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, classificou a ofensiva israelense como "atroz, triste e inaceitável". O Egito acusou Israel de planejar expulsar os palestinos de Gaza.
DUAS PERGUNTAS PARA...
Mahmoud Al-Mardawi, um dos líderes do Hamas e membro do Comitê Político do grupo
A Casa Branca afirmou que o Hamas escolheu o caminho da guerra. O que tem a dizer sobre isso?
A declaração da Casa Branca reflete um claro viés direcionado a Israel, ignorando o fato de que foi a ocupação que violou o acordo (de cessar-fogo) e impôs um bloqueio e uma agressão sobre Gaza.
O Hamas segue comprometido com a libertação dos reféns?
O nosso movimento permanece firme em seu compromisso com o acordo que assinou sob os auspícios americanos. O verdadeiro valor de qualquer acordo está em sua implementação e adesão estrita. Mantemos nossos compromissos e esperamos que todas as partes façam o mesmo. (RC)