
Mais do que uma demonstração de força, a decisão dos líderes europeus reunidos no Palácio do Eliseu, em Paris, soou como uma oposição unificada às condições impostas pela Rússia para respeitar um cessar-fogo parcial na Ucrânia. Também como uma tentativa de proteger a Europa ante a ameaça representada pelo presidente russo, Vladimir Putin. Os aliados de Kiev se recusaram a suspender as sanções financeiras a Moscou e progrediram nas negociações para o envio de tropas para a garantia de um acordo de paz. Em troca de uma trégua no Mar Negro, o Kremlin exige o levantamento das sanções ocidentais, que têm impactado a economia russa. Ainda falta consenso sobre a mobilização de tropas — algumas nações, como a Croácia e a Itália, descartam esse cenário.
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Iniciativa do presidente Emmanuel Macron e do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, a cúpula na sede do Executivo francês reuniu 30 líderes europeus. Em pauta, as "garantias de segurança" que a Europa poderia oferecer à Ucrânia no caso de um pacto de paz com Moscou. As autoridades acordaram em manter a ajuda militar a Kiev, na contramão das exigências de Putin. A proposta de uma força de monitoramento da paz envolveria uma "coalizão de voluntários".
"Não é o momento de suspender as sanções... Precisamos manter a pressão econômica alta", afirmou Macron. Ele sublinhou que o apoio à Ucrânia fortalece a segurança da Europa. O anfitrião não descartou a reação de uma eventual força militar ante um ataque da Rússia. "Se houver novamente uma agressão generalizada contra o território ucraniano, esses exércitos estariam sob ataque, e então essa seria nossa estrutura usual de engajamento", acrescentou. Macron assegurou que "vários países europeus" estão dispostos a enviar tropas, as quais teriam um caráter de "dissuasão".
Garantias
"Quanto às ações desse contingente, sua responsabilidade, o que pode fazer, como pode ser usado, quem será o responsável, há muitas perguntas. Até agora, há poucas respostas", reagiu o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, também presente na cúpula. "É importante que todos entendam — a Rússia não busca a paz real hoje e está prolongando a guerra. Após a reunião dos líderes hoje (27/3), há uma forte reafirmação de que as sanções contra a Rússia não devem ser suspensas enquanto a agressão continuar. E continuaremos trabalhando em garantias de segurança para a Ucrânia", complementou, em seu perfil na rede social X.
Olexiy Haran, professor de política comparada da Universidade de Kyiv-Mohyla (em Kiev), considera positiva a decisão da Europa de continuar com as sanções financeiras contra a Rússia. "Moscou não apenas tenta continuar a ofensiva, mas, em caso de um cessar-fogo, tentará manter todos os territórios ocupados e declarados anexados pelo Kremlin", declarou ao Correio. "A abordagem defendida pelos Estados Unidos — de alívio às sanções — não é correta. Os russos nada fizeram (de aceno à paz) e seguem com os bombardeios contra civis e a infraestrutura da Ucrânia. Eles impõem condições a Kiev: apoio às exportações da Rússia, a retirada das sanções, entre outras. Na atual situação, mesmo que uma trégua seja monitorada, se os russos continuarem a ocupar territórios, as medidas retaliatórias não poderiam ser suavizadas. Pelo contrário, deveriam ser intensificadas."
Ainda segundo Haran, o envio de uma força de paz europeia depende da verificação das condições por parte de uma missão especial franco-britânica. "Macron defende esse monitoramento. Se houver mobilização de soldados, eles não serão enviados para o front. O líder francês disse que, apesar de se distanciarem da batalha, os militares ficarão posicionados em locais estratégicos. Se forem atacados pela Rússia, poderão reagir", disse o especialista.
Na opinião de Taras Semeniuk, analista político do think tank Solid Info (em Kiev), as discussões sobre uma força de paz devem se arrastar por muito tempo. "Capacetes azuis na Ucrânia são uma fantasia, que deveria ser debatida politicamente, mas a Rússia não aceitaria as tropas na região. Nos corredores das instituições europeias, se fala em quantos soldados seriam necessários mobilizar nos países bálticos ou na Polônia para confrontar a ameaça russa", afirmou ao Correio.
Semeniuk advertiu que o fornecimento de armas à Ucrânia é a garantia de proteção para a Europa. "Nem todas as nações europeias apoiam essa ideia, mas a maioria compreende que, sem armamentos, a Ucrânia não pode resistir à invasão da Rússia." Os países da União Europeia (UE) devem investir 800 bilhões de euros (ou R$ 4,9 trilhões) em produção militar. "É um grande desafio para os governos explicar aos cidadãos que o financiamento de programas sociais terá que ser suspenso, a fim de priorizar os investimentos militares", previu.
EU ACHO...
"As sanções são a única forma de impedir o crescimento econômico da Rússia. A economia russa se baseia, atualmente, na produção de armamentos. Os países europeus estão em uma situação muito difícil para entender quais são as possibilidades de salvar a Europa de uma guerra. Ao mesmo tempo, a Europa começa a demonstrar mais maturidade. Antes, o continente estava sob o guarda-chuva dos Estados Unidos. Agora, está sozinho e tenta achar uma forma de resistência."
Taras Semeniuk, analista político do think tank Solid Info (em Kiev)
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