Oriente Médio

Trump coloca fim da guerra em Gaza como prioridade de seu governo

Pouco antes do encontro com o premiê Benjamin Netanyahu, o presidente dos Estados Unidos declara que espera anunciar acordo com o Hamas nesta semana. Ministro da Defesa israelense planeja confinar 600 mil palestinos no sul de Gaza

Soldados israelenses patrulham área na Faixa de Gaza, diante de prédios destruídos pelos bombardeios  -  (crédito: Maya Levin/AFP)
Soldados israelenses patrulham área na Faixa de Gaza, diante de prédios destruídos pelos bombardeios - (crédito: Maya Levin/AFP)

A poucas horas da reunião entre Donald Trump e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em Washington, a Casa Branca classificou o fim da guerra na Faixa de Gaza e a libertação dos israelenses sequestrados há 640 dias pelo grupo terrorista palestino Hamas como a "maior prioridade". O presidente dos EUA espera anunciar um cessar-fogo até o fim desta semana. "Acho que há uma boa chance de alcançarmos um acordo com o Hamas, durante a semana", disse o republicano. O encontro entre Trump e Netanyahu ocorreu durante um jantar privado, na noite desta segunda-feira (7/7), na Casa Branca.

Para tentar acelerar o processo, o enviado de Trump para o Oriente Médio, Steve Witkoff, viajará nos próximos dias para Doha (Catar), a fim de participar das conversas diretas entre Israel e Hamas. O governo de Netanyahu considera "inaceitáveis" as demandas do Hamas, que exige garantias de que as hostilidades não prossigam, em caso de fracasso da trégua. Fontes ligadas às negociações admitiram à imprensa israelense que a primeira rodada de diálogo terminou de forma "inconclusiva".

Ao embarcar para Washington, no domingo (6/7), Netanyahu afirmou que a reunião com Trump poderia "definitivamente ajudar a avançar" com o acordo (de cessar-fogo). O chefe de governo israelense repassou à equipe enviada a Doha "instruções claras" para alcançar um acordo "sob as condições acertadas". Netanyahu jantou com Trump, na noite desta segunda-feira (7). 

Enquanto os EUA pressionavam por uma trégua, Israel Katz, ministro da Defesa israelense, anunciava um plano para confinar 600 mil palestinos em uma nova "cidade humanitária" construída sobre as ruínas de Rafah, no sul de Gaza. Katz declarou que as pessoas entrarão na "cidade" depois de passarem por um "monitoramento de segurança" e, uma vez lá dentro, não terão permissão para sair. A medida recebeu fortes críticas de especialistas, que veem sinais de crimes contra a humanidade. 

Antes do encontro entre Trump e Netanyahu, o senador independente Bernie Sanders lamentou o "dia vergonhoso para a América". "Hoje, um criminoso de guerra indiciado pelo Tribunal Penal Internacional será recepcionado na Casa Branca. Trump, assim como (Joe) Biden antes dele, auxiliou e apoiou o governo extremista de Netanyahu, que sistematicamente assassinou e deixou civis famintos em Gaza", escreveu. 

Ativistas com fotos de israelenses sequestrados pelo Hamas, em 7 de outubro de 2023, durante ato em frente à representação diplomática dos EUA, em Tel Aviv
Ativistas com fotos de israelenses sequestrados pelo Hamas, em 7 de outubro de 2023, durante ato em frente à representação diplomática dos EUA, em Tel Aviv (foto: Menahem Kahana/AFP)

O repórter fotográfico Ibrahim Abu Ghazaleh, 27 anos, demonstra ceticismo em relação à pressão da Casa Branca pelo fim da guerra. "Nós estamos exaustos, escutando os mesmos slogans todos os dias. Eles continuam falando as mesmas coisas, mas nunca agem. Apenas acreditaremos em um cessar-fogo quando a guerra verdadeiramente acabar aqui", afirmou ao Correio o morador da Cidade de Gaza. Ghazaleh rejeita a proposta israelense de criação de uma "cidade humanitária". "Não abandonaremos nossas casas, não deixaremos o norte de Gaza para irmos a Rafah." 

Kenneth Roth, ex-diretor executivo da organização não governamental Human Rights Watch (HRW) e professor visitante da Faculdade de Assuntos Internacionais e Públicos da Universidade de Princeton, acredita que a exigência e a garantia de um cessar-fogo estão totalmente ao alcance de Trump. Ele afirmou que Israel não pode continuar a perseguir a guerra em Gaza sem obter armas e ajuda militar dos EUA. "Netanyahu tem buscado uma guerra permanente por medo de que, se aceitar um cessar-fogo, os membros de sua coalizão de extrema direita o abandonem, ele perca o poder e corra o risco de ser preso por acusações de corrupção pendentes. Trump poderia mudar esse cálculo condicionando as vendas de armas ao fim dos combates", disse ao Correio

Roth lembrou que nenhum presidente dos EUA mostrou-se disposto a tomar essa medida — além da suspensão, pelo democrata Joe Biden, da entrega das bombas de 900kg usadas por Israel para dizimar bairros palestinos em Gaza —, por medo de ataques da direita política nos Estados Unidos. "Embora Trump historicamente tenha dado a Israel tudo o que ele deseja, o presidente americano é um aliado pouco confiável, pois o seu principal compromisso é consigo mesmo. Se considerar vantajoso pressionar Netanyahu a parar de lutar — digamos, porque espera receber o Nobel da Paz —, Trump poderia mudar sua posição de apoio incondicional para condicional em relação a Istael." 

De acordo com a palestina Dalal Iriqat, professora da Universidade Árabe Americana (em Ramallah, na Cisjordânia), embora qualquer compromisso com um cessar-fogo seja bem-vindo, é preciso cautela ao medir palavras e ações. "O anúncio da Casa Branca reflete a crescente pressão internacional e a mudança na opinião pública. No entanto, para os palestinos, um cessar-fogo não pode ser o teto — deve ser uma porta de entrada para a responsabilização, a proteção e uma solução política justa", explicou à reportagem, por e-mail. "Um cessar-fogo que não abordar as profundas e intocadas causas do conflito — a ocupação, o deslocamento e a violência sistêmica — apenas adiará mais tragédias."

"Limpeza étnica"

Iriqat desqualificou o anúncio de Katz. "(A proposta de criar uma cidade humanitária) É uma tentativa assustadora de normalizar o deslocamento forçado dos palestinos. Rotulá-la de 'cidade humanitária' não a torna humana. Pelo contrário, reforça uma estratégia de engenharia demográfica e de limpeza étnica", advertiu a professora. Ela reforçou que não se pode destruir casas, aprisionar sobreviventes em campos e chamar isso de "solução". "Tais propostas ecoam os capítulos mais sombrios da história e violam o direito internacional humanitário. Os palestinos precisam de dignidade, justiça e retorno aos seus lares — não de uma segunda Nakba ("Catástrofe") disfarçada de ajuda", acrescentou.

EU ACHO...

 Dalal Iriqat, professora da Universidade Árabe Americana (em Ramallah, na Cisjordânia)
Dalal Iriqat, professora da Universidade Árabe Americana (em Ramallah, na Cisjordânia) (foto: Arquivo pessoal )

"Embora a abordagem anterior de Trump tenha sido duramente criticada por marginalizar os direitos palestinos, devemos reconhecer que ele é um negociador com influência. Ele tem a alavancagem — não apenas para facilitar a libertação de reféns, mas também para inaugurar uma nova era política. Se optar por uma diplomacia real, poderá pressionar por um cessar-fogo que leve a negociações de paz regionais sérias. Mas tal processo deve ter como base o fim da ocupação — a causa raiz da instabilidade regional. Qualquer coisa que não seja isso permanecerá como uma solução temporária."

Dalal Iriqat, professora da Universidade Árabe Americana, na cidade de Ramallah, na Cisjordânia)

(FILES) In this file photo taken on January 16, 2018 Kenneth Roth, executive CEO of international NGO Human Rights Watch, poses during a photo session in Paris.  Human Rights Watch chief Kenneth Roth said on January 12, 2020 he had been denied entry into Hong Kong, where he had arrived to launch the watchdog's annual report after months of civil unrest in the city. / AFP / Lionel BONAVENTURE
Kenneth Roth, ex-diretor executivo da Human Rights Watch (HRW) e professor visitante da Faculdade de Assuntos Internacionais e Públicos da Universidade de Princeton (foto: LIONEL BONAVENTURE)

"A proposta israelense de construir um grande acampamento en Rafah para abrigar centenas de milhares de palestinos é apenas mais um elemento do plano genocida do governo israelense para Gaza.  A extrema direita israelense tem sido explícita sobre seu desejo de 'resolver' o conflito israelense-palestino, livrando-se dos palestinos, inicialmente em Gaza e, posteriormente, na Cisjordânia. Isso seria um enorme crime de guerra, um crime contra a humanidade.  A ideia de um acampamento rudimentar, em vez de permitir que as pessoas reconstruam suas vidas, é criar condições tão miseráveis que os palestinos fujam 'voluntariamente'."

Kenneth Roth, ex-diretor executivo da Human Rights Watch (HRW) e professor visitante da Faculdade de Assuntos Internacionais e Públicos da Universidade de Princeton

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"Tentaram me matar", revela presidente do Irã

O presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, acusou Israel de tentar assassiná-lo, sem especificar quando, em uma entrevista ao apresentador americano Tucker Carlson, exibida ontem. "Eles tentaram, sim. Agiram nesse sentido, mas falharam", respondeu Pezeshkian, ao ser perguntado se ele acreditava que Israel tentou matá-lo. "Eu estava em uma reunião (...) Eles tentaram bombardear a área onde ocorreu a reunião", acrescentou, sem especificar se isso ocorreu durante a breve guerra do mês passado, segundo uma tradução de suas respostas em idioma persa. O conflito eclodiu quando Israel lançou bombardeios contra o Irã em 13 de junho, matando altos comandantes militares e vários cientistas ligados ao programa nuclear iraniano. Pelo menos 1.060 iranianos morreram durante o conflito, segundo a Fundação de Mártires e Veteranos do país.

  • Ativistas com fotos de israelenses sequestrados pelo Hamas, em 7 de outubro de 2023, durante ato em frente à representação diplomática dos EUA, em Tel Aviv
    Ativistas com fotos de israelenses sequestrados pelo Hamas, em 7 de outubro de 2023, durante ato em frente à representação diplomática dos EUA, em Tel Aviv Foto: Menahem Kahana/AFP
  •  Dalal Iriqat, professora da Universidade Árabe Americana (em Ramallah, na Cisjordânia)
    Dalal Iriqat, professora da Universidade Árabe Americana (em Ramallah, na Cisjordânia) Foto: Arquivo pessoal
  • (FILES) In this file photo taken on January 16, 2018 Kenneth Roth, executive CEO of international NGO Human Rights Watch, poses during a photo session in Paris.  Human Rights Watch chief Kenneth Roth said on January 12, 2020 he had been denied entry into Hong Kong, where he had arrived to launch the watchdog's annual report after months of civil unrest in the city. / AFP / Lionel BONAVENTURE
    Kenneth Roth, ex-diretor executivo da Human Rights Watch (HRW) e professor visitante da Faculdade de Assuntos Internacionais e Públicos da Universidade de Princeton Foto: LIONEL BONAVENTURE
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postado em 08/07/2025 05:50
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