Argentina

Argentina: Escândalo de suborno se agrava e Milei blinda a irmã

Justiça ordena buscas a escritórios da Agência Nacional de Deficiência (Andis) e de drogaria, em investigação sobre caso de suborno que envolve Karina Milei. Nova gravação de áudio cita "cheiro podre" em torno da secretária-geral da Presidência

Jornalistas aguardam do lado de fora da Agência Nacional de Deficiência (Andis), durante revista de policiais, em Buenos Aires  -  (crédito: Juan Mabromata/AFP)
Jornalistas aguardam do lado de fora da Agência Nacional de Deficiência (Andis), durante revista de policiais, em Buenos Aires - (crédito: Juan Mabromata/AFP)

Novas gravações vazadas pela imprensa de Buenos Aires complicam a situação de Karina Milei, irmã do presidente Javier Milei e secretária-geral da Presidência da Argentina. "O problema... Karina ainda não teve confusão. Porque as pessoas não gostam dela. Mas, além disso, tem um... tipo... um cheiro podre em volta dela", afirma uma voz atribuída a Diego Spagnuolo, ex-diretor da Agência Nacional de Deficiência (Andis), no áudio divulgado pela emissora A24.

Em uma gravação anterior, que acabou por custar sua demissão, Spagnuolo revela que Karina recebeu suborno, ao embolsar  parte das compras da Andis junto à drogaria Suizo Argentina — a qual distribui os medicamentos para as pessoas com deficiência. "A Karina recebe 3%, e 1% vai na operação", diz Spagnuolo, que garante ter avisado o presidente sobre o suposto esquema da irmã.

Em novo áudio, gravado durante uma reunião privada, Karina não menciona diretamente o suborno, mas recomenda: "Não vamos brigar, temos que estar unidos". A Justiça fez buscas, ontem, em escritórios da Andis e da Suizo Argentina. Desde a semana passada, a polícia realizou mais de 20 operações semelhantes e confiscou celulares.

O nome de Javier Milei aparece em um terceiro áudio. Também atribuído a Spagnuolo, ele indica um encontro entre o então diretor da Andis e o presidente da Argentina. "Estive com Javier no domingo, entre a ópera e o almoço que tivemos depois. O telefone dele nunca toca! Ele é o presidente, e o telefone dele nunca toca. Javier não delega: ele ignora. O telefone dele nunca toca em três horas", afirma Spagnuolo na gravação. 

Fuga com dinheiro

Nesta sexta-feira (29/8), o empresário Eduardo Kovalivker, um dos proprietários da drogaria Suizo Argentina, entregou o celular às autoridades. Ele chegou ao Ministério Público acompanhado do advogado e, segundo o jornal La Nación, mostrou-se confiante em que a investigação judicial resolverá o "escândalo midiático em torno de uma empresa que está em ordem". Um dos mandados de busca contemplou um endereço de Kovalivker, onde a polícia flagrou o seu irmão Emmanuel tentando fugir com US$ 266 mil (cerca de R$ 1,4 milhão) guardados dentro de envelopes.

Apesar da imensa repercussão na sociedade e nas redes sociais argentinas, Karina Milei tem preferido o silêncio. A única demonstração da irmã do presidente envolveu a republicação de um comunicado de Eduardo "Lule" Menem (braço direito de Karina e sobrinho do ex-presidente Carlos Menem), suspeito de participação no esquema de suborno.

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"Nunca imaginei ter que desmentir publicamente uma operação política grosseira do kirchnerismo, à qual alguns veículos de comunicação, líderes e jornalistas se uniram para tentar manchar a honestidade e a imagem de um governo. (...) Não posso falar nem afirmar nada sobre a autenticidade ou não das gravações de áudio que circulam, mas posso garantir a total falsidade de seu conteúdo", escreveu Menem.

A última publicação de Karina no X foi em 18 de agosto. Javier Milei rejeitou as acusações contra a irmã. "Tudo o que (Spagnuolo) diz é mentira, vamos levá-lo à Justiça e provar que ele mentiu", declarou na quarta-feira (27/8), durante um evento de campanha em que manifestantes jogaram pedras contra sua comitiva, em Lomas de Zamora, a 20km de Buenos Aires. Na ocasião, Milei, Karina e o deputado José Luis Espert, candidato nas eleições legislativas de 26 de outubro, foram obrigados a abandonar o local às pressas.

Milei e Karina participam de caravana, em Lomas de Zamora, pouco antes de pedradas, na quarta-feira
Milei e Karina participam de caravana, em Lomas de Zamora, pouco antes de pedradas, na quarta-feira (foto: Juan Mabromata/AFP)

No dia seguinte, o presidente aproveitou um almoço organizado pelo Conselho Interamericano de Comércio e Produção (CICyP), em Buenos Aires, para responsabilizar o kirchnerismo pelo ataque a pedradas e por uma "campanha difamatória" — uma referência à divulgação dos áudios envolvendo Karina. O porta-voz da Casa Rosada, Manuel Adorni, disse, nesta sexta-feira (29/8), que, "se os áudios forem verdadeiros, estamos ante um escândalo sem precedentes". "Seria a primeira vez na história que se grava a um funcionário dentro da Casa Rosada."

Miguel de Luca, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA), explicou ao Correio que várias fontes asseguram a existência de várias horas de áudios sobre o escândalo, muitos dos quais ainda não difundidos. "Essa novidade agrava a crise e repercute negativamente sobre o governo", admitiu, ao Correio. "A crise piora porque o governo não consegue dar uma resposta satisfatória que o isente de responsabilidade. Pelo contrário, ao demitir Spagnuolo, ele admite seu envolvimento na corrupção."

Blindagem

Doutora em ciência política e professora da UBA e da Universidad Nacional de Litoral (em Santa Fe), Fanny Maidana disse à reportagem que o governo Milei adotou claramente a estratégia de proteger Karina. "Não acredito que Milei cederá e deixará de apoiar a irmã. Ela está muito bem blindada. Inclusive, Menem deu declarações e se expôs", comentou. "Houve um incidente com ela na província de Corrientes, que escolherá o novo governador neste fim de semana. Ontem (quinta-feira), Karina não pôde sair às ruas para a campanha e teve que deixar o local. Mas, ainda não sabemos se o escândalo surtirá forte impacto nas eleições legislativas de 26 de outubro. O kirchnerismo e o 'mileismo' prezam pela estratégia de polarização permanente."

 

 

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postado em 30/08/2025 05:55
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