
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, mudou radicalmente de posição em um período 96 horas. Na última sexta-feira (21/11), ele classificou o plano de paz apresentado pelo americano Donald Trump de uma "escolha impossível" e prometeu não trair o próprio país. Depois da redação de um novo rascunho do acordo proposto por Washington e de mais uma rodada de negociações, dessa vez em Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), o líder ucraniano afirmou a aliados que está "pronto para avançar" com a versão atual do plano.
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No entanto, Zelensky reconheceu a existência de pontos "delicados". "A Ucrânia tem o rascunho elaborado por nossas equipes em Genebra. Esse rascunho está sobre a mesa e estamos prontos para avançar juntos", declarou aos líderes da Coalizão de Voluntários que apoia seu país. "Estou pronto para me reunir com o presidente Trump, pois há pontos delicados a serem tratados." A data do encontro não foi anunciada.
O titular da Casa Branca demonstrou otimismo em relação às negociações. "Vamos chegar lá. Acho que estamos chegando muito perto de um acordo", comentou. Por sua vez, o presidente da França, Emmanuel Macron, criticou a postura de Moscou. "Claramente não há vontade por parte da Rússia de alcançar um acordo", advertiu. Ele prometeu exerccer uma "pressão constante" para que Moscou negocie. "Continuaremos apoiando a Ucrânia com firmeza", acrescentou.
O novo rascunho do acordo não apresenta mudanças em relação às concessões territoriais ou a garantias de segurança — o plano original previa a cessão de Donetsk e Luhasnk (ambas no leste) e da Crimeia à Rússia. Uma autoridade próxima às negociações revelou à agência France-Presse que o texto modificado prevê em 800 mil a limitação do contingente do Exército ucraniano, frente aos 600 mil estabelecidos na versão anterior.
Moradora de Kiev, a cientista política Kateryna Shtepa — especialista em Leste da Europa pelo Instituto Britânico de Assuntos Globais — explicou ao Correio que a Ucrânia encontra-se em uma difícil situação. "No front, há pesadas baixas e apenas as batalhas defensivas têm sido travadas. Devido aos bombardeios russos, a maioria das instalações de geração de energia foi danificada ou destruída, pouco antes do início do inverno. Para Kiev, é importante aproveitar o momento e assinar um acordo em termos favoráveis", disse.
Garantias
A estudiosa crê que o principal problema com os 28 pontos do plano de Trump são as garantias "pouco claras" de paz e a integridade territorial da Ucrânia. "Um dos lados precisará fazer concessões, pois a situação na frente de batalha se deteriora a cada dia. Tudo dependerá da disposição do Kremlin para um diálogo justo. Os pontos propostos em Washington impulsionaram os países em direção à paz, mas a palavra final será dos líderes da Ucrânia e da Rússia."
De acordo com Shtepa, os líderes europeus sequer foram convidados para as negociações. "A posição da Europa permanece míope: eles apoiam inequivocamente a Ucrânia e, ao mesmo tempo, seu apoio militar não altera a situação na frente de batalha. Macron propõe a ideia de um cessar-fogo sem paz e com condições que o lado russo certamente não aceitará", afirmou. Enquanto as conversas ocorriam na Península Arábica, a Rússia continuava a atacar a Ucrânia: as forças de Moscou lançaram 464 drones e 22 mísseis em todo o país — 452 drones teriam sido interceptados. "Enquanto mísseis eram abatidos sobre a cidade, destroços caíam, causando uma 'chuva de ferro' e danificando a infraestrutura civil. Os drones Shahed atingiram prédios residenciais, e moradores da capital passaram a noite em estações de metrô subterrâneas para se protegerem."
Shtepa alertou que os recentes bombardeios atingiram objetivos operacionais. "A defesa aérea ucraniana está sobrecarregada e não conseguir lidar com tantos alvos aéreos. Os parceiros europeus não estão fornecendo a defesa aérea que a Ucrânia realmente precisa, permitindo ataques russos."
Ceticismo
A escultora Lenchik Dasyusha, 58 anos, vive em Kharkiv (leste) e tem dedicado o tempo na produção de gatos feitos de argila e espuma. Mais de 14 mil deles foram doados a soldados e civis feridos durante a guerra. "Estou na cidade desde o início da invasão russa, em 24 de fevereiro de 2022. Escutei todos os bombardeios e foi como se tivessem me atingido em cheio. Fechei-me para as emoções e decidi ajudar da maneira que fosse possível", contou ao Correio. Dasyusha interpreta os gatos como guardiões, um elemento a mais para a linha de defesa.
Cansada da guerra, ela duvida da paz de Trump. "Acredito na paz, mas depois de nossa vitória. Os russos não querem apenas o nosso território, mas eliminar os ucranianos, como nação. Isso ocorre há centenas de anos. Trump pensa em Vladimir Putin apenas como uma pessoa, mas não como um ex-agente da KGB. O presidente dos EUA fala muito, mas o resultado é sempre miserável", acrescentou.

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