Estados Unidos

Avalanche democrata em eleições locais envia alerta a Trump

Eleições do primeiro prefeito muçulmano da história de Nova York e de progressistas para os governos de Nova Jersey e Virgínia preocupam republicanos, a um ano da renovação do Congresso. Presidente denuncia fraude, sem apresentar provas

Donald Trump reagiu ao desastre das urnas, na terça-feira (4/11), com acusações de fraude. "Tudo o que queremos é um documento de identidade para votar. Você vai ao supermercado e precisa apresentar um documento. Vai ao posto de gasolina e precisa mostrar um documento. Mas para votar, não exigem identidade. É por um único motivo: porque eles fraudam as eleições", declarou a jornalistas. Ao mesmo tempo, disse que não esperava uma vitória. "Eram áreas muito democratas, e não acho que tenha sido muito bom para os republicanos", afirmou, ao culpar o shutdown — a paralisação dos serviços do governo federal — e a ausência de seu próprio nome nas cédulas eleitorais. As eleições expuseram a força da oposição e ampliaram o suspense em torno do pleito de 2026, quando os americanos votarão pela renovação de parte do Congresso. O maior golpe para Trump foi a vitória do democrata Zohran Mamdani para a prefeitura de Nova York. 

Natural de Uganda, filho de imigrantes indianos, muçulmano e socialista por convicção, o político de 34 anos fez história e derrotou o independente Andrew Cuomo. Até a noite desta quarta-feira, com 93% das urnas apuradas, Mamdani tinha 50,4% dos votos contra 41,6% para Cuomo. Durante uma convenção empresarial em Miami, Trump afirmou que os Estados Unidos devem escolher "entre comunismo e bom senso". "Nós vamos cuidar disso", prometeu, em alusão a Mamdani. "Nossos oponentes propõem um pesadelo econômico. Nós estamos realizando um milagre econômico." Sem perder tempo, Mamdani anunciou a equipe de transição, composta unicamente por mulheres — entre elas, Lina Khan, ex-presidente da Comissão Federal de Comércio; e Maria Torres-Springer, ex-vice-prefeita. 

Em seu discurso de vitória, o novo prefeito de Nova York anunciou que, "no momento de escuridão política", a cidade "será a luz". "Nós acreditamos na defesa daqueles que amamos, seja você um imigrante, um membro da comunidade trans e uma das muitas mulheres negras que Donald Trump demitiu", afirmou. "Se alguém pode mostrar a uma nação traída por Donald Trump sobre como derrotá-lo, esta é a cidade de onde ele surgiu. Se há alguma maneira de aterrorizar um déspota, é pelo desmantelamento das condições que o permitiram acumular poder."

Win McNamee/Getty Images/AFP - A ex-deputada Abigail Spanberger celebra a vitória para o governo da Virgínia, em Richmond

Mas a avalanche democrata não se restringiu à Big Apple. Os adversários de Trump também fizeram governadoras em dois estados importantes: Abigail Spanberger, na Virgínia, e Mikie Sherrill, em Nova Jersey. Na Califórnia, os cidadãos aprovaram o redesenho dos distritos eleitorais, em uma tentativa de impedir a manipulação dos resultados eleitorais. "O radicalismo democrata faz com que o que está em jogo nas eleições legislativas de meio de mandato de 2026 seja muito maior. Os conservadores agora conhecem a estratégia dos democratas", avaliou o site de análise política Daily Calling.

"Ciclo normal"

Professor de ciência política da Columbia University (em Nova York), Robert Shapiro avalia que a eleição de terça-feira representou "o retorno ao ciclo normal de um partido no poder que tem sido percebido como insuficiente para impulsionar a economia americana". "O resultado foi a derrota dos republicanos nos pleitos para os governos de Nova Jersey e Virgínia, em anos ímpares. Isso era questionável devido ao desempenho muito fraco e à desorganização dos democratas nas eleições presidenciais e para o Congresso de 2024. Depois de resultados ruins, os republicanos terão um desafio na renovação do Legislativo, em 2026", disse ao Correio

Andrew Caballero-Reynolds/AFP - Manifestante com fantasia da Estátua da Liberdade protesta em Washington contra Trump

De acordo com Shapiro, o prefeito eleito de Nova York representa uma nova geração de democratas de esquerda engajados e enérgicos que enfatizam as dificuldades econômicas enfrentadas pelos nova-iorquinos. O especialista acredita que ainda é prematuro para prever o que esperar da administração de Mamdani. "Precisamos ver quem ele apontará como assessores e as capacidades de sua equipe. Mamdani pode conseguir congelar os aluguéis, mas não está claro como Nova York arcará com os custos de creches gratuitas e outros benefícios. Ele precisará da cooperação e da assistência do governo estadual, e esse é um trabalho em andamento, por assim dizer." 

EU ACHO...

Arquivo pessoal - Robert Shapiro, professor de ciência política da Columbia University (em Nova York)

"O resultado das eleições de terça-feira sugere que os democratas podem ter um desempenho muito bom em 2026, mas depende do estado da economia americana e da percepção geral do desempenho de Trump na época das eleições. As eleições em Nova Jersey e Virgínia podem ser vistas como um referendo sobre o desempenho do governo Trump."

Robert Shapiro, professor de ciência política da Columbia University (em Nova York)

PERSONAGEM DA NOTÍCIA

O socialista "pé no chão"

Zohran Mamdani, o prefeito eleito de Nova York, mudou-se com a família indiana de Uganda para a Big Apple quando tinha sete anos. Em 2018, ganhou cidadania americana. Por ser filho da cineasta Mira Nair (de Um casamento à indiana e Salaam Bombay!) e de Mahmood Mamdani, professor especialista em África, recebeu o apelido de críticas de "nepo baby". Assim como outros jovens de famílias esquerdistas da elite, frequentou a prestigiosa Bronx High School of Science e, depois, o Bowdoin College, no Maine, uma instituição considerada bastião progressista.

Antes de entrar para a política, Zohran tentou enveredar-se pelo mundo da música. Em 2015, sob a alcunha de "Young Cardamomo" ("Jovem Cardamomo"), aventurou-se no mundo do rap. A carreira artística não vingou. O gosto pela política floresceu por influência do rapper Heems (Himanshu Suri), que apoiava um candidato ao conselho municipal. Foi então que ele passou a atuar como conselheiro de prevenção de execuções hipotecárias, esforçando-se para impedir que proprietários perdessem seus imóveis. 

Em 2018, Mamdani elegeu-se legislador do Queens — bairro habitado principalmente por migrantes. Autoproclamado socialista, revelou-se um muçulmano progressista e chegou a participar de marchas do Orgulho LGBTQIAPN . Por defender a questão palestina, foi acusado pelo presidente Donald Trump de antissemita. Torcedor fanático do clube de futebol inglês Arsenal e também admirador do críquete, é casado com a ilustradora americana, 28 anos, desde fevereiro passado. 

Qualidades

Pouco depois de desembarcar na cidade de Forbesganj, no nordeste da Índia, a escritora e ativista Ruchira Gupta falou ao Correio sobre o amigo. "As principais qualidades de Mamdani são: ele escuta, é confiável, transborda charme e revela-se um idealista", comentou. Muito próxima dos pais do prefeito eleito, ela estava no jantar político, em 2019, quando ele decidiu disputar as eleições em Nova York. "Zohran pode tornar a cidade mais acessível e segura, ao congelar os aluguéis, oferecer creches e ônibus gratuitos e subsidiar supermercados em áreas da classe trabalhadora. Ele combaterá a islamofobia e o preconceito racial. Também incluirá todos os nova-iorquinos, e isso tornará a cidade mais segura", aposta Gupta. 

Segundo ela, Mamdani é "inteligente e estiloso, mas muito pé no chão". "Ele é estiloso não por ostentar marcas, mas por ser quem é. Usa roupas indianas quando tem vontade, conheceu a esposa pelo aplicativo Tinder, anda de ônibus para todo lado, mora em um bairro operário e ganha a média da classe média de Nova York. Filho de um professor e de uma diretora de cinema, tentou ser rapper, mas não deu certo. Mamdani come comida indiana com as mãos", revelou Gupta. Ela contou que o prefeito eleito sente-se sufocado e tem claustrofobia, quando precisa entrar na estação de metrô. "Ele costumar fazer compras em bodegas. O sindicato de bodegas endossou sua campanha. Os pratos favoritos de Zohran são Biriyani (arroz feito com carne ou frutos do mar e especiarias), kebabs, dim sum (da culinária chinesa), bagels (biscoito de massa de farinha de trigo fermentada) e tortillas", acrescentou. (RC)

EU ACHO...

Arquivo pessoal - Ruchira Gupta, ativista e escritora indiana, amiga de Zohran Mamdani

"O simbolismo da eleição de Zohran Mamdani é esperança e comunidade. A mudança começa na base e transforma o topo. Durante a campanha eleitoral, cerca de 100 mil voluntários bateram em 3 milhões de portas. Algo que aumentou o meu respeito por ele: quando perguntei se precisava de ajuda para arrecadar dinheiro, disse-me que não e que preferia pequenas doações de vários doadores a uma grande quantia de um único doador. Além disso, nós dois adoramos o Kebab King em Jackson Heights, um café de beira de estrada no bairro do Queens."

Ruchira Gupta, ativista e escritora indiana, amiga de Zohran Mamdani

Shutdown cancela voos

O governo dos Estados Unidos anunciou que solicitará às companhias aéreas o cancelamento de voos a partir de amanhã. O objetivo é "reduzir a pressão" sobre o controle aéreo, um setor com alto índice de absenteísmo devido ao shutdown — o fechamento dos serviços do governo federal. Nesta quarta-feira (5/11), o país entrou no 36º dia de paralisação governamental, a mais longa da história, causada pela falta de acordo entre republicanos e democratas no Congresso para aprovar um novo orçamento. "Haverá uma redução de 10% da capacidade em 40 aeroportos", incluindo os mais movimentados do país, disse o secretário de Transportes, Sean Duffy, em entrevista coletiva.

Mais cedo, o presidente Donald Trump culpou os "democratas camicases" pela paralisação. "Acho que esses caras são kamikazes. Eles vão derrubar o país se precisarem", disse, no dia em que celebrou o primeiro aniversário de sua vitória nas eleições de 2024. Nas últimas seis semanas, a paralisação orçamentária por falta de acordo entre os dois partidos no Congresso deixou cerca de 1,4 milhão de funcionários públicos sem salário. Aqueles que exercem funções "essenciais", como controladores de tráfego aéreo ou forças de segurança, foram obrigados a continuar trabalhando sem pagamento.

O governo está parcialmente paralisado desde que o Congresso não conseguiu aprovar um projeto de lei para manter o financiamento dos departamentos e agências federais após 1º de outubro, a data de início do novo ano fiscal.

 

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