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questões indígenas

Artigo: Marco temporal sob julgamento

"Além de ignorar a imemorialidade da presença indígena no Brasil, o projeto de lei escancara as terras indígenas à mineração, à atividade agropecuária e ao desmatamento"

 30/05/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Manifestação na Esplanada dos Ministérios contra o MarcoTemporal de demarcação de terras indígenas. -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
30/05/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Manifestação na Esplanada dos Ministérios contra o MarcoTemporal de demarcação de terras indígenas. - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
postado em 06/06/2023 06:00 / atualizado em 06/06/2023 09:05

Amanhã, o Supremo Tribunal Federal  retomará o julgamento do marco temporal, que altera drasticamente o rito processual de demarcação das terras indígenas. A tese jurídica em debate na Alta Corte estabelece que os povos originários só terão direito ao território ocupado até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. No último dia 6, a Câmara dos Deputados aprovou Projeto de Lei (PL) 490, construído com base na tese do marco temporal. Foi uma vitória acachapante dos anti-indígenas, dos ruralistas, mineradores, madeireiros e dos antiambientalistas.

O PL 490 seguiu para o Senado Federal. O presidente da Alta Câmara, senador Rodrigo Pacheco, pretende rever o projeto, para que tenha um perfil mais moderado. Ele levará em conta a sugestão da então senadora Kátia Abreu, a primeira mulher a presidir a Confederação Nacional da Agricultura (CNA). A ex-senadora propõe que os ocupantes de terras indígena sejam indenizados, pelo governo federal, ante a perda de benfeitorias existentes na área. Diferentemente da Câmara, o PL 490 não merecerá pedido de urgência para sua votação.

Além de ignorar a imemorialidade da presença indígena no Brasil, o projeto de lei escancara as terras indígenas à mineração, à atividade agropecuária e ao desmatamento. A prevalecer a tese do marco temporal, as áreas ocupadas por indígenas isolados não serão poupadas. Entre elas, está o Vale do Javari, no oeste da Amazônia, cenário da brutal execução do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, ocorrida há um ano.

Em janeiro deste ano, logo após a posse do governo petista, veio à tona a tragédia e a matança de crianças, adolescentes, mulheres e idosos, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. O território estava invadido por mais 20 mil garimpeiros, que praticaram os mais hediondos crimes, inclusive, o de abuso sexual de meninas e adolescentes. Algumas delas engravidaram dos agressores. Sem acesso à caça, à pesca e a tudo mais que a floresta oferece. As fontes de água potável foram contaminadas pelo mercúrio usado na separação do ouro dos cascalhos. Ou seja, a estratégia dos garimpeiros, financiados pelo crime organizado, era a de extermínio do povo ianomâmi. Mas não só ele. O plano se estende a outras áreas da Região Amazônica, também invadidas pelos garimpeiros.

Escancarada a porteira, pouco ou nada da Floresta Amazônica restará. O desmatamento, o morticínio dos povos originários e tradicionais, e o envenenamento dos rios passarão a ser atos criminosos e predatórios do patrimônio natural amparados pelo PL 490. Além das perdas de vidas, a destruição da floresta terá impacto na produção agropecuária e favorecerá os eventos climáticos extremos. O impacto não ficará restrito à Amazônia, se estenderá a todo o país, que hoje se ressente da escassez de água, principalmente nas lavouras, decorrentes das oscilações nos regimes de chuva. Se nada for feito para conter a sanha pela destruição do patrimônio natural, o Brasil, finalmente, conquistará o tão almejado título de pária ambiental. A escolha está na mão da Justiça.

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