NULL
NEGOCIAÇÃO

Artigo: Cartas na mesa

Europeus não gostam de revelar suas fraquezas. Então, a maneira de negociar este ponto polêmico do acordo é fazer exigências para conservação do meio ambiente

Europeus não gostam de revelar suas fraquezas. Então, a maneira de negociar este ponto polêmico do acordo é fazer exigências para conservação do meio ambiente -  (crédito: Maurenilson Freire)
Europeus não gostam de revelar suas fraquezas. Então, a maneira de negociar este ponto polêmico do acordo é fazer exigências para conservação do meio ambiente - (crédito: Maurenilson Freire)
postado em 17/07/2023 06:00 / atualizado em 17/07/2023 06:00

A reunião dos representantes da União Europeia com seus equivalentes da comunidade dos países latino-americanos e caribenhos (Celac), hoje, em Bruxelas, deveria ser o momento maior, o ápice, da negociação que se demora por mais de vinte anos entre europeus e sul-americanos, para assinar o já famoso tratado destinado a unir as duas economias e criar um mercado de 750 milhões de habitantes. Mas o acordo está travado nos dois lados.

Os europeus, sobretudo os franceses, mantêm um sistema que subsidia largamente a produção agrícola. É a maneira que eles encontraram para firmar o homem no campo e evitar que as cidades cresçam além das possibilidades de o país acomodar todos. Paris sofre muito com a invasão de migrantes africanos e asiáticos. A única vantagem desta nova situação é que a seleção francesa de futebol começou a ganhar muitos torneios internacionais com a ajuda dos jogadores originários das antigas colônias. A relação entre suporte direto e receita bruta no setor agropecuário, em percentuais, é o seguinte: União Europeia: 19,3%, OCDE: 18,1%, China: 12,2%, EUA: 11%, Rússia: 7,6, e Brasil:1,3.

Europeus não gostam de revelar suas fraquezas. Então, a maneira de negociar este ponto polêmico do acordo é fazer exigências para conservação do meio ambiente. E criar punições para os países que não cumprirem as normas vigentes. A resposta dos latinos vai se materializar na reunião da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, em Belém, em 8 de agosto. Os presidentes dos oito países que integram a OTCA (Brasil, Venezuela, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Guiana e Suriname) estarão presentes e seus governos estão trabalhando numa agenda ambiciosa.

O Planalto e o Itamaraty elaboraram uma proposta de declaração, que está sendo objeto de estudo pelos outros sete países. O texto inclui vários assuntos, entre eles mudanças climáticas, segurança alimentar e nutricional, cooperação policial e de inteligência, o fortalecimento da OTCA (que será a peça institucional do processo de integração), cidades amazônicas e desmatamento — não apenas o ilegal.

O governo brasileiro vai propor a promoção do Observatório Regional da Amazônia para sistematizar e monitorar dados dos países amazônicos com objetivo de orientar políticas públicas. Ainda não foi confirmada a presença do presidente da França, Emmanuel Macron, convidado pelo Brasil. Ele representaria a Guiana Francesa, que é território francês. Ou, em bom português, uma colônia. Estarão em Belém também representantes da Indonésia, República Democrática do Congo e República do Congo, países com florestas e interesses em comum com os amazônicos.

O poder político no Brasil virou as costas para o norte do país desde a Independência. A omissão dos governos nacionais abriu oportunidades para a presença de aventureiros de todos os tipos, notadamente europeus e norte-americanos. O que resta da Fordlândia, no Rio Madeira, em área próxima a Santarém, é um exemplo. Foi a aventura de Henry Ford nos anos trinta, numa gleba de um milhão de hectares. Somente após o governo JK, o brasileiro descobriu a Amazônia. Por essa razão o presidente Lula tem pressa para assinar o acordo e garantir a efetiva soberania nacional na região, assolada também por contrabando de ouro e madeira destinados aos grandes centros consumidores mundiais.

Ele vai pisar em ovos para negociar a participação de europeus nas compras de governo, diante das reivindicações de pequenas empresas brasileiras e até mesmo europeias instaladas no Brasil. Há outro lado desta moeda: gente dentro do governo brasileiro não gosta da ideia de abrir as fronteiras e internacionalizar a economia. Esta ideologia é curiosa porque une a extrema direita e extrema esquerda brasileiros. Radicais do PT e militares.

Lula não estava disposto a comparecer ao encontro em Bruxelas. Pretendia se dedicar mais aos múltiplos problemas da política interna. Mas a presença do presidente brasileiro, ao lado do primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, e da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, dará mais relevo ao encontro. E poderá abrir o ansiado momento para discutir os termos finais do acordo do Mercosul com a União Europeia.

A resposta do governo brasileiro para ajustes no acordo entre Mercosul e União Europeia está pronta e deverá incluir revisão no capítulo que trata das compras governamentais. Será encaminhada aos sócios do Mercosul nos próximos dias e negociado com os europeus dentro de algumas semanas. Em Bruxelas, haverá espaço para discutir os detalhes do tratado. Será a ocasião para colocar as cartas na mesa. Acertar um caminho para o acordo ser assinado ou esquecer o assunto.

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, jornalista

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação
-->