ARTIGO

Extremos que não se equivalem

A tendência recorrente de colocar extrema esquerda e extrema direita no mesmo plano moral e histórico não resiste a uma análise mais profunda

 (FILES) US President Donald Trump greets troops at the Al-Udeid air base southwest of Doha on May 15, 2025. Qatar on June 23, 2025 condemned an Iranian attack on the largest US military base in the region, hosted in the Gulf state, calling it a
(FILES) US President Donald Trump greets troops at the Al-Udeid air base southwest of Doha on May 15, 2025. Qatar on June 23, 2025 condemned an Iranian attack on the largest US military base in the region, hosted in the Gulf state, calling it a "flagrant violation" of its sovereignty' (Photo by Brendan SMIALOWSKI / AFP) - (crédito: AFP)

JOSÉ HORTA MANZANO, empresário

Há uma tendência recorrente de colocar extrema-esquerda e extrema-direita no mesmo plano moral e histórico. A ideia de que uma seria o espelho da outra com sinais trocados não resiste a uma análise mais profunda. Embora o radicalismo seja a tônica de ambas, os fundamentos ideológicos, as motivações e os objetivos que as movem são substancialmente diferentes.

A extrema-direita tem obsessão pela origem, pelo sangue e pelo pertencimento nacional, assumindo a pátria o valor absoluto. Os que não se encaixam nesse modelo idealizado de cidadão — muitas vezes branco, cristão e "puro" — são considerados ameaça interna. Esse discurso não raro se manifesta na retórica do "resgate de valores tradicionais" ou na defesa de um nacionalismo agressivo e excludente. São os autodenominados "patriotas", guardiães de uma identidade nacional que não passa de invenção nostálgica de um tempo que não existiu.

Já a extrema-esquerda, apesar de também incorrer em excessos e, por vezes, de flertar com o autoritarismo, parte de uma premissa bem diferente. Seu ponto de partida costuma ser a tentativa — nem sempre bem-sucedida — de erradicar a miséria, promover justiça social e melhorar as condições de vida de todos, independentemente de raça, cor, religião ou origem. Se, por um lado, pode perder-se em dogmas ou práticas centralizadoras, por outro, tem como horizonte um projeto de inclusão e equidade. Essa diferença, por si só, já impede que as duas extremas sejam vistas como farinha do mesmo saco.

 

O ponto de contato entre ambas, sem dúvida, está no recurso à violência como ferramenta política. Quando a moderação é abandonada, quando o diálogo é substituído pela imposição, os extremos se encontram na radicalização dos meios — ainda que os objetivos sejam distintos.

Há casos emblemáticos da ascensão da extrema-direita em democracias consolidadas. Trump é o retrato fiel de uma política voltada para trás, centrada em uma ideia mitificada do passado americano. Em seu slogan de campanha Make America Great Again, o again (de novo) revela esse desejo de regressão a um tempo idealizado — uma época marcada por ordem, prosperidade e respeito internacional, mas que, na prática, era também um tempo de exclusões sistemáticas.

Essa nostalgia política se traduziu em políticas de segregação e exclusão. Sua hostilidade aberta contra imigrantes latino-americanos ou de fé muçulmana e seu discurso racista e xenófobo constituem uma ruptura da igualdade preconizada pelos fundadores do país. A obsessão pela raça e pelo pertencimento nacional torna-se, então, não apenas perigosa, mas solapadora para a democracia.

Trump, como muitos líderes de extrema-direita, mostrou-se incapaz de governar de forma ampla e responsável. Suas decisões estouvadas e sua recusa de aceitar as regras democráticas deixaram os EUA à beira de uma crise institucional. Ainda assim, parte significativa da população parece hipnotizada e inerte diante de seus abusos — fenômeno que inquieta outras democracias pelo mundo.

No Brasil, um país miscigenado, a noção de "raça" como critério de exclusão perde consistência. É impossível definir os contornos raciais de um povo marcado pela mistura. Isso levou nossa extrema-direita a buscar outros marcadores para cumprir papel excludente.

No nosso contexto, a religião tem sido usada como ferramenta de segregação e controle. As denominações neopentecostais foram alçadas ao status de guardiãs da moral nacional, enquanto outras religiões passaram a ser vistas com indiferença ou até com hostilidade. O fato religioso tornou-se combustível para a radicalização e a divisão social.

A violência, antes simbólica, ganhou corpo na sedição do 8 de Janeiro. Os líderes da intentona jamais se retrataram de seus atos. A extrema-direita brasileira, à semelhança da americana, tem tentado se escorar numa visão messiânica de mundo, com resultados alarmantes.

Apesar das desigualdades persistentes, da violência urbana e da crise política permanente, o Brasil tem algo que, nos últimos anos, mostrou-se vital: instituições que funcionam. Ao contrário dos Estados Unidos, cujo sistema judiciário parece paralisado diante de um presidente que o desafia abertamente, o Brasil conseguiu reagir.

Nos momentos mais críticos, coube ao Judiciário atuar como último bastião à beira da ribanceira. Nossas instituições resistem aos impulsos autoritários e mantêm, com esforço, o país em rota democrática. Diante de tanta desgraça, esse é um fator que não deve ser desprezado.

 


Por Opinião
postado em 26/06/2025 06:03
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