ARTIGO

Tarifa Zero no Dia Mundial sem Carro, uma exigência inafastável

A expansão da Tarifa Zero para todos os dias da semana, conjugada com melhorias para a mobilidade dos pedestres e ciclistas, é medida crucial para vencer os desafios da mobilidade no coração político do Brasil

As políticas predominantemente adotadas não priorizam o transporte coletivo, o andar a pé ou por bicicleta. Ao mesmo tempo, políticas urbanas conduzem ao espraiamento das cidades em bairros distantes -  (crédito:   Ed Alves CB/DA Press)
As políticas predominantemente adotadas não priorizam o transporte coletivo, o andar a pé ou por bicicleta. Ao mesmo tempo, políticas urbanas conduzem ao espraiamento das cidades em bairros distantes - (crédito: Ed Alves CB/DA Press)


Guilherme Tempieriespecialista em cidades e em gestão ambiental, mestre em geografia, assessor legislativo e associado à Andar a Pé; Virgínia Litwinczik associada à Andar a Pé, cientista social, antropóloga e mestre em história; Wilde Cardoso Gontijo Jr.coordenador da Diretoria da Andar a Pé, engenheiro, mestre e doutor pela UnB


Desde a segunda metade do século 20, cidades do mundo inteiro convivem com o agravamento de problemas associados ao transporte urbano. As políticas predominantemente adotadas não priorizam o transporte coletivo, o andar a pé ou por bicicleta. Ao mesmo tempo, políticas urbanas conduzem ao espraiamento das cidades em bairros distantes, aumentando os desafios do transporte das pessoas para o trabalho e os serviços públicos mais essenciais.

No Distrito Federal, temos um transporte coletivo historicamente marcado pela má qualidade dos serviços, pela ausência em diversos territórios, pelo alto custo, pela insatisfação popular, pela insuficiência da infraestrutura e, de forma geral, invertendo-se aqui as prioridades da Política Nacional de Mobilidade Urbana — PNMU (Lei nº 12.587 de 2012). É o chamado círculo vicioso da mobilidade urbana: tarifas altas afastam usuários, reduzindo a receita do sistema, o que leva à piora do serviço e migração para o transporte individual, aumentando os problemas. Congestionamentos, poluição, emissão de gases causadores das mudanças climáticas, acidentes, mortes e consequente deterioração da qualidade de vida da população são efeitos visíveis e frequentes.

Apesar de previsto no art. 6º da Constituição Federal de 1988, o direito ao transporte ainda não se efetivou, em grande parte pela falta de mecanismos de financiamento que garantam seu acesso a todas as pessoas. Diante desse cenário desafiador, especialmente depois da pandemia da covid-19, mais de 100 municípios brasileiros, de variadas ideologias, instituíram a Tarifa Zero no transporte público coletivo. Muitos afirmam que esse movimento é resultado da luta histórica das ruas, outros de que é um movimento consequente da pandemia e que vai ao encontro do interesse dos prestadores de serviço para manterem seus lucros históricos. A avaliar.

No caso concreto do DF, a alta tarifa está congelada desde janeiro de 2020 e, segundo declarou recentemente o governo local, ficará assim até o fim de 2026. Aproveitando essa onda de Tarifa Zero no país, em 2025 o Governo do Distrito Federal estabeleceu gratuidade aos domingos e feriados. Mesmo limitado, esse programa tem resultados promissores. Segundo relatório da Câmara Legislativa do DF, com a implementação do programa Vai de Graça, nesses dias, o número de passageiros em ônibus aumentou em média 69%. No metrô, o aumento foi de 67%. Melhor: não houve qualquer custo adicional para a operação do sistema. 

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Claro que isso é muito bom, mas é preciso ir além. A expansão da Tarifa Zero para todos os dias da semana, conjugada com melhorias para a mobilidade dos pedestres e ciclistas, é medida crucial para vencer os desafios da mobilidade no coração político do Brasil, servindo de exemplo para o país. Já são 2 milhões de veículos em circulação no DF. Há estimativa de que essa frota supere 3 milhões até 2030. Ou seja, a pressão por novas vias para carros é crescente e, mantida a lógica das políticas distritais, serão necessárias mais e mais infraestruturas, onerando progressivamente os gastos públicos e reforçando o cruel círculo vicioso da mobilidade. 

No contexto das mudanças do clima, menor número de carros nas vias produz menos poluição do ar, menos gases de efeito estufa, menos estresse, menos sinistros e mortes no trânsito, menos gastos públicos e particulares. A título de exemplo, um ônibus lotado pode transportar até 72 pessoas, ocupando 30 metros quadrados. Essas mesmas pessoas em carros individuais ocupam aproximadamente 350 metros quadrados. Enfim, o transporte coletivo é 10 vezes mais eficiente no transporte de pessoas e pode melhorar muito nossa cidade. 

Implantar a Tarifa Zero significa despontar a cultura da valorização do transporte coletivo, um dos principais objetivos da Política Nacional de Mobilidade Urbana, conforme estabelece o próprio Plano Diretor de Transporte Urbano do DF de 2011. O Governo do DF pode, e deve, avançar, e um momento adequado se aproxima. Por que não decretar a Tarifa Zero no Dia Mundial Sem Carro, em 22 de setembro? 

Tal proposta foi feita pela Andar a Pé durante audiência pública na Câmara Legislativa e teve o apoio do representante da Secretaria de Transporte e Mobilidade ainda em 4 de agosto de 2025. Infelizmente, nenhum ato foi publicado pelo GDF desde então. Essa simples e importante ação vai ampliar a experiência exitosa em curso, quantificar custos e benefícios em dia útil da semana, o que é fundamental para que seja medido o real impacto orçamentário da proposta, além de projetar no horizonte desta capital um sistema de transporte seguro, acessível, sustentável e universalizado.

 

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Por Opinião
postado em 22/09/2025 06:00 / atualizado em 22/09/2025 21:19
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