ARTIGO

PEC da Blindagem: o alerta continua

Quando uma tentativa de blindagem avança tanto, o sistema político já está em risco. A pressão das facções e de grupos poderosos para garantir impunidade continuará

Áureo Cisneirosdiretor da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol) e presidente do Sinpol-PE

O Brasil viveu, nos últimos dias, um dos episódios mais graves da sua história recente. A chamada PEC da Blindagem, que buscava proteger políticos de investigações e processos, foi rejeitada pelo Senado Federal. A decisão trouxe alívio momentâneo e mostrou que, quando há pressão da sociedade, ainda é possível evitar retrocessos. Mas o risco não terminou. A simples existência dessa proposta e o fato de ela ter avançado até a votação é um sinal de alerta que não pode ser ignorado.

A PEC derrotada era um escudo feito sob medida para beneficiar criminosos infiltrados na política. Se tivesse sido aprovada, abriria caminho para que organizações como o PCC e o Comando Vermelho elegessem seus representantes com a garantia de foro privilegiado e imunidade contra a Justiça. Seria a legalização da impunidade e a institucionalização do crime dentro do parlamento — um ataque direto à democracia.

Ainda que rejeitada, a tentativa mostra a disposição de parte expressiva da classe política em se alinhar a interesses sombrios. Não se tratava apenas de autoproteção de parlamentares, mas da abertura de um novo canal de poder para o crime organizado. Um retrocesso de proporções históricas, que poderia ter colocado em risco o próprio equilíbrio do Estado.

Enquanto isso, a vida real seguia dura. Nas periferias, mães choram filhos assassinados, trabalhadores enfrentam ônibus assaltados, comerciantes fecham as portas com medo da violência. Essa é a realidade que deveria estar no centro da agenda do Congresso Nacional. Mas, em vez de debater soluções concretas para a segurança pública, parte dos parlamentares escolheu defender a si mesma, em um gesto que escancara a distância entre Brasília e o povo.

A rejeição da PEC não apaga essa contradição. Pelo contrário: reforça a percepção de que grande parte do parlamento está mais preocupada em se blindar do que em oferecer respostas às dores diárias da sociedade. O resultado é a consolidação de uma democracia desconectada do cotidiano de milhões de brasileiros, que pagam impostos altos, mas não têm o mínimo de segurança para viver em paz.

Se a proposta tivesse sido aprovada, o custo seria alto demais. Blindar políticos criminosos significaria mais violência nas ruas, mais corrupção nos cofres públicos e menos recursos destinados a saúde, educação e segurança. Na prática, seria condenar milhões de brasileiros a viverem em um país ainda mais desigual e dominado pelo medo. Seria também legitimar o desvio de recursos para facções, fortalecendo redes criminosas em vez de proteger famílias.

O resultado da votação revelou, com clareza, quem está de que lado. Deputados que sempre discursaram em defesa da segurança pública — inclusive parte da chamada bancada da bala — não hesitaram em apoiar uma proposta que daria ao crime organizado um escudo de luxo. Da mesma forma, parlamentares que se apresentam como guardiões da moral cristã, mas que votaram a favor da PEC, revelaram incoerência gritante. A máscara caiu. O eleitor agora sabe quem esteve disposto a legislar em favor do crime e deve se lembrar desses nomes no próximo pleito.

É verdade que a rejeição no Senado representou uma vitória. Mas é preciso reconhecer que, quando uma tentativa de blindagem avança tanto, o sistema político já está em risco. A democracia não pode se dar ao luxo de respirar aliviada e seguir como se nada tivesse acontecido. A pressão das facções e de grupos poderosos para garantir impunidade continuará. E só uma sociedade mobilizada pode impedir que o retrocesso retorne em novas versões, com novas roupagens.

Essa vitória foi possível graças à reação popular: manifestações nas redes sociais, pressão sobre parlamentares e um grito coletivo contra o absurdo. É a prova de que a mobilização funciona. Mas também é um lembrete de que não basta se indignar uma vez. É necessário permanecer ativo, atento e vigilante. A história registra: democracia não se defende em um dia, mas todos os dias.

A segurança pública é, hoje, a principal preocupação do povo brasileiro. O recado das ruas e das redes foi claro: não aceitamos retrocessos, não aceitamos blindagem para corruptos e criminosos. O que queremos é investimento em investigação, polícia moderna, tecnologia, inteligência e leis que punam corruptos e criminosos sem distinção. O Brasil precisa, sim, de uma blindagem — mas é a que protege o cidadão de bem, e não aquela que cria escudos para facções infiltradas na política.

A PEC da Blindagem foi rejeitada, mas não podemos esquecer que ela existiu. Foi a maior tentativa de institucionalizar a impunidade no Brasil. Que essa derrota no Senado se torne também uma lição permanente: quando o povo se cala, o crime avança. Quando o povo reage, a democracia resiste.

 


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Por Opinião
postado em 30/09/2025 05:50 / atualizado em 30/09/2025 10:22
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