CINEMA

O Oscar de Brasília

Edição de 2025 do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro chega ao fim em meio à reafirmação vocação como espelho e motor da nossa cultura

Mais uma edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro chegou ao fim reafirmando sua vocação de espelho e motor da nossa cultura. Não é apenas o mais longevo e importante festival dedicado exclusivamente à produção nacional: é um palco de invenção e memória, onde o Brasil se reconhece em sua multiplicidade, se questiona e se reinventa diante da tela luminosa.

Encerrado no último sábado no icônico Cine Brasília, o festival celebrou seis décadas de histórias contadas por vozes diversas, de estéticas ousadas e de resistências que atravessaram ditaduras, crises econômicas e transformações culturais. A homenagem a Fernanda Montenegro, nesse contexto, é um gesto que transcende a cerimônia. Em 1965, na primeira edição, ela recebeu o prêmio de Melhor Atriz por A falecida, de Leon Hirszman. Sessenta anos depois, aos 95, continua ativa, como patrimônio vivo da sétima arte brasileira, farol que ilumina gerações. E, como ela própria declarou em mensagem de vídeo enviada ao público da premiação, "é um milagre e a realização de um sonho que eu tenha estado presente como atriz em 40 filmes brasileiros". 

O presente, no entanto, não se apequena diante dessa memória. No mesmo ano em que sua filha, Fernanda Torres — que coincidentemente completou 60 anos na última segunda-feira, durante a realização do festival — conquistou o Globo de Ouro de Melhor Atriz e foi indicada ao Oscar por Ainda estou aqui — longa de Walter Salles que venceu o prêmio de Filme Estrangeiro da Academia e que também contou com Montenegro no elenco —, a sétima arte inscreve um elo raro entre gerações. Há 25 anos, Fernanda mãe também foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz, pelo trabalho em Central do Brasil, do mesmo diretor. É a demonstração de que o cinema brasileiro pulsa em continuidade, tecendo fios de permanência e renovação, onde mães e filhas, mestres e discípulos, se encontram no mesmo território da arte.

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

A abertura com o até então inédito O agente secreto, de Kleber Mendonça Filho, coroou essa celebração. O filme, escolhido para representar o Brasil na candidatura ao Oscar 2026, não apenas reafirma a qualidade estética de nosso cinema, mas também sua vocação crítica e inventiva. Mendonça se coloca como herdeiro de uma tradição de ousadia que Brasília ajudou a consagrar — tradição que olha para frente sem esquecer o caminho percorrido, como bem ilustra o longa que foi o grande vencedor da edição, o distópico Futuro futuro, do gaúcho Davi Pretto.

Em um tempo em que tanto se discute a relevância da cultura e seu papel na identidade nacional, o Festival de Brasília vibra como testemunha e guardião: lembra que o cinema brasileiro é indispensável, porque traduz nossas contradições, revela nossas dores, celebra nossas alegrias e projeta nossas utopias. São 60 anos de resistência e encantamento, lembrando que o Brasil é mais forte quando se vê no espelho da sua própria arte.

Celebrar esse festival é celebrar o Brasil. E, ao homenagear Fernanda Montenegro, o festival nos recorda que nossa história cinematográfica é feita de presenças que permanecem, de vozes que atravessam gerações e de um futuro que se escreve, filme a filme, no tecido vivo das nossas telas.

 

Mais Lidas