
ISABEL B. SCHMIDT, professora do Departamento de Ecologia e pesquisadora da Rede Biota Cerrado/UnB e Lúcia Mendes, Presidente da Associação Preserva Serrinha
O Cerrado é o coração das águas, bombeia água e vida para oito das 12 principais bacias hidrográficas do Brasil. Fornece água para grandes centros urbanos do Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste do país. Fornece água para o agronegócio, que o chama de celeiro do mundo, mas não cuida dele adequadamente. Apesar de ser a savana mais biodiversa do mundo, o Cerrado segue sendo menosprezado pela população brasileira. É o bioma mais desmatado do Brasil, e entre os mais ameaçados do mundo.
O Distrito Federal está no coração do Cerrado. Tem a população mais escolarizada e com maior renda média do país, mas, não por isso, boa conhecedora do ambiente em que mora e do qual depende para viver, comer e se divertir. O Cerrado do DF vai sendo rapidamente consumido pela expansão urbana, e degradado por incêndios.
A Serrinha do Paranoá abriga diversas áreas conservadas que ajudam a manter a capital federal habitável. Nela, nascem córregos que abastecem o Lago Paranoá e onde persistem tantas espécies de bichos e plantas milenares que ajudam a água a infiltrar no solo e abastecer a todos nós. A Serrinha é parte da Área de Proteção Ambiental (APA) federal do Planalto Central e da APA distrital do Lago Paranoá e abriga o futuro Parque Distrital da Pedra dos Amigos, além de dezenas de trilhas de caminhada e mountain bike. Nem por isso, a Serrinha está protegida da especulação imobiliária e de incêndios criminosos que parecem querer retirar dela o Cerrado e sua capacidade de produzir água.
Incêndios de final da estação seca aumentaram drasticamente no Cerrado nas últimas décadas, causam morte de plantas e bichos silvestres, danos ao solo, assoreamento de rios, danos a saúde de pessoas e de animais domésticos, e mesmo morte de pessoas, como ocorrido em julho de 2025 nas proximidades da Reserva Ecológica do IBGE.
Precisamos, como sociedade, compreender a importância do Cerrado e saber cuidar dele para que continue a nos fornecer ar puro e água. Por ser uma savana, com inverno seco e um verão chuvoso, o Cerrado convive com fogo há mais de 4 milhões de anos. Aqui, os raios das primeiras chuvas frequentemente encontravam capins secos, após meses de estiagem, e iniciavam incêndios naturais, que se espalhavam por grandes áreas de campos e cerrados, onde os capins formam uma camada contínua com suas folhas secas e finas, facilitando a propagação do fogo.
Naturalmente, esses incêndios não atingiam as florestas, como as matas de galeria na beira dos rios e córregos, que são sempre mais úmidas e não têm tantos capins. Por isso, árvores do Cerrado típico têm cascas grossas, raízes profundas e conseguem rebrotar após o fogo, enquanto as árvores das florestas têm cascas finas e morrem mais facilmente quando atingidas por chamas.
Na ausência de raios, todos os incêndios durante a estação seca são de origem humana. Esses incêndios atingem árvores e animais no momento em que estão se reproduzindo, como indicam as flores de pequi, cagaita, ipês e tantas outras nesta época do ano. São muito prejudiciais para o Cerrado e favorecem o desmatamento e ocupação ilegal. É o que vimos na Serrinha do Paranoá neste fim de setembro e início de outubro. As chamas consumiram centenas de plantas, deixando animais sem comida nem moradia, pessoas assustadas e intoxicadas, e mostraram claramente a pressão imobiliária sobre a região.
A Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PNMIF), Lei 14.944/2024, preconiza que os estados e o DF devem implementar o MIF em seus territórios para prevenir incêndios e reduzir custos de combate. O Governo do Distrito Federal (GDF) avançou nesse sentido em 2024 ao contratar mais brigadistas, por mais tempo do que antes. E precisa continuar avançando.
A comunidade da Serrinha, para o bem de todos no DF, conclama o governo federal e o GDF a ocuparem a Serrinha institucionalmente, combatendo ocupações irregulares e implementando na área um Plano de Manejo Integrado do Fogo (MIF) que, se implantado, será pioneiro no DF e, certamente, ajudará a manter o Cerrado de pé, a água em nosso Lago Paranoá e a qualidade de vida na capital federal.
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