
ANA LUISA NASCIMENTO DE OLIVEIRA, especialista em comunicação com foco em mobilidade urbana. Desenvolve pesquisa nos EUA sobre inteligência artificial na segurança ferroviária e sua aplicação em estratégias de comunicação
Todos os dias, milhões de brasileiros enfrentam longas jornadas no transporte público. Ônibus lotados, trens parados, metrôs superlotados. Além do tempo perdido, a experiência gera estresse, ansiedade e sensação de falta de controle. O que muitos desconhecem é que a comunicação pode ser uma ferramenta poderosa para aliviar esse peso cotidiano.
Pesquisas recentes mostram que a forma como recebemos mensagens afeta diretamente nosso corpo. A linguagem não é apenas informação: ela influencia sistemas neurológicos e hormonais ligados ao estresse. Estudos indicam que palavras e interações verbais estruturadas podem reduzir a produção de cortisol, hormônio associado à tensão, e estimular neurotransmissores relacionados ao bem-estar, como serotonina, oxitocina e Gaba. Isso significa que a maneira como autoridades e empresas falam com os passageiros pode ter impacto real na saúde mental de quem depende do transporte.
Em ambientes hostis, pequenas escolhas comunicacionais fazem diferença. Um aviso frio e técnico sobre atrasos tende a aumentar a irritação, enquanto mensagens empáticas e claras ajudam a reduzir a sensação de abandono. O simples reconhecimento da dificuldade ("Sabemos que sua viagem está mais demorada hoje e lamentamos o transtorno") muda o estado emocional dos passageiros. Quando a comunicação transmite acolhimento, ativa circuitos cerebrais associados ao relaxamento e pode, inclusive, modular respostas fisiológicas ligadas ao estresse.
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A ciência reforça esse caminho. Estudos em neurociência e psicologia mostram que a linguagem relaxante e a comunicação reflexiva reduzem a ansiedade, melhoram a qualidade do sono e modulam marcadores inflamatórios no organismo. A explicação está na forma como o cérebro processa estímulos verbais: ao ouvir palavras que sugerem calma e cuidado, há alteração em circuitos ligados ao relaxamento, com efeitos indiretos sobre neurotransmissores. É por isso que intervenções de comunicação são hoje estudadas não apenas em contextos terapêuticos, mas também em políticas públicas.
Transportar milhões de pessoas diariamente é um desafio logístico e técnico. Mas é também um desafio humano. A espera em plataformas, a imprevisibilidade dos atrasos e a superlotação geram desgaste emocional. Inserir a comunicação como parte da política de bem-estar urbano pode ser uma estratégia de baixo custo e alto impacto. Não se trata apenas de informar sobre o horário do próximo trem ou a mudança de rota. Trata-se de pensar o tom, as palavras e até mesmo o ritmo das mensagens.
Algumas experiências internacionais mostraram avanços nesse campo. Em Londres, testes no metrô indicaram que mensagens transmitidas com linguagem simples, objetiva e respeitosa melhoraram a percepção do serviço, mesmo sem mudanças operacionais. No Japão, companhias ferroviárias adotaram avisos que priorizam empatia e clareza, reduzindo índices de estresse relatados pelos passageiros. No Brasil, há espaço enorme para que as empresas de transporte invistam não apenas em tecnologia e infraestrutura, mas também na forma como comunicam.
Isso não significa maquiar problemas estruturais. Comunicação não substitui investimentos em qualidade do serviço. Mas reconhecer que a informação pode aliviar a experiência, em vez de agravá-la, é passo fundamental. No cotidiano de quem passa duas, três horas por dia em deslocamentos, cada detalhe conta.
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O transporte público é vital para a vida urbana. Se a infraestrutura não se transforma da noite para o dia, a comunicação pode, e deve, ser usada já. Um aviso bem formulado não elimina o atraso, mas pode reduzir a ansiedade. Uma linguagem acolhedora não diminui a superlotação, mas pode diminuir a percepção de hostilidade. São ganhos subjetivos, porém sustentados pela ciência, que podem fazer diferença em milhões de trajetos diários.
Ao entender que palavras importam, e que seu efeito vai além do psicológico, alcançando circuitos neurológicos e respostas fisiológicas, gestores públicos e privados têm em mãos uma ferramenta concreta para melhorar a experiência de quem depende do transporte coletivo. A cidade não muda em um dia, mas a forma de falar com seus cidadãos pode mudar já.

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