
RUBENS BARBOSA, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior, embaixador do Brasil nosEUA e no Reino Unido
A Corte de Justiça do Reino Unido anunciou decisão inicial sobre a questão da indenização para os 620 mil brasileiros que assinaram petição junto com prefeituras da região, por iniciativa do escritório britânico Pogust Goodhead. A ação chega a 36 bilhões de libras. Mas, uma década depois do desastre de Mariana, em Minas Gerais, nada foi pago. Seu fundador, Tom Goodhead, foi afastado sob pressão do financiador americano. O processo virou uma operação de alto risco jurídico e financeiro, sem transparência, e que deixa as vítimas à mercê de um litígio incerto. A Justiça autorizou o avanço do processo para a fase de avaliação de danos, com base nas disposições do Código Civil e na legislação ambiental brasileiros.
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A Justiça inglesa reconheceu as reparações já pagas no Brasil, o que deve levar à exclusão de milhares de pessoas da ação no Reino Unido. Com menos "claimants", o valor total da indenização será menor. O único que continua ganhando com isso será o fundo americano Gramercy, que financia a ação e ficará com até 30% do valor final. As vítimas, que abriram mão das indenizações no Brasil, condição para receber na ação em Londres, poderão acabar recebendo menos. Como apresentado durante a COP30, o Acordo do Rio Doce pode ser um modelo a ser seguido.
Apesar da decisão reconhecer a responsabilidade legal da empresa BHP, sócia da Samarco/Vale pelo rompimento da barragem de Mariana, o processo ainda está longe de terminar. A empresa australiana anunciou que vai recorrer, e a próxima fase do julgamento só deverá começar em janeiro de 2027, diante da necessidade da banca britânica se organizar, em detrimento da rapidez da indenização esperada pelas vítimas. Com isso, qualquer compensação às vítimas só deve ocorrer a partir de 2029. Enquanto isso, no Brasil, o Programa de Indenização Definitiva (PID), homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já pagou mais de R$ 14 bilhões a cerca de 288 mil pessoas.
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A Corte decidiu ainda que o escritório britânico, embora tenha se afastado, terá de pagar 811.000 libras ao Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) como compensação pelos custos incorridos pelo Instituto para sua defesa perante a Corte britânica, quando questionou a ação no exterior das entidades públicas contra o governo brasileiro. Pogust contestou o pedido da instituição brasileira.
Nas decisões anunciadas, uma merece atenção especial. Segundo a Corte britânica, não há impedimento constitucional para os municípios levarem essa questão à jurisdição na Grã-Bretanha. Em consequência, eles têm voz no julgamento. A decisão britânica reacende um debate muito importante: até que ponto Cortes estrangeiras podem interferir em casos que envolvem vítimas brasileiras e danos ocorridos no território nacional? Hoje foi a Justiça inglesa, mas amanhã pode ser a Justiça americana, sob um governo hostil ao Brasil. A decisão do ministro Flávio Dino, que condicionou qualquer sentença estrangeira à validação pelo STF, protege a soberania jurídica do país e impede que municípios brasileiros terceirizem sua representação internacional sem autorização da União e que a sentença deve ser homologada pelo STF.
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A decisão da Corte abre um precedente internacional que pode influenciar outras ações em curso em outros foros. Entre eles, o caso de Brumadinho, que corre na Alemanha, e o de Alagoas, que tramita na Justiça da Holanda. Consequências econômicas devem ser consideradas. Para o país, aumenta a insegurança jurídica para empresas que queiram investir no Brasil ou para brasileiras que tenham subsidiárias no exterior, pois os custos com o pagamento de apoio jurídico por muito tempo no exterior e pela indenização aos demandantes, se perder a ação, podem afetar o modelo de negócio. Talvez possa ser considerada uma alternativa política pela qual o governo brasileiro poderia questionar junto ao Reino Unido o processo na corte inglesa e defender o princípio do direito de que ninguém deve ser julgado duas vezes pelos mesmos fatos e que o Brasil deve ser soberano na decisão de questões jurídicas em seu território.

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