
Maílson da Nóbrega — ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria
A desindustrialização caracteriza-se pela perda de peso e relevância da indústria no PIB. Pode ocorrer de forma natural, quando avanços na tecnologia e na gestão das empresas elevam a fatia dos serviços na economia. Nos Estados Unidos, a indústria hoje detém apenas 19% do PIB, ante 80% dos serviços. Tal processo, benéfico, ocorre de forma lenta, associado à abertura para o exterior, mudanças estruturais e inovações que ampliam a competitividade da indústria. Os ganhos de eficiência e de produtividade expandem a economia.
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A desindustrialização também ocorre lentamente quando protecionismo excessivo, subsídios e incentivos fiscais, combinados, desestimulam a inovação e minam a competitividade da indústria. Pode se dar de forma acelerada, quando setores são afetados por desequilíbrio macroeconômico ou súbita e forte alta de importações. Na origem desse processo maléfico, estão subsídios à exportação por países com excesso de produção. Os itens chegam ao destino abaixo do preço de custo, arrasando fábricas locais.
Justificam-se, ante a invasão de produtos estrangeiros, ações urgentes de defesa da indústria nacional, sob risco de danos que podem torná-la inviável. Do contrário, perdas afetarão a economia e o bem-estar da sociedade. Há que evitar a interpretação de que os dois tipos de desindustrialização têm a mesma origem, conduzindo à percepção errônea de que defender a indústria contra importações desleais seja protecionismo em favor de segmentos ineficientes. Não é.
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Um exemplo ocorre na indústria brasileira do aço. Desde 2023, o setor enfrenta importações predatórias que ameaçam sua capacidade de contribuir para o desenvolvimento do país e sua sobrevivência. Prevê-se que este ano entrem no país 6 milhões de toneladas de aço laminado, alta de 32% sobre 2024. É o triplo da média entre 2000 e 2019 e um terço do mercado nacional.
A avalanche vem especialmente da China, que fabrica um bilhão de toneladas de aço por ano - 30 vezes a produção brasileira. O governo chinês subsidia exportações de aço inclusive para reverter a queda da demanda interna. Dessa forma, as vendas externas já superam 100 milhões de toneladas anuais, o triplo da produção brasileira. O excedente de aço dos países exportadores encontra um mercado global com excesso de capacidade de 619 milhões de toneladas — ou 12 vezes a capacidade das usinas brasileiras.
As importações de aço não afetam apenas o Brasil, mas outros países, que têm reagido de forma dura para preservar a indústria nacional. Desde 2018, Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e México elevaram tarifas de importação para 25%. Este ano, americanos subiram a taxa para 50%, seguidos pelo Canadá. A União Europeia planeja o mesmo, além de cortar cotas.
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Já o Brasil encontra-se vulnerável. Aqui, a tarifa de importação de aço é 10,8%. Em junho de 2024, apenas 10 produtos, de um total de 273, tiveram elevação para 25% — hoje são 16. A medida foi desidratada por cotas generosas para a entrada de aço 30% acima da média importada de 2020 a 2022. O quadro piora devido a estímulos ao ingresso do item, como regimes especiais, acordos de comércio e, em alguns estados, redução de ICMS. Assim, a alíquota efetiva de importação de aço é de apenas 7,2%.
O estrago é visível. Mais de 5 mil demissões e corte de R$ 2,5 bilhões em investimentos já ocorreram na indústria do aço, diante de um patamar de 63% no uso da capacidade instalada — o ideal para manter aportes e vagas seria 85%. Novas inversões são repensadas. É iminente o fechamento de unidades. O encolhimento do segmento do aço, vital para vários setores, ameaça toda a indústria com risco de danos irreversíveis e pode criar uma indesejável dependência de importações, gerando mais vulnerabilidade a uma atividade que há décadas enfrenta problemas que corroem sua competitividade e relevância.
Urge a adoção de medidas para derrubar as importações de aço. Mecanismos de defesa comercial — antidumping, restrições quantitativas, salvaguardas bilaterais, dentre outras — estão à disposição da política de comércio exterior. O governo não tem agido, todavia, como seria de esperar, aparentemente alheio à ameaça à produção doméstica de aço.
Os danos vão além do setor, ameaçando toda a indústria e o próprio Brasil. É preciso que nos miremos na prontidão e no vigor com que outras nações reagiram ao ataque dos asiáticos. É preciso considerar que não há país industrializado e próspero com uma indústria de aço arrasada. É preciso agir.
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