Visão do Correio

Cerco à Venezuela é alerta para toda a região

Reconhecido como um articulador estratégico na região, o Brasil precisa estar atento aos sinais e às investidas trumpistas para não comprometer sua importância diplomática e os interesses nacionais

Anunciado na noite de terça-feira, o cerco naval completo da Venezuela pelas Força Armadas dos Estados Unidos, nas palavras do presidente Donald Trump, é mais um capítulo da escalada da tensão entre os dois países desde que o republicano voltou à Casa Branca e sinal inequívoco de que não se trata de um embate restrito às duas nações. A ofensiva da "maior Armada já reunida na história da América do Sul" faz parte de uma jogada estratégica do líder norte-americano para recompor a influência do seu país nas Américas e conter o avanço de potências rivais. Se não pretendem ser meros observadores, os outros atores desse tabuleiro político precisam redefinir ou afinar seus movimentos.

De forma prática, o bloqueio deve impedir que cargueiros de petróleo não ligados à Chevron, que é dos EUA, entrem e saiam da Venezuela. A Armada seguirá pressionando Caracas até que "devolvam todo o petróleo, terras e outros recursos que roubaram de nós", também segundo Trump. A mensagem escrita em sua rede social, porém, não deixa claro a que desfalques ele se refere. Também falta ser mais consistente quanto à afirmação de que o regime de Maduro atua como uma organização narcoterrorista que envia quantidade volumosa de cocaína aos cartéis mexicanos que abastecem o território estadunidense.

Especialistas em segurança pública não reconhecem essa participação expressiva da Venezuela no tráfico internacional de drogas. A edição mais recente do Relatório Mundial sobre Drogas da ONU, divulgada neste ano, sequer tem a Venezuela entre os países da região que mais participam da produção e comercialização do mercado global dessas substâncias ilícitas. São eles: Peru, México, Colômbia e Bolívia. 

Não são exagerados, portanto, a leitura de que a nova versão da  "guerra às drogas" se trata de um pretexto para pôr em prática intervenções com outros fins e o entendimento de que a ofensiva trumpista atropela preceitos do direito internacional. Vale lembrar que os venezuelanos abrigam as maiores reservas de petróleo do mundo e têm como principal comprador a China, que já é considerada o segundo maior parceiro comercial da América Latina e Caribe, atrás apenas dos EUA.

Nesse sentido, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, acerta ao reiterar que a soberania do seu país precisa ser respeitada. Trump vem afirmando que considera deflagrar no país vizinho uma ofensiva similar à que está em curso no Pacífico e no Caribe. Diferentemente da Venezuela, o México tem uma história de enfrentamento ao narcotráfico. 

A preocupação também se volta ao Brasil, que discute a equiparação das facções criminosas a grupos terroristas. Integrantes da cúpula do Exército e outros especialistas alertam que a medida cria o risco de interferência externa. Isso em meio, também nesta terça, à assinatura de um pacto entre Estados Unidos e Paraguai que prevê  a atuação de soldados estadunidenses no país sul-americano para coibir o que consideram grupos terroristas. Não será surpresa se outros países da região alinhados ao republicano firmarem acordos semelhantes.  

Em ligação recente, o presidente Lula disse ter afirmado a Trump que a América Latina é "um zona de paz" e que o "poder das palavras, não o das armas" é o mais eficaz para a resolução de problemas. Segundo o brasileiro, o chefe da Casa Branca teria respondido: "Eu tenho mais armas, eu tenho mais navios, eu tenho mais bombas". Reconhecido como um articulador estratégico na região, o Brasil precisa estar atento aos sinais e às investidas trumpistas para não comprometer sua importância diplomática e os interesses nacionais.

 

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