DIPLOMACIA

Viagem de Lula à China estará sob holofotes de todo o mundo

Acompanhado de uma comitiva recorde de empresários, presidente Lula embarca para a China, com agenda entre 26 e 31 de março, de olho na reaproximação com o maior parceiro comercial brasileiro

Ingrid Soares
Rosana Hessel
postado em 19/03/2023 03:30 / atualizado em 19/03/2023 07:09
Lula cumprimenta o então presidente chinês, Hu Juntiao, após assinatura de acordos comerciais entre os dois países durante a primeira visita do petista ao gigante asiático -  (crédito: Ricardo Stuckert/PR - 24/5/04)
Lula cumprimenta o então presidente chinês, Hu Juntiao, após assinatura de acordos comerciais entre os dois países durante a primeira visita do petista ao gigante asiático - (crédito: Ricardo Stuckert/PR - 24/5/04)

A visita de Estado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à China, a convite do presidente chinês Xi Jinping, ganha importância global em meio às incertezas sobre o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia, que completou um ano em fevereiro, mas a expectativa de analistas é de que a pauta econômica e comercial esteja mais em evidência durante a turnê do petista pelas cidades de Pequim e Xangai entre os dias 26 e 31 deste mês.

A ida de Lula para China, marca a reaproximação do Brasil com o seu maior parceiro comercial, após uma série de trapalhadas no campo diplomático pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), cujo filho número 3, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), chegou a culpar o país asiático pela pandemia da covid-19.

Analistas lembram que o Brasil, atualmente, é muito mais dependente da China do que o contrário. Os dois países são parceiros comerciais desde 2009, e a parceria estratégica ocorre desde 1993, ou seja, há 30 anos. Essa aliança tornou-se global em 2012, ano em que a corrente de comércio — soma das exportações e das importações — entre os dois países era de US$ 75,4 bilhões, e, no ano passado, esse volume dobrou, para o patamar recorde de US$ 150 bilhões, com um saldo comercial favorável ao Brasil, de US$ 28,7 bilhões, abaixo dos US$ 40,2 bilhões registrado no ano anterior, outro recorde histórico, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).

O momento da visita presidencial também coincide com a reabertura do país asiático para o mundo, após o afrouxamento das regras de tolerância zero para a covid-19, em uma onda de revisões para cima do crescimento da economia global por conta disso, pois as novas projeções voltaram a prever a China crescendo acima de 5%.

A Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) revisou de 2,2% para 2,6% a estimativa do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e dos países do G20, grupo das 19 maiores economias desenvolvidas e em desenvolvimento do planeta, mais a União Europeia (UE). Essa nova projeção, divulgada recentemente, reduziu de 1,2% para 1% a previsão para o crescimento do PIB do Brasil e aumentou de 4,6% para 5,3% a expectativa de avanço do PIB chinês.

A pauta de exportações do Brasil para os chineses é dominada por produtos de commodities agrícolas e minerais, com soja, minério de ferro e petróleo respondendo por mais da metade, 74% do total embarcado em 2022 com destino à China. Entre janeiro e fevereiro deste ano, esse percentual continua elevado e respondeu por 66% do total das exportações para o país asiático.

"Faz todo sentido o presidente brasileiro ir à China, porque é o principal parceiro comercial do país e é o destino de uma importante fatia das exportações brasileiras (de 26,7% em 2022). O novo governo Lula é mais favorável à inserção do Brasil no cenário internacional, uma das poucas coisas coerentes desse terceiro mandato é a política externa. O resto é um desastre", afirma o economista Simão Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP).

Na avaliação de Silber, o Brasil é mais dependente da China, que voltará a crescer acima de 5%, do que o contrário. "A China é um país com que todos querem fazer negócio, e o Brasil, também precisa fazer mais negócios com os chineses", destaca o professor da USP. Não à toa, o governo brasileiro sinaliza que tem interesse em diversificar a pauta exportadora, que é focada em commodities agrícolas e minerais e, nesse sentido, a viagem tem como objetivo ampliar a parceria para o processo de reindustrialização.

O governo brasileiro tem interesse em derrubar o embargo à carne bovina e diversificar a pauta comercial entre os dois países e focar mais em parcerias voltadas para a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento industrial e tecnológico, com foco na reindustrialização, uma das prioridades da agenda do novo governo, de acordo com o embaixador Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores (MRE).

Biden

Por ser uma visita de Estado, haverá muito mais pompa no encontro bilateral de Lula e Xi Jinping do que o ocorrido entre o presidente brasileiro e o chefe de Estado dos EUA, Joe Biden, em fevereiro. Saboia minimizou o problema de uma possível saia justa para o Brasil com os EUA durante a visita, uma vez que é "natural" os líderes se visitarem no cenário diplomático, com uma nova conjuntura da geopolítica global, com os Estados Unidos em guerra não declarada contra a Rússia e a China — que está em disputa com os EUA pela hegemonia global —, como bem escreveu em um artigo recente o ex-embaixador do Brasil em Londres e em Washington, Rubens Barbosa, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice).

A expectativa dessa terceira viagem de Lula ao gigante asiático, que é o maior parceiro comercial do Brasil desde 2009, deverá ser acompanhada de binóculos pelos Estados Unidos, na avaliação do presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Ele reconhece que, para o país, é importante não tomar partido entre os dois maiores parceiros comerciais.

"China e EUA estão em lados opostos, e, quando não se pode agradar os dois ao mesmo tempo, neste momento, quanto menos Lula falar, de forma assertiva, ele poderá evitar se arrepender no futuro. O mundo está em uma fase de transição e ficar em cima do muro pode ser cômodo, mas oferece riscos, porque será cobrado em algum momento", destaca.

Na avaliação do deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), presidente da Frente Parlamentar Brasil-China e Brics no Congresso, Lula deverá adotar um tom conciliador, a exemplo da viagem feita a Washington, no mês passado. "Lula tem sinalizado para nossos principais parceiros comerciais, os Estados Unidos e também para a China. Entendo que ele está tentando adotar um tom conciliador. Por mais que na questão geopolítica acabou declarando um apoio com a Ucrânia, ele sempre tenta chamar uma sinalização de paz em relação à Rússia", afirma.

Em relação às expectativas de acordos comerciais, Pinato as classifica como "as melhores possíveis". "Lula é jeitoso e não vai querer brigar com ninguém, vai tentar fazer a boa política, a boa vizinhança. O Brasil tem um leque de oportunidades desde frigoríficos, aumentar a exportação de soja, milho, novas tecnologias, investimentos estruturantes financiados por empresas chinesas, porto, aeroporto, ferrovias e muitas oportunidades", elogia.

O ex-embaixador Rubens Barbosa, por sua vez, considera que essa viagem de Lula é o desdobramento da diplomacia do novo governo, que deu prioridade ao Mercosul e ao Hemisfério Ocidental nos primeiros dias de governo e, agora, realiza a primeira visita fora da região.

"A primeira visita fora do hemisfério para o maior parceiro comercial, que é a China, é coerente com as prioridades do Brasil e das empresas brasileiras. A agenda do encontro é muito densa, mas a parceria estratégica entre os dois países desenvolveu mais o lado da China do que o do Brasil", destaca o diplomata, que critica a falta de uma estratégia do lado brasileiro, que precisa ser revista e ter um plano estratégico de crescimento bem elaborado. "Os chineses sabem bem o que eles querem. E o Brasil precisa definir melhor o que ele quer dessa parceria estratégica além da compra de minério e de produtos agrícolas", orienta.

A delegação que acompanhará Lula na viagem às cidades de Pequim e de Xangai é recorde, de acordo com o Itamaraty, que informa a confirmação de, pelo menos, 240 empresários viajando em direção à China. Na capital chinesa, após a visita oficial no dia 28, quando terá reuniões bilaterais com Xi Jinping, o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, e o presidente da Assembleia Popular Nacional, Zhao Leji, Lula participará de um seminário com cerca de 400 a 500 empresários chineses e brasileiros.

De acordo com o embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero, esse grande número de empresários na comitiva, mostra como os empresários estavam ávidos em participar desse tipo de evento internacional. "No governo Bolsonaro, ele quase não viajou. E os empresários estão com fome dos contatos e oportunidades que surgem nesse tipo de viagem, que teve mais tempo de ser organizada, do que as primeiras", explica ele, citando Argentina e Estados Unidos.

Contudo, Ricupero se mostra incrédulo de que a viagem renderá muitos frutos e investimentos, apesar de o Itamaraty afirmar que 20 acordos estão sendo fechados para assinatura durante a visita de Estado e o número pode aumentar. Ele lembra que, nas viagens anteriores, vários acordos foram anunciados e "nunca saíram do papel". Entre os anúncios esperados para a terceira visita de Lula à China está o investimento chinês na antiga montadora da Ford, em Camaçari, na Bahia, para a produção de carros elétricos. Mas, em viagens anteriores, chineses já anunciaram uma fábrica no Nordeste, mas o investimento não deslanchou.

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FRASE

Lula é jeitoso e não vai querer brigar com ninguém, vai tentar fazer a boa política, a boa vizinhança. O Brasil tem um leque de oportunidades"
Fausto Pinato (PP-SP), deputado federal

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