O relatório final da Polícia Federal sobre o uso ilegal da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) aponta que o esquema criminoso montado dentro do órgão, para espionar opositores e atacar o sistema eleitoral, foi liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e pelo filho dele, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). O ex-chefe do Executivo, porém, não foi indiciado porque é réu por organização criminosa no processo da trama golpista.
Segundo o documento, cujo sigilo foi derrubado, nesta quarta-feira, pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a atuação da chamada Abin paralela era liderada por "figuras de alto escalão" da gestão anterior — responsável por definir diretrizes de espionagem e ataques a opositores políticos.
A PF aponta que Carlos Bolsonaro, indiciado pela corporação, era o idealizador da inteligência clandestina no governo bolsonarista. Os investigadores afirmam que o vereador foi o beneficiário direto de informações coletadas por essa estrutura dentro da Abin. Ele e Jair Bolsonaro faziam parte do núcleo político do esquema, destinado a traçar as diretrizes estratégicas da organização e determinar alvos de ações ilegais contra adversários, instituições e o sistema eleitoral.
"A divisão de tarefas era nítida entre os agrupamentos identificados. O núcleo político, ápice estratégico da organização, era responsável por definir os alvos e as diretrizes das ações de espionagem, sendo o principal beneficiário das vantagens políticas auferidas", diz o documento da Polícia Federal.
Para executar essas ordens, o núcleo da estrutura paralela (comando de alta gestão) entrava em ação. Na outra ponta, o grupo de gestão era responsável por instrumentalizar o aparato da Abin, "gerenciando e operando ferramentas como o sistema First Mile para a vigilância ilegal". "Em coordenação, o núcleo dos vetores de produção e propagação de fake news recebia as informações obtidas clandestinamente e as utilizava para a produção e disseminação de desinformação em massa", aponta o relatório (veja arte abaixo).
Entre as evidências em relação à participação do ex-presidente, a PF afirma que em uma reunião em 2020, Bolsonaro afirmou que tinha um sistema paralelo de inteligência, bem como teria tentado trocar "gente da segurança nossa" no Rio de Janeiro. A frase indica uma tentativa de blindar o núcleo familiar.
Os investigadores também lembraram de campanhas de desinformação direcionadas às urnas eletrônicas — que teriam sido produzidas com recursos humanos, técnicos e financeiros da Abin. Conforme a PF, o ex-diretor-geral da instituição Alexandre Ramagem, atual deputado federal, seria o principal responsável por organizar o monitoramento.
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Ele foi definido no relatório como o chefe do "núcleo da estrutura paralela". "Integrantes deste núcleo atuavam em posições de alta gestão e/ou executavam diretamente as ações clandestinas, plenamente cientes de seu desvio de finalidade em benefício ao núcleo político", frisa o relatório.
"As condutas comissivas e omissivas impróprias daqueles que ocupavam funções e cargos de alta gestão na Abin deram causa para a execução de ações clandestinas de coleta de informações, produção de dossiês, vigilâncias ilegais e repasse de informações para outros núcleos. Esse núcleo, portanto, representa a instrumentalização do órgão de inteligência oficial para fins criminosos", escreve a corporação.
No inquérito, PF investigou o funcionamento de uma organização criminosa montada para monitorar indevidamente autoridades públicas e produzir notícias falsas usando a estrutura da Abin.
Policiais, servidores e funcionários do órgão invadiram celulares e computadores sem autorização judicial. Eles teriam usado o software First Mile para espionar desafetos do governo Bolsonaro.
Narrativa de fraude
Conforme a PF, a Abin paralela foi usada para promover ataques ao sistema eleitoral brasileiro, com o objetivo de fortalecer a narrativa de Bolsonaro sobre o risco de fraude nas urnas eletrônicas.
Os investigadores apontaram uso de drones em monitoramento em toda a Esplanada dos Ministérios. Segundo a corporação, houve "desvio de recursos humanos, financeiros e tecnológicos" para "fins estritamente políticos". "O ataque ao sistema eleitoral também contou com o produto da estrutura paralela, por exemplo, no uso de imagens de drones para fins políticos partidários, por exemplo, para defesa do voto impresso. Não somente de drones, mas, também, de câmeras instaladas em todos os ministérios", diz o documento.
A PF cita como exemplo drones da Abin usado em um ato pelo voto impresso no Ceará, em 2021. Para os agentes, os aparelhos foram utilizados no "acompanhamento de manifestações públicas para fins de pautas pessoais e ideologicamente direcionadas".
De acordo com o documento, o uso da Abin para o ataque às urnas eletrônicas foi uma das inúmeras ações direcionadas à obtenção de vantagens políticas para o governo Bolsonaro. "Os interlocutores demonstram ter a plena ciência das ações realizadas dentro da Abin relacionadas aos ataques às urnas eletrônicas, com o fito de garantir a obtenção de vantagens políticas à ORCRIM (organização criminosa), como estratagema para a permanência do núcleo político no poder".
Ao todo, foram indicadas 36 pessoas. A lista inclui o atual diretor-geral da agência, Luiz Fernando Corrêa, e outros membros da cúpula do órgão. Também foi indiciado o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), diretor da Abin na gestão Bolsonaro.
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