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Moraes impõe tornozeleira e restrições a Bolsonaro por risco de fuga e coerção

Determinação de Moraes vem depois de pedido da PF, com o endosso da PGR. Instituições veem conluio entre o ex-presidente e o filho 03, que atua junto ao governo Trump para influenciar na ação por tentativa de golpe de Estado

Moraes atendeu ao pedido da PF, endossado pela PGR, que viu risco de Bolsonaro fugir do Brasil para não ser preso, caso seja condenado -  (crédito: Fellipe Sampaio/SCO/STF)
Moraes atendeu ao pedido da PF, endossado pela PGR, que viu risco de Bolsonaro fugir do Brasil para não ser preso, caso seja condenado - (crédito: Fellipe Sampaio/SCO/STF)

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou, ontem, que Jair Bolsonaro utilize tornozeleira eletrônica para evitar que fuja do país, ante à possibilidade de prisão por chefiar a trama para dar um golpe de Estado no país. Para o magistrado, junto com o filho Eduardo, deputado federal licenciado e que está nos Estados Unidos, ambos têm agido junto ao governo de Donald Trump para coagir o STF a paralisar a ação criminal em que o ex-presidente é réu. A fuga do Brasil se daria por conta da eventualidade de ser condenado.

Daí porque a ordem de Moraes — que atende a pedido da Polícia Federal (PF), endossado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) — prevê que, além do uso de tornozeleira eletrônica, Bolsonaro está proibido de aproximar-se de embaixadas e consulados de países estrangeiros, além de não poder manter contatos com representantes diplomáticos ou qualquer autoridade estrangeira. Ele também não poderá encontrar-se com os demais réus do inquérito por golpe de Estado. Mais: o ex-presidente está impedido de falar, por qualquer meio, com o filho 03 e de utilizar redes sociais, diretamente ou via terceiros.

"A autoridade policial verificou o alinhamento das condutas delitivas entre Jair Messias Bolsonaro e Eduardo Nantes Bolsonaro, pois estão: “buscando criar entraves econômicos nas relações comerciais entre os Estados Unidos da América e o Brasil, a fim de obstar o regular prosseguimento da Ação Penal nº 2.668, em trâmite nesta Suprema Corte, que visa apurar a tentativa de golpe de Estado após as eleições presidenciais de 2022” (fls. 28, da Representação Policial)", diz a decisão de Moraes, em certo trecho.

Ao justificar a imposição de medidas cautelares a Bolsonaro, Moraes afirmou que o ex-presidente “confessou” o crime de extorsão contra Justiça brasileira ao associar fim do tarifaço imposto por Trump à anistia dos golpistas do 8 de janeiro de 2023 e também àqueles que estão respondendo à ação que corre no STF. Para o ministro, o ex-presidente pode ter cometido os crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação que envolve organização criminosa e atentado à soberania nacional.

"A conduta do réu Jair Messias Bolsonaro é tão grave e despudorada que na data de hoje (17/7/2025), em entrevista coletiva, sem qualquer respeito à soberania nacional do povo brasileiro, à Constituição Federal e à independência do Poder Judiciário, expressamente, confessou sua consciente e voluntária atuação criminosa na extorsão que se pretende contra a Justiça brasileira, condicionando o fim da “taxação/sanção” à sua própria anistia", salientou Moraes.

Atentado à soberania

De acordo com o ministro, Bolsonaro estimulou a atuação do governo norte-americano contra autoridades brasileiras, como parte de uma estratégia para pressionar o STF a obstruir o inquérito do golpe. O ministro disse que o ex-presidente e o filho cometem "atentados à soberania nacional" para interferir em processos judiciais, desestabilizar a economia e pressionar o Poder Judiciário, em especial o STF, tal como no trecho a seguir:

"A implementação do aumento de tarifas tem como finalidade a criação de uma grave crise econômica no Brasil, para gerar uma pressão política e social no Poder Judiciário e impactar as relações diplomáticas entre o Brasil os Estados Unidos da América, bem como na interferência no andamento da AP 2.668/DF — que se encontra em fase de alegações finais. As condutas de Eduardo Nantes Bolsonaro e Jair Messias Bolsonaro caracterizam claros e expressos atos executórios e flagrantes confissões da prática dos atos criminosos", anotou Moraes.

Para a PF, há indícios de que Bolsonaro estava planejando uma fuga para após a possível condenação, pelo STF, por tentativa de golpe de Estado. Daí porque a determinação de que o ex-presidente seja monitorado com uma tornozeleira e este impedido de manter contato com autoridades e representantes diplomáticos de outras nações, da mesma forma que está proibido de se aproximar de embaixadas e consulados. Em entrevista à CNN Brasil, na noite de ontem, Eduardo Bolsonaro negou que o governo Trump tenha feito qualquer oferecimento de asilo político ao seu pai ou que esteja havendo alguma intermediação entre o clã Bolsonaro e a Casa Branca para a concessão de amparo diplomático.

Segundo a PF, a suspeita de fuga de Bolsonaro em eventual condenação por golpe de Estado se justificaria por duas razões: 1) o próprio Bolsonaro anunciou que, na próxima semana, almoçaria com embaixadores, sem, porém, especificar de que nações seriam; e 2) no carnaval do ano passado, ele permaneceu dois dias na Embaixada da Hungria — país governado pelo governo de extrema-direita de Victor Órban — depois de ter o passaporte apreendido pela PF.

A decisão de Moraes pouco mais de 48 horas depois de a PGR ter pedido ao STF, nas alegações finais, a condenação de Bolsonaro ao STF por considerá-lo chefe da organização que buscou a ruptura do Estado Democrático de Direito depois da eleição presidencial de 2022. Para o procurador-geral Paulo Gonet, o ex-presidente está à frente do chamado Núcleo Central do golpe. Pelos crimes em que foi enquadrado — organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado —, Bolsonaro pode pegar mais de 40 anos de prisão. A Primeira Turma formou maioria respaldando a decisão de Moraes, em sessão que vai até as 23h59 de segunda-feira.

Amparo no CPP

Com a imposição das medidas cautelares a Bolsonaro, os aliados do ex-presidente acusaram Moraes de abuso de poder, perseguição política e afirmaram que o investigado já estaria “condenado à prisão”. No entanto, especialistas ouvidos pelo Correio explicam que as providências tomadas pela Corte estão previstas do Código de Processo Penal (CPP) e são aplicadas quando é colocada em risco a tramitação de uma ação. O ex-presidente terá de usar tornozeleira eletrônica; está proibido de comunicar-se com o filho, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, que está nos Estados Unidos; foi impedido de acessar as redes sociais; e não pode manter contato com representantes de outros países e de se aproximar das embaixadas e consulados.

A criminalista Beatriz Alaia Colin explica que a incomunicabilidade com determinadas pessoas tem previsão legal e pode ser decretada a qualquer investigado, dadas as circunstâncias relacionadas aos fatos sob apuração. “O fato de a incomunicabilidade envolver diplomatas decorre das condições específicas do caso pelo qual Bolsonaro está sendo investigado: a tentativa de obstrução de Justiça junto às autoridades estrangeiras”, observa.

O ex-presidente deverá cumprir as ordens de Moraes por tempo indeterminado. “Com as medidas cautelares, ele fica impedido de deixar a comarca sem autorização judicial, de comparecer a determinados locais e a se comunicar com pessoas específicas. Em eventual prisão preventiva convertida em domiciliar, ficaria impedido de transitar para qualquer local e de se comunicar com qualquer pessoa, exceto as autorizadas pelo magistrado”, ressalta o advogado Wilton Gomes.

Para a criminalista Ana Beatriz Krasovic, a restrição do ex-presidente de manter contato com embaixadores é uma novidade. “Sua aplicação ao ex-presidente é temerária nesse momento inicial. É drástica e abusiva, não prevista em nossa legislação, bem como jamais aplicada em casos que envolvam ex-presidentes”, argumenta.

 

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postado em 19/07/2025 03:55
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