O acordo fechado, domingo, entre os Estados Unidos e a União Europeia — que reduzirá de 30% para 15% as tarifas de importação do bloco a partir de sexta-feira — respingará no Brasil, que acreditava no fechamento de uma conexão direta entre a UE e o Mercosul como uma saída para os produtos brasileiros, taxados em 50% pelo governo de Washington. Especialistas ouvidos pelo Correio concordam que se trata de uma dificuldade, mas que não representa um isolamento capaz de derrubar a economia brasileira.
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Para a professora Lia Valls, que coordena o programa de pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), dois cenários devem ser analisados. O primeiro é se a UE resolver acelerar o acordo com o Mercosul para demonstrar que "não é submissa" aos interesses dos EUA. "E como eu (União Europeia) não sou submissa, estarei aberta às negociações com outros blocos e países", ilustrou.
O segundo cenário é que o acordo EUA-UE dificulte, ainda mais, as negociações entre Mercosul e União Europeia. "Os europeus estariam preocupados para acertar os detalhes deste acordo com os norte-americanos. Isso pode fazer com que a pauta do Mercosul caia ainda mais baixo nas prioridades dos europeus", cogitou.
O professor de Relações Internacionais do Instituto de Direito Público (IDP) Alexandre Andreatta avalia que o momento para o fechamento do acordo entre a UE e o Mercosul era mais "favorável" antes de os europeus se acertarem com os norte-americanos. "O cenário era mais favorável para que o acordo com o Mercosul fosse assinado a toque de caixa, já que havia necessidade do bloco em ampliar parcerias, acessar novos mercados estratégicos e diversificar parceiros. Agora, com o avanço do acordo EUA-UE, o efeito pode ser outro: setores como carne e etanol, que são relevantes para o Mercosul, passam a enfrentar concorrência direta dos EUA, que podem ter acesso facilitado ao mercado europeu. Isso tende a enfraquecer o peso político e econômico do nosso acordo e reduzir o espaço para concessões que, antes, pareciam mais viáveis", sintetizou.
Andreatta pondera, porém, que, comparado ao acordo entre Mercosul-UE, o acerto entre norte-americanos e europeus ainda está em fase embrionária. "O que foi fechado entre EUA e UE é só um framework (esboço), com muitos pontos ainda em negociação. O primeiro-ministro francês François Bayrou, por exemplo, disse que o acordo (com os EUA) é um ato de submissão", acrescentou.
O premiê, em seu perfil no X (antigo Twitter), afirmou: "É um dia sombrio quando uma aliança de povos livres, reunidos para afirmar seus valores comuns e defender seus interesses comuns, se resigna à submissão", criticou, classificando o tratado como o "acordo Von der Leyen-Trump" — em referência à presidente da Comissão Europeia.
Assim como Andreatta, Welber Barral, ex-secretário de Comércio Internacional no segundo mandato do presidente Lula e sócio-fundador da BMJ Consultoria, destacou que o caráter embrionário e as configurações comerciais do acordo entre EUA e UE não permite cogitar que prejudicaria a concretização do tratado entre Mercosul e UE.
"O acordo entre União Europeia e Estados Unidos é bem parcial. Ainda há muita coisa para ser definida. Eles só decidiram a redução de 30% para 15% a tarifa de exportação de produtos europeus para os EUA. Não necessariamente vai prejudicar o acordo com o Mercosul. Pelo contrário, pode até ajudar. Isso porque o tratado com o Mercosul será de livre-comércio e, com os EUA, será com a aplicação de tarifas em produtos", justificou.
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