
O Brasil foi desorganizado e precisou de uma gota da Lei Magnitsky pingada do norte para acordar alguns que dormiam em berço esplêndido, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e parlamentares — e até alguns do Supremo Tribunal Federal — para perceber que desandávamos por uma rampa escorregadia em direção a profundezas muito perigosas. Acabo de ouvir palestra de um brilhante constitucionalista a nos lembrar de Luís XVI, reagindo ao que pensava ser apenas revoltas. Mas quando percebeu a realidade, era a revolução, a cortar cabeças, inclusive a do rei. A gota do norte talvez nos tenha agitado a tempo, evitando algo bem pior que tempos de tirania ainda nas preliminares.
Fácil perceber que na base de tudo está o desrespeito à Constituição, dentro da qual há ordem, devido processo legal, democracia, respeito uns aos outros, separação de poderes, vedação à censura, livre expressão, juiz natural, ampla defesa, inviolabilidade de mandatos e, sobretudo, limites para o Estado, para que a nação possa ser livre e progredir. Fora dela, selvageria e tirania. O desrespeito à Constituição só se sustentou nesses anos pela omissão da mídia e a passividade da cidadania e do Parlamento. E se instalou ante o perjúrio dos que se comprometeram, solene e publicamente, guardar e defender a Lei Maior.
O julgamento da ex-presidente Dilma Rousseff foi o significativo começo disso. Lá, o presidente do Supremo, então o ministro Ricardo Lewandowski, permitiu, ou sugeriu, rasgar o parágrafo único do art. 52 e o Senado referendou. Juntos, traíram seus juramentos e a própria Constituição. Quem usou o verbo trair para eles foi o Doutor Ulysses Guimarães, no dia da promulgação. Triste profecia.
Passa a boiada
Passado aquele boi, passou a boiada. O Supremo criou o "inquérito do fim do mundo" sem Ministério Público e com ele agiu como vítima, polícia, promotor, juiz, executor. Foi uma caixa de Pandora. Fez censura e censura prévia, legislou e, enfim, foi desviado da guarda da Constituição e declarado tribunal político pelo seu próprio presidente Luís Roberto Barroso. Com isso, invadiu os outros poderes.
O ex-presidente Jair Bolsonaro foi impedido de escolher seu chefe da Polícia Federal. O Supremo chegou a determinar quantos gramas de droga a pessoa poderia carregar sem incorrer em crime. O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), cujo aumento foi declarado ilegal pela maioria do Congresso, foi ressuscitado como legal pelo ministro Alexandre Moraes. Como poder político, e não como juízes, ministros do STF passaram a dar entrevistas e expressar opiniões que antecipam sentenças.
O Congresso, casa política, encolheu-se, mal-conduzido. Não cumpriu nem sequer a obrigação de zelar pela sua competência, prevista no art. 49 da Constituição. Quando os limites do Estado de Direito foram rompidos, o Grande Irmão do Norte percebeu que iria se formar uma nova Venezuela e avisou: censores da expressão aqui não entram. E suspendeu vistos.
Depois, decidiu que quem fere direitos humanos básicos merece a Lei Magnitisky. Nem todos estão entendendo a magnitude. O Davi do Senado não parece disposto a discutir o impedimento do Golias. O amanhã é imprevisível. O Brasil já cruzou o Rubicão do império da lei e afunda nas areias movediças da outra margem, a do império do arbítrio, onde estão se perdendo segurança política, econômica, jurídica e diretos individuais básicos.
Saiba Mais
Política
Política
Política
Política