Análise

Alexandre Garcia: A crise

"Quando os limites do Estado de Direito foram rompidos, o Grande Irmão do Norte percebeu que iria se formar uma nova Venezuela e avisou: censores da expressão aqui não entram. E suspendeu vistos", diz o jornalista

 US President Donald Trump, alongside Secretary of Defense Pete Hegseth (L), speaks during a news conference to discuss crime in Washington, DC, in the Brady Press Briefing Room at the White House in Washington, DC, on August 11, 2025. President Donald Trump announced Monday that he was deploying National Guard troops and putting the Washington police force under federal control to tackle crime in the US capital. "This is Liberation Day in DC, and we're going to take our capital back," Trump said at a White House press conference. (Photo by ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP)
       -  (crédito:  AFP)
US President Donald Trump, alongside Secretary of Defense Pete Hegseth (L), speaks during a news conference to discuss crime in Washington, DC, in the Brady Press Briefing Room at the White House in Washington, DC, on August 11, 2025. President Donald Trump announced Monday that he was deploying National Guard troops and putting the Washington police force under federal control to tackle crime in the US capital. "This is Liberation Day in DC, and we're going to take our capital back," Trump said at a White House press conference. (Photo by ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP) - (crédito: AFP)

O Brasil foi desorganizado e precisou de uma gota da Lei Magnitsky pingada do norte para acordar alguns que dormiam em berço esplêndido, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e parlamentares — e até alguns do Supremo Tribunal Federal — para perceber que desandávamos por uma rampa escorregadia em direção a profundezas muito perigosas. Acabo de ouvir palestra de um brilhante constitucionalista a nos lembrar de Luís XVI, reagindo ao que pensava ser apenas revoltas. Mas quando percebeu a realidade, era a revolução, a cortar cabeças, inclusive a do rei. A gota do norte talvez nos tenha agitado a tempo, evitando algo bem pior que tempos de tirania ainda nas preliminares.

Fácil perceber que na base de tudo está o desrespeito à Constituição, dentro da qual há ordem, devido processo legal, democracia, respeito uns aos outros, separação de poderes, vedação à censura, livre expressão, juiz natural, ampla defesa, inviolabilidade de mandatos e, sobretudo, limites para o Estado, para que a nação possa ser livre e progredir. Fora dela, selvageria e tirania. O desrespeito à Constituição só se sustentou nesses anos pela omissão da mídia e a passividade da cidadania e do Parlamento. E se instalou ante o perjúrio dos que se comprometeram, solene e publicamente, guardar e defender a Lei Maior.

O julgamento da ex-presidente Dilma Rousseff foi o significativo começo disso. Lá, o presidente do Supremo, então o ministro Ricardo Lewandowski, permitiu, ou sugeriu, rasgar o parágrafo único do art. 52 e o Senado referendou. Juntos, traíram seus juramentos e a própria Constituição. Quem usou o verbo trair para eles foi o Doutor Ulysses Guimarães, no dia da promulgação. Triste profecia.

Passa a boiada

Passado aquele boi, passou a boiada. O Supremo criou o "inquérito do fim do mundo" sem Ministério Público e com ele agiu como vítima, polícia, promotor, juiz, executor. Foi uma caixa de Pandora. Fez censura e censura prévia, legislou e, enfim, foi desviado da guarda da Constituição e declarado tribunal político pelo seu próprio presidente Luís Roberto Barroso. Com isso, invadiu os outros poderes.

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi impedido de escolher seu chefe da Polícia Federal. O Supremo chegou a determinar quantos gramas de droga a pessoa poderia carregar sem incorrer em crime. O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), cujo aumento foi declarado ilegal pela maioria do Congresso, foi ressuscitado como legal pelo ministro Alexandre Moraes. Como poder político, e não como juízes, ministros do STF passaram a dar entrevistas e expressar opiniões que antecipam sentenças.

O Congresso, casa política, encolheu-se, mal-conduzido. Não cumpriu nem sequer a obrigação de zelar pela sua competência, prevista no art. 49 da Constituição. Quando os limites do Estado de Direito foram rompidos, o Grande Irmão do Norte percebeu que iria se formar uma nova Venezuela e avisou: censores da expressão aqui não entram. E suspendeu vistos.

Depois, decidiu que quem fere direitos humanos básicos merece a Lei Magnitisky. Nem todos estão entendendo a magnitude. O Davi do Senado não parece disposto a discutir o impedimento do Golias. O amanhã é imprevisível. O Brasil já cruzou o Rubicão do império da lei e afunda nas areias movediças da outra margem, a do império do arbítrio, onde estão se perdendo segurança política, econômica, jurídica e diretos individuais básicos.

 

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postado em 13/08/2025 03:55
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