
Daqui a dois dias, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) dará início ao julgamento do "núcleo crucial" da ação penal que investiga a tentativa de golpe de Estado em 2022. No centro do processo, está o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em prisão domiciliar desde 4 de agosto, ao lado de outros sete aliados acusados de participar de um plano para romper a ordem democrática.
O julgamento será conduzido em sessões extraordinárias. A análise marca a fase final do processo, quando os ministros deverão decidir se condenam ou absolvem os acusados, entre eles ex-ministros e militares de alta patente, como Walter Braga Netto, Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Almir Garnier. A responsabilidade pela análise recai sobre os magistrados da Primeira Turma: Cristiano Zanin (presidente), Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Flávio Dino e Cármen Lúcia.
A primeira sessão começará com a leitura do relatório de Alexandre de Moraes, que retomará todas as provas reunidas durante a investigação. Em seguida, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, fará a sustentação oral. As defesas apresentarão seus argumentos logo depois, com a fala inicial do tenente-coronel Mauro Cid, delator do caso.
Encerrada essa etapa, Moraes abrirá a votação com seu voto. Os demais ministros também deverão se manifestar sobre a condenação ou absolvição dos réus e, em caso de condenação, sobre as penas. A depender da decisão, Bolsonaro poderá enfrentar uma pena superior a 40 anos de prisão.
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O processo acusa os investigados de integrar uma organização criminosa com o objetivo de manter o ex-presidente no poder após as eleições de 2022. Caso as condenações sejam confirmadas, caberá ainda a definição das penas. As defesas poderão recorrer, mas, se não houver recursos — ou após o julgamento desses —, o trânsito em julgado será declarado e as sentenças começarão a ser cumpridas.
Rumos do julgamento
Especialistas ouvidos pelo Correio apontam que, embora o julgamento tenha sessões já marcadas, não há garantia de que seja concluído ainda neste ano. O advogado penal e constitucional Ilmar Muniz explica que a principal variável é o pedido de vista, recurso que suspende a análise para que um ministro estude o caso com mais profundidade. "Se nenhum ministro pedir vista, a decisão pode sair em setembro. Se houver, o prazo regimental é de até 90 dias, prorrogáveis por mais 30. Isso empurra facilmente o julgamento para 2026, após o recesso do Judiciário", observa.
Outro fator que pode adiar o desfecho do ex-presidente Jair Bolsonaro são os embargos de declaração, recursos usados para questionar eventuais omissões ou contradições da decisão. Embora não sirvam para rediscutir o mérito, podem prolongar o trânsito em julgado por meses. "É comum que defesas usem esses mecanismos como estratégia de protelação", explica o jurista.
Ainda de acordo com ele, mesmo que condenado, Bolsonaro terá espaço para recorrer dentro do próprio Supremo. Além dos embargos de declaração, existe a possibilidade de embargos infringentes, cabíveis quando a decisão não é unânime. "Esse recurso busca reabrir a discussão com base no voto minoritário, o que pode atrasar bastante o desfecho", comenta Muniz.
A defesa também poderá alegar nulidades processuais ou questionar a competência da Primeira Turma, tentando levar o caso ao plenário do STF. Embora essas estratégias sejam legítimas, o uso reiterado e sem fundamento pode ser caracterizado como abuso de direito.
Prisão especial
Caso condenado, Bolsonaro não terá direito à prisão especial por ser ex-presidente, mas, sim, por sua condição de ex-militar. O benefício, no entanto, é temporário: só vale até o trânsito em julgado. "Depois da condenação definitiva, cumpre-se pena em regime comum", frisa Muniz.
Na prática, a prisão especial não significa privilégios ou conforto, mas a separação de outros presos. Em casos de alta repercussão, como foi o do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, encarcerado em 2018, autoridades podem adotar acomodações diferenciadas por segurança, mas não há previsão legal de regalias.
O tempo do julgamento também é fator político. Se estendido até 2026, Jair Bolsonaro pode explorar a narrativa de vítima de perseguição judicial em pleno ano eleitoral. Para os demais réus, a demora significa prolongar a incerteza quanto à carreira política e ao futuro penal.
O Supremo tem buscado acelerar julgamentos de grande repercussão para evitar prescrição e dar respostas rápidas à sociedade. Mas o peso político do processo contra um ex-presidente torna inevitável a leitura de que o calendário do julgamento pode influenciar e ser influenciado pelo contexto eleitoral.
Como resume o advogado Ilmar Muniz, o tribunal está diante de um caso sem precedentes: julgar um ex-presidente por tentativa de golpe. "A Corte terá de equilibrar técnica jurídica, responsabilidade institucional e sensibilidade política", afirma. "O tempo, neste processo, é tão decisivo quanto o mérito", emenda.
Saiba Mais
Alícia Bernardes
Alícia Bernardes é graduanda de Jornalismo e Comércio Exterior pela UDF. Integrante da Women Inside Trade (WIT), iniciativa que promove a participação feminina no comércio internacional, já estagiou no Poder360, atuando na produção das newsletters do jorn
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