Justiça

Anistia de 1979 não se compara à proposta bolsonarista, avalia pesquisador

Bolsonaro e aliados do núcleo principal da tentativa de golpe foram condenados pelo STF. Oposição articula "anistia ampla" para "pacificar" o país

A discussão sobre uma possível anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, incluindo o "núcleo principal" da tentativa de golpe de Estado, reacendeu o debate sobre o papel da anistia na história política do Brasil. Nesta quinta-feira (11/9), Jair Bolsonaro e sete aliados foram condenados pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-presidente recebeu pena de 27 anos e três meses de prisão em regime inicial fechado. 

Para Para o pesquisador Lucas Sousa Gomes, mestrando em direito na Universidade de Brasília (UnB) e integrante do grupo de pesquisa Percursos, Narrativas e Fragmentos, a proposta defendida pela oposição é semelhante à anistias já concedidas no país.

“O termo anistia possui múltiplos significados e tem sido objeto de disputas políticas ao longo do tempo”, afirma o pesquisador. Segundo ele, a anistia pode representar tanto um instrumento de reparação quanto um mecanismo de esquecimento, este último, segundo ele, questionável do ponto de vista jurídico.


Gomes lembra que o Brasil tem uma longa tradição de anistias, com mais de 50 concessões desde o período imperial. Muitas delas ocorreram em contextos de revoltas, insurreições e transições de poder. “Durante o governo de Getúlio Vargas, por exemplo, houve uma intensa produção de anistias, algumas delas para movimentos sediciosos ou crimes eleitorais. É uma prática enraizada em momentos de instabilidade”, explica.

A anistia de 1979: entre a reparação e o pacto militar

A aA anistia de 1979, no fim da ditadura militar, é frequentemente citada como marco histórico. No entanto, Gomes destaca que ela foi resultado de uma disputa entre dois projetos políticos distintos. “Setores da sociedade civil, igrejas e sindicatos pressionavam por uma anistia com caráter de reparação, para reconhecer os exilados e vítimas da repressão. Mas os militares queriam controlar essa transição, e foi o que fizeram”, afirma.


O resultado foi uma anistia ampla, mas também controversa. “Ela não só anistiou os perseguidos políticos, como também os militares que cometeram graves violações de direitos humanos. Foi vendida como um pacto de pacificação nacional, mas deixou feridas abertas, inclusive com familiares de desaparecidos até hoje sem respostas.”

Atualmente, parlamentares bolsonaristas defendem uma proposta inspirada na de 1979, uma "anistia ampla" que contemple até mesmo Jair Bolsonaro. Uma minuta do novo texto de anistia circulou no Congresso Nacional na última semana. A proposta abria espaço para quem atentou contra as instituições democráticas desde 14 de março de 2019.


É perfeitamente possível fazer paralelos entre a proposta de 2025 e a anistia de 1979, segundo Lucas Sousa. “Assim como a anistia de 1979 anistiou os envolvidos no Golpe que se iniciou em 1964, a anistia que pretendem aprovar também tem essa característica. Ou seja, é uma espécie de autoanistia”. Lucas destaca que, pela primeira vez na história do Brasil, militares de alta patente estão sendo responsabilizados por tentativa de golpe. “É um avanço institucional inédito. O Supremo Tribunal Federal rompe com a tradição de impunidade e responde ativamente a uma ameaça real à democracia.”

Para o pesquisador, a proposta de anistia defendida por aliados de Bolsonaro rompe com o histórico brasileiro. “Ela se assemelha a outros dois episódios da história: a anistia de 1956, após uma tentativa de golpe contra o presidente Juscelino Kubitschek, e a de 1961, durante a crise da renúncia de Jânio Quadros. Em ambos os casos, a anistia foi usada para apagar crimes contra a ordem constitucional.”

Do ponto de vista jurídico, a Constituição de 1988 prevê que o Congresso Nacional pode aprovar leis de anistia. No entanto, o pesquisador questiona a legitimidade política de uma eventual aprovação neste momento tão essencial da história brasileira. “Seria justo? Seria razoável, à luz da história e da Constituição, ignorar crimes graves por conveniência política?”. “O 8 de janeiro foi uma tentativa clara e articulada de ruptura institucional. Tratar isso como um episódio menor, passível de perdão político, é perigosíssimo”, finaliza o pesquisador.

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