
Apontada como uma resposta rápida à violência urbana, o emprego das Forças Armadas, por meio da decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), voltou aos debates públicos após a megaoperação da polícia no Rio de Janeiro, que resultou em 121 mortos nos complexos do Alemão e da Penha. Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, a medida é ineficaz e pode dar continuidade a um modelo de segurança pública militarizado e letal. Eles também criticam a outra alternativa levada ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a possibilidade de uma intervenção federal.
Para o advogado constitucionalista Beethoven Andrade, o histórico operacional das GLOs, desde 1992, evidencia a sua ineficiência a longo prazo e o agravamento da violência. "As propostas de solução devem concentrar-se em reformas estruturais;a eventual desmilitarização das forças policiais; ações de inteligência contínuas e eficazes para descapitalizar as facções; e a promoção de investimentos em políticas sociais e de direitos humanos", afirma.
Segundo o jurista, a GLO apresenta limitações em relação à sua natureza e duração, além de ser operacionalmente restrita. A ação deve ser excepcional, circunscrita a uma área previamente estabelecida e por tempo limitado. Em decorrência de sua natureza extrema e subsidiária, os efeitos são pontuais e provisórios — não abordando as causas estruturais da violência, o que implica esgotamento da capacidade repressiva. Um dos requisitos para a decretação é o reconhecimento, por parte dos governadores, da falência dos órgãos de segurança.
"O reconhecimento formal do esgotamento dos órgãos de segurança pública (OSP) acarreta consequências profundamente negativas para a estrutura estatal em múltiplos níveis, uma vez que fomenta o desvio constitucional da função precípua das Forças Armadas, bem como naturaliza uma medida de exceção, reforçando o autoritarismo e a tutela militar sobre a sociedade civil, perpetuando, assim, o Estado Penal e a violência estrutural", avalia Andrade.
Segundo o documento de diretrizes de atuação da GLO, publicado em 2014 pelo Ministério da Defesa, após a decretação, os planejamentos, deverão ser elaborados no contexto da Segurança Integrada, podendo ser prevista a participação do Poder Judiciário, do Ministério Público e de órgãos de segurança pública. Outras instituições e agências, de níveis federal, estaduais e municipais também poderão fazer parte.
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Momentos críticos
Nesta semana, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, afirmou que o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), descartou o uso da GLO para solucionar a crise. O chefe da pasta e a comitiva do Escritório Emergencial de Combate ao Crime Organizado participaram de uma reunião no Palácio Guanabara com a gestão local para debater medidas sobre o enfrentamento a facções no Rio de Janeiro.
O especialista em segurança pública Fagner Dias, professor do Ibmec, aponta que a GLO pode ser importante em momentos críticos, quando há necessidade urgente de retomar o controle de áreas completamente dominadas por facções criminosas, mas faz ponderações sobre o uso.
"Nessas situações, o emprego das Forças Armadas pode ser útil como ação de choque, gerando impacto imediato e criando uma 'janela de oportunidade' para a entrada do Estado. O problema é que, sem continuidade, essa janela se fecha rapidamente", frisa. "Se o governo não atua logo em seguida, com políticas públicas, programas sociais e presença institucional consistente, a GLO se torna um gesto simbólico, com efeitos limitados e passageiros."
Dias explica que as Forças Armadas têm treinamento voltado para o combate militar, e não para a segurança pública. "Colocar tropas do Exército nas favelas sem preparo específico para lidar com populações civis em áreas vulneráveis aumenta o risco de confrontos mal conduzidos, abusos e desgaste institucional", argumenta. "O histórico no Rio de Janeiro é claro: as GLOs anteriores mostraram que, sozinhas, elas não enfraquecem o crime organizado, apenas empurram o problema para outro lugar ou adiam o retorno da violência", acrescenta.
Na avaliação do advogado constitucionalista Alex Valadares, a solução para o caos no Rio é mais complexa. "As barricadas são um problema muito maior do que parecem, pois em muitos casos o que se vê são verdadeiras obras de engenharia com concreto e barreiras construídas com a finalidade de delimitação de território, como se fossem feudos sob comando do crime organizado. A droga não é o único produto. O crime explora o gás, o transporte, a internet e vários outros serviços na zona de influência", diz.
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