
A megaoperação policial que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro reacendeu o debate sobre os limites da força e a ausência do Estado em comunidades dominadas pelo crime organizado. Para o sociólogo Arthur Trindade, professor de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o modelo atual, centrado em confrontos armados, está esgotado e produz apenas resultados passageiros.
“Essas operações acontecem há mais de quatro décadas e seguem a mesma lógica: a polícia entra, troca tiros e sai, deixando o território exatamente como estava”, afirmou em entrevista aos jornalistas Carlos Alexandre de Souza e Sibele Negromonte, no programa CB.Poder, parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília.
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Segundo o especialista, mesmo ações consideradas bem-sucedidas, por não resultarem em mortes de civis, não mudam o cenário. “O que transforma de verdade é a presença permanente do Estado, não a intensidade dos tiroteios”, destacou.
Assista ao programa na íntegra:
Trindade defende ainda que a retomada de territórios passa necessariamente pela urbanização das favelas. Ele explica que as condições físicas desses locais dificultam o trabalho das forças de segurança e favorecem o domínio de facções. “As vielas e becos impedem o patrulhamento e tornam as operações mais arriscadas. Onde há ruas, comércio e serviços públicos, há Estado. Onde só há precariedade, o poder é paralelo”, afirmou.
Na visão do especialista, a crise da segurança no Rio não é apenas resultado da criminalidade, mas também de falhas dentro das instituições. Ele critica a corrupção e o envolvimento de agentes públicos com milícias e grupos criminosos. “O Rio tem uma das polícias mais corrompidas do país. Há vínculos históricos entre policiais e o crime organizado, e isso inviabiliza qualquer tentativa de integração. Antes de qualquer reforma, é preciso limpar as corporações”, disse.
O sociólogo também cobra investimento em investigação e tecnologia para substituir a lógica do confronto armado. “O Brasil ainda acredita que segurança se faz com armas e caveirões. O crime organizado usa drones, radiocomunicação e uma estrutura logística complexa. Não se enfrenta isso com força bruta, mas com inteligência e coordenação”, avaliou.
Arthur Trindade considera a proposta de emenda à Constituição da Segurança Pública um passo importante para corrigir lacunas no sistema. A medida pretende integrar informações e padronizar procedimentos entre União, estados e municípios. “Hoje há um apagão de dados. Cada estado trabalha de forma isolada, e o resultado é a fragmentação. A PEC cria uma base legal para o Sistema Único de Segurança Pública funcionar de fato”, explicou.
Apesar disso, o especialista reconhece a resistência política à proposta. “Os governadores temem perder autonomia, mas todos enfrentam falta de efetivo e de recursos. Essa resistência é mais política do que técnica. Nenhum estado consegue combater o crime sozinho”, afirmou.
Ao comparar o Brasil com modelos internacionais, Trindade cita exemplos de integração que deram certo. “O Canadá tem uma polícia nacional respeitada e próxima da população. Nos Estados Unidos, o FBI coordena centros de inteligência com acesso a dados de todo o país. A Alemanha também tem uma estrutura federativa, mas opera com base em uma lei nacional que define responsabilidades e padrões. O Brasil precisa aprender a coordenar sem centralizar”, observou.
Para o professor da UnB, insistir em operações espetaculares é repetir o mesmo erro de décadas. “A crença de que mais armas e mais mortos significam mais segurança é um equívoco. O país precisa de políticas urbanas, presença do Estado e integração entre as forças. Sem isso, continuaremos assistindo ao mesmo ciclo: confrontos, mortes e nenhum avanço real”, concluiu.
*Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro

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