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PL da Dosimetria: menos tempo para Bolsonaro no regime fechado

Pela lei vigente, ex-presidente deixaria a prisão apenas em 2033, beneficiado pela progressão de regime. Mas, caso a redação seja alterada pelo substitutivo aprovado na Câmara, pode sair antes da eleição de 2030

Caso passe realmente a vigorar, efeitos do PL da Dosimetria teriam de ser analisados pelo Supremo Tribunal Federal -  (crédito: Sérgio Lima/AFP)
Caso passe realmente a vigorar, efeitos do PL da Dosimetria teriam de ser analisados pelo Supremo Tribunal Federal - (crédito: Sérgio Lima/AFP)

O ponto crucial do PL da Dosimetria, aprovado na madrugada de ontem, na Câmara dos Deputados, é a possibilidade de o ex-presidente Jair Bolsonaro não apenas ter a pena reduzida, mas, por conta disso, passar um tempo menor em regime fechado. Pela regra atual, o tempo que ele deve cumprir para passar ao semiaberto é estimado entre seis anos e 10 meses a pouco mais de oito anos. Isso quer dizer que ele poderá cumprir o restante da pena em casa depois da eleição de 2030, um a vez que a data para que possa solicitar a progressão de regime semiaberto é estimada para 23 de abril de 2033.

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Pela redação do PL, todos esses cálciulos podem mudar em benefício do ex-presidente. Um dos itens do substitutivo prevê que os crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, quando praticados no mesmo contexto, não sejam somados (concurso material). Seriam tratados sob o concurso formal próprio — quando um mesmo criminoso comete dois ou mais crimes, iguais ou diferentes, sem que houvesse a intenção inicial de cometer todos eles. Segundo o projeto de lei, passaria a prevalecer apenas a pena mais grave, que é a tentativa de golpe (de quatro a 12 anos de reclusão).

Para o ex-presidente, essa alteração poderia resultar em uma pena total projetada de 22 anos e um mês de prisão — o Supremo Tribunal Federal (STF) a definiu em 27 anos e três meses. O tempo que ele precisaria cumprir em regime fechado para progredir a pena cairia para até dois anos e quatro meses, caso ele trabalhe e estude na prisão, segundo estimativas do relator da proposta na Câmara, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP). O PL da Dosimetria opera através de duas mudanças legais principais que, por se tratarem de lei penal mais benéfica, retroagem para ajudar os condenados.

A advogada Letícia Lacerda, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), explica que essa consolidação do concurso formal — e não material — entre os delitos altera a forma significativa das penas anteriormente fixadas e tem impacto direto sobre o conjunto das dosimetrias aplicadas. O projeto também ameniza as regras de progressão do regime fechado para o semiaberto. Atualmente, a lei exige que condenados por crimes contra o Estado Democrático de Direito cumpram 25% da pena para progredir, ou até um quarto.

Porém, o PL altera a Lei de Execução Penal para fazer valer a progressão após o cumprimento de apenas 16% da pena em regime fechado para réus primários em crimes que não sejam contra a vida ou o patrimônio com violência ou grave ameaça. Isso permitiria que a saída da reclusão ocorresse após o cumprimento de um sexto da pena — para reincidentes, o índice cai de 30% para 20%. O texto também estabelece que o trabalho ou estudo do detento em prisão domiciliar pode ser contabilizado para redução da pena.

Somado a isso, a proposta prevê uma redução de pena de um terço para crimes praticados em contexto de multidão. Contudo, essa diminuição só é aplicável se o agente não tiver praticado ato de financiamento ou exercido papel de liderança, o que pesa contra Bolsonaro e os outros réus do chamado Núcleo Crucial — eles foram condenados justamente por liderar uma organização criminosa e considerados pelo STF líderes da trama golpista.

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De volta ao STF

Para os condenados com execução penal já iniciada, como o núcleo composto por Bolsonaro e outros sete réus, o dever da aplicação e recálculo da pena será do juízo da exceção. Letícia Lacerda explica que, em tese, isso não deveria levar a uma reavaliação qualitativa das circunstâncias judiciais, mas sim a uma "revisão aritmética".

"O PL da Dosimetria introduz elementos que podem gerar dúvidas interpretativas, como a consideração sobre eventual 'liderança' para fins de redução de pena em situações envolvendo 'multidão', ou as exceções à fração de 1/6 para progressão de regime. Esses pontos certamente chegarão ao STF, que terá de definir como enquadrar decisões já transitadas em julgado aos contornos normativos da nova lei, de modo a permitir a chamada 'revisão aritmética'", explicou Letícia.

O secretário Nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marivaldo Pereira, criticou essa cláusula, durante o debate Desafios 2026: democracia, desenvolvimento e justiça social no Brasil contemporâneo, realizado pelo Correio Braziliense. Afirmou que a redução de punição nesses casos ameaça a democracia e "contrata um novo 8 de janeiro".

"Essa proposta prevê redução de um terço a dois terços para crimes como tentativa de golpe de Estado ou abolição do Estado Democrático de Direito, quando praticados em contexto de multidão. Isso não beneficia apenas o passado. Sinaliza uma redução futura e coloca em risco nossa democracia", advertiu.

 

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postado em 11/12/2025 03:55
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