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'Se tivessem dado golpe, eu estaria na prisão', diz Cármen Lúcia

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo, reafirma importância do julgamento da tentativa de golpe e alerta para os riscos à ordem democrática. No Congresso, cresce a pressão pela anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023

Em meio à discussão sobre a votação de um projeto de anistia ou dosimetrias das penas no Congresso, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, saiu em defesa da democracia e do julgamento da tentativa de golpe de Estado. Durante evento literário no Rio de Janeiro, a ministra comparou a ditadura com uma erva daninha. "A erva daninha da ditadura, quando não é cuidada e retirada, toma conta do ambiente. Ela surge do nada. Para a gente fazer florescer uma democracia na vida da gente, no espaço da gente, é preciso construir e trabalhar todo o dia por ela", afirmou.

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Cármen Lúcia também defendeu o julgamento que teve o processo contra o núcleo crucial concluído na semana passada. "A primeira vítima de qualquer ditadura é a Constituição. Outro dia alguém me perguntou por que julgar uma tentativa de golpe, se foi apenas tentativa. Meu filho, se tivessem dado golpe, eu estava na prisão, não poderia nem estar aqui julgando", pontuou.

A ministra também citou os documentos sobre o plano Punhal Verde e Amarelo, que consistia no assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e do relator da ação penal no STF, Alexandre de Moraes. "Nesses julgamentos que estamos fazendo no curso deste ano, estava documentado em palavras a tentativa de 'neutralizar' alguns ministros do Supremo. E como eu falei em um dos votos, neutralizar não era harmonizar o rosto, para impedir que apareçam as rugas. Neutralizar é nem poder ter rugas, porque mata a pessoa antes, ainda jovem", ressaltou. 

Articulação bolsonarista

Com a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro e o distanciamento entre o Palácio do Planalto com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), devido à indicação de Jorge Messias para o cargo de ministro do STF, congressistas bolsonaristas ampliaram a pressão para pautar a anistia aos condenados nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Ainda sem texto, a oposição tem articulado apoio e há previsão de que a proposta consiga ser votada amanhã na Câmara. 

O líder do PL na Câmara dos Deputados, Sóstenes Cavalcante (RJ), declarou que tem se reunido com parlamentares, com Alcolumbre e com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para conseguir pautar a anistia. "Nós ainda não decidimos (o texto que será votado). O procedimento são diálogos que estão acontecendo duas, três vezes ao dia. Isso vai acontecer até segunda-feira, e a gente espera dar uma boa notícia ao Brasil, que finalmente na terça vem a pauta e a gente vence essa matéria", disse.

Contudo, o texto dos sonhos do PL tem enfrentado resistência com o Centrão. Os líderes estão divididos, e quem apoia ressalva que é preciso conversar e negociar bem o texto antes da votação. Atualmente, o projeto que está em discussão é o PL da Dosimetria, de relatoria do deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP). O relator quer perdoar todos os manifestantes de 8 de janeiro. Já para os ex-integrantes do governo condenados por atentar contra o Estado Democrático de Direito haverá redução de penas. Entretanto, o relator diz que não há data para apresentar o relatório nem acordo com o PL. "Ouvi as sugestões, mas sigo trabalhando no texto. Não há acordo. E reitero: anistia ampla não será pautada", afirmou.

Briga de forças

A demora da Câmara em votar a anistia levou senadores aliados do ex-presidente a articularem um projeto dentro do Senado. O rompimento entre Lula e Alcolumbre também foi visto como oportunidade. De acordo com Sóstenes, outros integrantes da oposição, como Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o líder Rogério Marinho (PL-RN), estão negociando com outros parlamentares e os presidentes das Casas para votar o texto o mais rápido possível. Flávio disse que seu pai pediu que ele buscasse apoio de Motta e Alcolumbre, enquanto o PL formalizou uma nova ofensiva para retomar a tramitação.

"A anistia vai vir ou de lá (Senado) ou o nosso daqui, não sei. Estamos discutindo ainda, não abrimos mão ainda de apresentar o destaque de preferência, que é o nosso texto, que é o nosso sonho. O nosso ideal é apresentar o destaque de preferência e aí a Câmara delibera. Se a maioria tiver, vai pro Senado o texto dos nossos sonhos, que é a anistia dos fatos de 2019 até agora", explicou Cavalcante. 

O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), disse ao Correio que pautar a anistia após a decisão do STF "seria interferência do Legislativo em uma decisão que já transitou em julgado". Segundo ele, "há generais presos, há um ex-presidente preso, e qualquer tentativa de reversão colocaria o Parlamento em crise institucional". O deputado afirmou que o partido vai adotar fechamento de questão caso a proposta avance. 

Além disso, Lindbergh defende que a mesa da Câmara declare a cassação do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), condenado por tentativa de golpe, e disse que "a decisão do STF é clara, há suspensão de direitos políticos e não cabe enviar o caso à CCJ". Sobre a deputada Carla Zambelli (PL-SP), Farias complementa que "o procedimento deve ser o mesmo", e destaca que manter parlamentares condenados e foragidos "é incompatível com o funcionamento da Casa". 

* Estagiárias sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza

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