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Um guia dos vinhedos de Brasília para todo apreciador de vinho conhecer

Com clima favorável para o cultivo de uvas viníferas, já é possível brindar com rótulos 100% candangos. Conheça produtores da capital que apostam no enoturismo e propriedades que valem a visita

Giovanna Fischborn
postado em 25/09/2022 07:17
 (crédito:  Ed Alves/CB)
(crédito: Ed Alves/CB)

Alguns países como França, Itália e Espanha têm tradição secular no cultivo de uvas e fabricação de vinhos. No Brasil, a Serra Gaúcha é precursora da vitivinicultura. O que poucos sabem é que o Distrito Federal também tem potencial. Por causa da amplitude entre altas e baixas temperaturas, o centro do país é propício para a prática.

Neste momento, produtores pioneiros escrevem a história dos rótulos locais, para a alegria de apreciadores e de turistas. Do centro da capital até a região do Entorno, as videiras enchem os olhos e a bebida agrada o paladar. O vinho já é orgulho brasiliense.

Área urbana

Bonitas parreiras cobrem uma propriedade de dois hectares no Lago Norte, com mirante que dá para toda a cidade. É o charmoso vinhedo Lacustre. Há 11 anos, Odelmo de Gregorio, 82, começou a cultivar no DF uvas de mesa para produzir um vinho como o das colônias italianas — rústico, de "garrafão".

Em 2021, o filho dele, Marcos Ritter, 42, assumiu a plantação e carregou consigo toda essa dedicação. Diante de tanto potencial, decidiu transformar o projeto, iniciado despretensiosamente, em negócio. "Temos uma boa estrutura, estamos melhorando a bebida e propondo experiências. Por causa da proximidade geográfica com o centro de Brasília, recebemos muita gente daqui, além dos que vêm de outros estados, já interessados em conhecer o que temos a oferecer", conta Marcos.

Aos sábados, acontecem piqueniques na parte plana da plantação. O visitante pode desfrutar de espumante, suco de uva, focaccia, bolo, frios e geleia. Domingo é dia de degustação — queijos, pães, azeites e um lindo pôr do sol harmonizam com vinhos da casa. A proposta é receber grupos pequenos. Tudo mediante agendamento.

No Lacustre, são cultivadas mais de dez castas. Entre muitos experimentos, as que mais vingaram foram syrah (ou shiraz), cabernet sauvignon, merlot e a diferente pinot hermitage. O merlot é o único produzido no DF. O vinhedo é responsável também pelo primeiro espumante feito aqui, um tinto método tradicional, o que quer dizer que passou por duas fermentações.

Uma caminhada pela lavoura mostra uvas conduzidas em manjedoura (também chamada de latada), quando a planta se esparrama no sentido horizontal. O método é menos comum quando o assunto são vinhos finos, por isso, passou por alguns ajustes para dar certo. "Falar de vinhos na região ainda é algo muito novo. Diria que estamos escrevendo uma história. Tocamos um 'laboratório experimental'", acredita.

Apesar de a ideia ganhar força, Marcos não abandonou a profissão de formação e segue atuando como arquiteto. Afinal, a vitivinicultura requer atenção, capricho e paciência. O vinho demora de seis meses a um ano depois da vindima (colheita) para ser engarrafado. "Um vinho de qualidade espera ainda mais tempo para ser degustado", acrescenta.

Quem orienta a produção por lá é o enólogo Carlos Sanabria, 32 anos. Uma parceria com o Lacustre que já totaliza dois anos. Ele veio de Bento Gonçalves (RS), conhecida como "a capital brasileira do vinho", interessado pela possibilidade de desenvolver a bebida em uma região ainda sem tradição. Na bagagem, trouxe muito estudo e conhecimento prático. De família de produtores, Carlos tem contato com uvas e vinho desde os 8 anos de idade.

Primeiro espumante do DF é do Vinhedo Lacustre
Primeiro espumante do DF é do Vinhedo Lacustre (foto: Ed Alves/CB)

A filosofia do especialista é elaborar um vinho com o mínimo de intervenção humana. Provando ter um pé no cerrado, o gaúcho quer que os próximos lançamentos prestigiem o quadradinho e, por isso, pensa em valorizar cada vez mais os sabores característicos daqui.

Ele toca também um projeto solo: a casa de vinhos naturais e fermentados Sanabria, um wine bar e loja. O refúgio, em meio às quadras 406 e 407 da Asa Norte, é ponto de degustação de vinhos artesanais, enquanto se escuta um bom vinil. Segundo Carlos, a música tem um porquê: "Além de cair bem com o momento, as ondas sonoras equilibram o vinho".

Um guia da bebida

 19/09/2022. Crédito: Ed Alves/CB. Revista. Brasil. Brasília - DF. Especial Vinhos e Vinhedos. Na foto Marcos Ritter.
19/09/2022. Crédito: Ed Alves/CB. Revista. Brasil. Brasília - DF. Especial Vinhos e Vinhedos. Na foto Marcos Ritter. (foto: Ed Alves/CB)

•Vinhedo, parreira, videira — Pé de uva

•Vitivinicultor — Planta, cuida do vinhedo e é também enólogo.

•Enólogo — Apreciador de vinho e especialista no assunto.

•Sommelier — Responsável pelo serviço do vinho e degustação. Direciona qual é o tipo apropriado ao paladar e ao bolso.

•Vindima — Colheita da uva. No Centro-Oeste, parte da Bahia e Minas Gerais, a vindima ocorre no inverno.

•Cepa ou casta — É o tipo da uva: chardonnay, cabernet sauvignon, pinot noir, syrah (a mais comum aqui) e outras.

•Fermentação alcoólica — Processo que transforma o açúcar natural da uva em álcool, sob a ação de microrganismos.

Para turistar

Mara Flora Lottice Krahl, sommelier, consultora e professora do Departamento de Turismo da Universidade de Brasília (UnB), explica que o enoturismo pressupõe deslocamento e infraestrutura turística (onde comer e, se for o caso, onde dormir), e celebra o avanço da atividade. “Observamos um crescimento exponencial em regiões do Rio Grande do Sul e em todos os estados que têm vinicultura, a exemplo do DF. O interessante é que a cultura do vinho enquanto objeto principal do turismo tem capacidade de inserir outros setores, formando um ecossistema produtivo”, aponta.

É que o enoturismo dificilmente se sustenta só com a produção vitivinícola. Ainda de acordo com a turismóloga, requer outros esforços para tornar o produto perene: transporte, alimentação, entretenimento, produção agroindustrial, artesanato. Em Brasília, a cultura da uva e do vinho começa a proporcionar experiências sensoriais. Observar o cultivo, acompanhar o manejo das vinhas, percorrer as lavouras e degustar a bebida. A graça está também no período de floração e colheita, que coincide com girassóis, algodão, trigo, sorgo e outras culturas e fazem o deleite dos visitantes.

Mara, porém, lembra que a prática enoturística não se limita ao mundo rural. “Ele complementa e tem relação de interdependência com o universo urbano, onde está o principal público consumidor e os agentes de mercado.”

Negócio familiar

Quando o portão da Casa Vitor se abre, é fácil se sentir realmente em casa. Aves, um lago repleto de peixes e um jardim colorido introduzem o campo de videiras. A sommelier e sócia do vinhedo, Renata Vitor, 31 anos, garante que o pôr do sol é de tirar o fôlego.

Em 2018, a médica Marina Vitor e o agricultor Carlos Vitor, tios de Renata, decidiram unir a paixão pelo campo à produção da bebida em uma propriedade localizada no Programa de Assentamento Dirigido do Distrito Federal (PAD-DF), no Paranoá. "Vitor" é sobrenome e uma homenagem a um dos filhos de Carlos, que faleceu ainda criança. O vinhedo segue administrado pela família desde então — e isso faz toda a diferença.

  • A sommelier Renata Vitor puxou dos tios a paixão por vinhos, da produção à degustação Arquivo pessoal
  • Brinde no horário do pôr do sol faz parte da programação da visita Arquivo pessoal
  • A Casa Vitor tem também espaço para uvas de mesa e pomar orgânico Giovanna Fischborn/CB
  • Na propriedade, é possível comprar peças feitas por artesãs locais: incentivo importante Giovanna Fischborn/CB

O então cultivo de soja, feijão e milho virou somente de uva. Em setembro de 2019, foram plantadas sete mil mudas da syrah. A primeira produção saiu em 2021. O casal mora na propriedade e usa um dos quartinhos como cave para os vinhos, com temperatura regulada. Os rótulos ainda não foram para impressão, então, Renata escreve no recipiente à mão. E fica charmoso. Os visitantes aproveitam para pedir dedicatórias e eternizar momentos na garrafa.

A casa abre aos sábados com programação das 16h às 21h, com espaço para 35 pessoas. O roteiro inclui visita às parreiras, brinde no fim da tarde e um jantar em quatro etapas, elaborado por Marina, que ama inventar na cozinha. Mineira, ela deixa um pouco do Vale do Jequitinhonha (MG) nos pratos. Carlos trabalha até hoje nas plantações. Além de uvas viníferas, há produção de uvas de mesa — que, em setembro, estão na fase do pinto, ficando roxas — e um pomar doméstico com macieiras e pereiras. As flores que ocupam o terreno servem para controle biológico, porque impedem insetos e pássaros de atacarem os pés.

O interessante é que a proposta caseira do vinhedo abraça outras pessoas da região. "Buscamos trazer gente que é querida por nós e incentivar o trabalho entre eles, seja na cozinha, seja na lavoura. Parte da decoração também vem de artesãs daqui", conta Renata. Mulheres artistas reciclam garrafas de vinho usadas da Casa Vitor e usam os frutos cabaça e coité para criar objetos, que estão à venda no local.

A região

Ao contrário do que parece, o solo do cerrado, predominantemente arenoso e argiloso, de capacidade de retenção de água relativamente baixa, não impede a produção de uvas. Os vinhedos estão aí para provar. Pode-se dizer que o cultivo da fruta depende 30% do solo e 70% da amplitude térmica, por esse motivo, a boa adaptação em terras candangas.

Quem mora em Brasília e região sabe como o tempo pode surpreender. Principalmente durante o inverno, quando é grande a diferença entre a temperatura mínima e a máxima. Se, pela manhã e à noite, as pessoas saem de casa agasalhadas, se valem do ar condicionado para ficarem confortáveis à tarde.

É dessa amplitude que a uva gosta. E para garantir a qualidade dos vinhos, pesquisadores da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) aprimoraram a técnica de dupla poda (ou poda invertida), que permite a colheita no período mais seco (inverno). Com essa inversão, é possível alcançar condições climáticas parecidas com as dos hemisférios Sul e Norte, onde a uva é colhida no verão. É esse sistema que vem sendo aplicado no Centro-Oeste, região da Serra da Mantiqueira e Bahia. A categoria recebeu o nome de "vinhos de inverno" e está sendo cada vez mais aprimorada.

Serviço

Casa Vitor
Instagram: @casavitor.vinhos
Site: casavitor.com.br
Telefone: (61) 99853 7676

Sanabria Casa de Vinhos Naturais e Fermentados
Instagram: @vinhossanabria
Endereço: CLN 407 Bloco A

Villa Triacca Eco Pousada e Vinhos
Instagram: @villatriaccaecopousada
Telefone: (61) 4103 2792 (61) 4103 2792

Vinhedo Lacustre
Instagram: @vinhedolacustre
Telefone: (61) 98145 9929

Seu Claudino e Dora Irani

Mencionado com admiração pelos outros produtores, Ronaldo Triacca é referência na produção de uvas e fabricação de vinhos na região. Proprietário da Villa Triacca Eco Pousada e Vinhos, a 60km de Brasília, é dele o primeiro rótulo 100% brasiliense, nascido em 2019. Mostra, orgulhoso, os produtos que fazem menção aos pais, o pioneiro "Seu Claudino" e o rosé "Dona Irani".

Essa história começou ainda em 2017, entre uma garrafa de vinho e outra. "Pensava: 'ainda vou fazer um vinho'. Mas até tomar conhecimento da dupla poda, considerava produzir uma versão colonial", lembra. Pode-se dizer que Ronaldo provou do enoturismo antes mesmo de oferecê-lo. Montou o vinhedo depois de muitas viagens técnicas e a turismo, feitas ao lado da esposa.

  • Vinhedo e construção da Villa Triacca foram inspirados na região italiana da Toscana Giovanna Fischborn/CB
  • Seu Claudino Syrah e Dona Irani Syrah Rosé, rótulos inspirados nos pais de Ronaldo Triacca (acima), integram o portfólio da Villa Triacca Giovanna Fischborn/CB
  • Ronaldo Triacca começou a esquematizar sua produção de vinhos em 2017 Fotos: Giovanna Fischborn/CB
  • Seu Claudino Syrah e Dona Irani Syrah Rosé, rótulos inspirados nos pais de Ronaldo Triacca, integram o portfólio da Villa Triacca Giovanna Fischborn/CB

Em 2018, plantaram o primeiro hectare de syrah, a que melhor performou. Mas ele adianta que os vinhos brancos prometem muito. "Teremos bebidas de padrão internacional em breve", celebra. Hoje, os vinhos são vendidos no restaurante da pousada. A intenção é mantê-los no estilo boutique, comercializando-os dentro da propriedade, como já é feito, e para poucos restaurantes.

Vinícola do Planalto Central

É possível falar da Triacca como um hotel-vinícola. "Vinícolas pequenas precisam do enoturismo engajado", reforça. E pensando na saúde do negócio e em expandir o portfólio local, Ronaldo lançou junto à família da Fazenda Ercoara, também produtora de vinhos do PAD-DF, a Vinícola Brasília, que reúne 10 famílias em torno do mesmo objetivo: oferecer vinho candango de qualidade.

A estrutura está sendo edificada às margens da BR-251 (Brasília-Unaí) e conta com tecnologia de vinificação de ponta. "Acredito que esse projeto dará uma guinada no enoturismo em Brasília e arredores." Lá, os produtores envolvidos investirão em blends especiais, que levarão um rótulo único da Vinícola Brasília. Promessa de um polo do vinho nos arredores da capital federal, com expectativa de abertura para meados de 2023.

Os parceiros

Já recebem visitantes:
•Villa Triacca Eco Pousada e Vinhos
• Casa Vitor
• Ercoara Cordeiro e Vinho

Estão se organizando para abrir as portas:
•Horus Vinhos e Vinhedo
•Marchese Vinhos e Vinhedos
•Miro Vinhos e Vinhedos
•Monte Alvor Vinhos Únicos
•Oma Sena Vinhos e Vinhedos
•Vista da Mata Vitivinicultura
• Toscana do Cerrado

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