É provável que todo mundo conheça alguém que é vegano ou vegetariano, ou então já ouviu esses termos em algum momento. O aumento da discussão sobre alimentação sem origem animal e de pessoas adeptas a esse tipo de dieta vem aumentando. O fenômeno é visível no surgimento de novos restaurantes veganos e vegetarianos, na ampliação de a opções de alimentos de origem vegetal e no maior debate social sobre o assunto.
Porém, apesar de, às vezes, confundidos, o veganismo e o vegetarianismo possuem diferenças, geralmente, desconhecidas. Nesta edição, a Revista desbrava esse universo da vida sem carne animal.
Entendendo as diferenças
Para começar a falar sobre o tema, é preciso destacar os tipos de vegetarianismo, que se diferem pelos alimentos de origem animal consumidos. Os ovolactovegetariano é aquele indivíduo que não faz o consumo de carnes, mas consome ovos e laticínios. Esse tipo é comumente chamado apenas de vegetariano. Já o lacto-vegetariano consume somente laticínios, como leites, queijos e derivados.
No caso do Ovovegetariano, o único alimento de origem animal consumido é o ovo. O vegetariano estrito não ingere nada de origem animal, nem carnes, laticínios, ovos e mel. O vegano vai um pouco além: não só não ingere nada de origem animal, como também não usa nada que venha do sofrimento de animais, como couro e produtos testados em animais, como alguns cosméticos.
Apesar de comumente utilizado como sinônimo do vegetarianismo estrito, o termo veganismo diz respeito a muito mais do que só a alimentação, é um conjunto de restrições. "O vegetarianismo estrito é mais voltado para o ser humano em si, enquanto o veganismo tem uma causa por trás de tudo, mais como uma filosofia de vida", explica a nutricionista Ana Cristina Máximo.
Motivos
A empatia com o sofrimento animal, as preocupações com alterações ambientais e climáticas e as mudanças de hábitos são alguns dos fatores que motivam a transição para a alimentação vegana e vegetariana. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), em 2018, 14% dos brasileiros se declararam vegetarianos, o que significa um aumento de 75% em relação ao mesmo levantamento feito em 2012, quando esse índice era de 8%.
Para a nutricionista e presidente da Associação Brasileira de Nutrição, Ruth Guilherme, esse aumento tem ocorrido muito por conta do maior acesso à informação sobre o assunto, maior disponibilidade de opções veganas e vegetarianas, assim como conscientização sobre saúde e questões éticas e ambientais. "Uma vez que a produção de alimentos de origem animal é uma das principais causas de emissões de gases de efeito estufa, desmatamento, poluição da água e esgotamento de recursos naturais", reforça.
Esse é o caso da estudante de biologia da Universidade de Brasília (UnB) Helena Falkenberg. Ela foi motivada pela crise climática a aderir a alimentação vegana. Para a jovem, é de extrema importância politizar a questão, dando sentido à mudança. "Ter e reforçar sempre essa consciência do porquê eu não como alimento de origem animal é o que me permite, mesmo que eu sinta vontade, de continuar", conta.
Outro fator comum para a adoção de uma alimentação sem carne ou alimentos de origem animal é a preocupação com a saúde. Segundo a nutricionista Ana Cristina Máximo, o processo de digestão da carne é mais lento em relação à proteína vegetal, o que aumenta o risco de patologias, como gota e colesterol elevado. "A carne é o que a gente chama de proteína cíclica, então a metabolização dela é hepática, isso é, você usa o fígado muito mais para fazer a digestão", explica.
Já a proteína vegetal, chamada de proteína ramificada, tem a absorção diretamente no músculo. Helena conta que um dos efeitos que sentiu ao parar de comer carne foi maior leveza e disposição. "Depois de um almoço, por exemplo, parei de ter uma sensação que eu tinha quando comia carne, de me sentir pesada", diz.
Além disso, segundo Ana Cristina, o maior consumo de vegetais por dietas veganas e vegetarianas aumenta a absorção de micronutrientes pelo indivíduo, o que ocasiona aumento da imunidade, melhora da microbiota intestinal e da função renal. "Sem contar a ação antioxidante. Como você consome mais vegetais, você tem ação antioxidante maior, os nutrientes vão te ajudar no rejuvenescimento dos tecidos", completa a nutricionista.
Colocando em prática
Vivendo há mais de 10 anos numa dieta sem carnes, Roberto Mandetta, publicitário de 43 anos, desde novo sempre teve uma certa aversão a comer carnes. "No decorrer da vida, sempre tive percepções diferentes desse alimento", conta. Assim, com influência espiritual, principalmente a religião espírita, e em função também de reflexões acerca da crueldade animal, a mudança ocorreu.
"Eu me tornei vegetariano em 2013, minha transição demorou uns dois anos. Em 2015, eu me tornei vegano, e assim estou desde então", completa. Para isso, Roberto passou a pesquisar muito como substituir os alimentos, e quais benefícios cada grupo alimentar tem. Depois da mudança na dieta, reparou um claro aumento da disposição, além de melhora na digestão e o fim das alergias relacionadas ao leite.
Anos depois de virar vegano, o publicitário ingressou como voluntário na Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), organização sem fins lucrativos, criada em 2003, que promove a alimentação vegana e vegetariana. "Participei da frente vegana, na qual a gente leva, gratuitamente, consultoria para os estabelecimentos que querem se adaptar ao veganismo", explica. O publicitário também fez parte da frente do ciberativismo, buscando divulgar e espalhar informações sobre essas dietas nas redes sociais.
Para aquelas pessoas que estão na transição para essa dieta, o ativista tem algumas dicas. "Nós temos que estudar e ser também auto suficientes, precisamos aprender a produzir a própria comida", recomenda. Pesquisar restaurantes veganos e vegetarianos, mesmo que ainda sejam poucos, também pode ajudar na adesão dessa nova forma de alimentação.
Transição e alimentação
Existem muitos estigmas de que não é possível adquirir todos os nutrientes em uma alimentação sem origem animal, porém cada dia mais essas ideias são desmistificadas por um maior acesso a informações e a profissionais qualificados. Para quem quer virar vegano ou vegetariano, são várias as formas de fazer essa mudança e de aprender a se alimentar de maneira equilibrada.
Para uma transição nutricional saudável e efetiva, especialistas recomendam um processo gradual de mudança, parando aos poucos de comer os alimentos e evoluindo até o estágio final desejado. “Pare primeiro com a carne vermelha, depois com o frango, depois com o peixe e evolua para o veganismo da mesma maneira”, aconselha a nutricionista Ana Cristina Máximo.
Segundo a Presidente da Asbran, Ruth Guilherme, fazer esse processo gradativamente, de forma consciente, com os alimentos certos e acompanhado de um profissional, é essencial para uma transição saudável. “Fazendo as substituições dos alimentos de origem animal por opções vegetarianas/veganas, bem como o uso de suplementos alimentares, com cautela, de modo que o corpo se adapte ao novo estilo de vida”, ensina. “Cada pessoa é única, e as necessidades nutricionais variam, por isso os planos alimentares devem ser personalizados.”
Uma dica possível para passar por essa transição de uma forma mais suave, principalmente para aquela pessoa que quer mudar a alimentação, mas tem dificuldade em parar de comer carne, é o consumo de alimentos vegetarianos e veganos industrializados. Para Ruth, com o aumento de pessoas adeptas a essas dietas, a indústria alimentar responde lançando uma variedade de produtos que atendam a demanda.
“A capacidade da indústria alimentícia de se adaptar às variações nas pesquisas e nos padrões de consumo é notória e extremamente rápida”, afirma. Hoje em dia, no supermercado, são encontradas diversas opções de alimentos de proteína vegetal, como leites, iogurtes, queijos e até chocolates veganos. Além disso, a indústria de processados se amplia para opções veganas e vegetarianas, como nuggets, hambúrguer e almôndegas de proteína vegetal — muitos desses imitam o gosto das versões de carne.
A nutricionista Ana Cristina reconhece que esses alimentos não são saudáveis, mas podem ser uma opção estratégica que pode facilitar a transição alimentar. “Para começar a mudar o paladar do indivíduo que quer se tornar vegetariano, mas ainda precisa do sabor do alimento de origem animal, pode ser interessante”, justifica.
Ultraprocessados
Ruth também reconhece a utilidade desses alimentos, mas ressalta que, apesar de não serem de origem animal, esses ultraprocessados também podem representar riscos à saúde, uma vez que podem conter uma quantidade significativa de processamento e aditivos. "Eles podem ser bastante prejudicial a médio e longo prazo.”
A especialista aconselha sempre considerar a qualidade nutricional e o nível de processamento envolvido, para além do status vegetariano, que, no caso dos industrializados, não significa necessariamente serem saudáveis. “É importante estar atento ao uso indiscriminado do termo 'saudável' pela indústria alimentícia”, complementa Ruth Guilherme.
Montando um prato colorido e saudável
A alimentação é um dos pilares para uma vida digna, e uma boa alimentação é fundamental para uma vida saudável e de qualidade. Ter consciência, sabedoria e responsabilidade na hora de escolher os alimentos que irão nutrir o corpo é de extrema importância não só para veganos ou vegetarianismo, mas sim para todos que desejam longevidade e saúde.
A dica essencial para ter um prato rico em nutrientes é simples: deixe ele bem colorido. Verduras, legumes, um bom carboidrato e proteína fazem um prato completo e nutritivo. Segundo a nutricionista Ana Cristina, é indispensável que em uma dieta sem origem animal contenha leguminosas, oleaginosas e grãos integrais. “Como arroz integral e aveia, porque além de conter uma quantidade significativa de proteína, faz a interação com outras proteínas e isso aumenta a capacidade de absorção do corpo”, explica.
De acordo com ela também, um prato vegetariano completo e saudável deve conter um cereal, alimentos verdes escuros e alaranjados, e duas leguminosas. “Não existe proteína vegetal completa, então quando você coloca uma outra leguminosa, você está colocando um poste a mais de aminoácidos no seu corpo, facilitando a absorção”, explica Ana Cristina.
Uma questão importante é a suplementação da vitamina B12, importante para a saúde cognitiva e para a circulação do sangue. A vitamina está presente em carnes, leite e derivados e, por isso, não é ingerida, principalmente, por veganos, fazendo-se necessário a suplementação adequada e acompanhada por um profissional. “É importante ficar sempre observando a quantidade de B12 sérica e, a partir daí, fazer suplementação”, finaliza Ana.
Faça você mesmo
Agora que você sabe os principais componentes de ter no prato, a Revista separou algumas opções para garantir uma alimentação saudável e nutritiva, sem nenhuma origem animal.
Leguminosas: principais fontes de proteína, ricas em ferro, fibras e vitaminas do complexo B, e podem ser consumidas de diversas formas. Sendo elas: todos os tipos de feijões, grão-de-bico, ervilha, lentilha, soja e tofu.
Cereais: fontes de carboidrato e de todos os aminoácidos essenciais. O melhor tipo é o integral, rico em minerais e fibras, auxiliando no funcionamento intestinal. Os principais cereais são: aveia, arroz integral, macarrão, quinoa e milho.
Oleaginosas e sementes: ricas em proteína, nutritivas, minerais e em vitamina, essenciais para suprir a necessidade de gordura saudável. São eles: castanhas no geral, amêndoas, gergelim, chia, abacate e azeite. “O consumo de colesterol é muito baixo pelo grupo vegetariano e a gente precisa aumentar esse consumo de gordura para a produção hormonal, o controle de mitocôndria”, diz a nutricionista Ana Cristina Máximo.
Todas as verduras, legumes e frutas: essenciais para garantir a nutrição necessária. São os elementos que dão cor para o prato, por isso, não fique com medo de abusar no consumo desses alimentos.
Opção fora de casa
O restaurante Faz Bem (@fazbembsb), localizado na 407 norte, em Brasília, é um desses locais que representa o aumento da procura pela comunidade vegana e vegetariana. “Ele foi inaugurado em 2014 com o objetivo de ser um estabelecimento 100% vegano, um mercado muito novo na época”, conta Bruno Galvão, economista e um dos sócios do negócio.
Inicialmente, o restaurante passou por desafios para atrair público, mas logo conseguiu construir uma base de clientes fiéis que acreditaram no negócio. Para manter os frequentadores, um menu diverso é usado. “Nosso cardápio varia diariamente, dividido por temas, como pratos asiáticos, europeus, latinos brasileiros, árabes e baianos”, cita Carol, gastróloga e gestora do Faz Bem. Além disso, pontua que há uma certificação rigorosa na seleção dos produtos e parceiros que apoiam o restaurante, sempre optando por alimentos livres de qualquer ingrediente de origem animal.
Para essas refeições, receitas da culinária do mundo e também regionais são inspirações para o restaurante. Além disso, no cerne da inspiração está o desejo de resgatar alimentos que se perderam, assim, em muitos dos pratos destacam-se por serem elaborados com PANC (plantas alimentícias não convencionais). “Valorizamos especialmente os ingredientes do Cerrado, buscando promover a diversidade e preservar tradições culinárias”, completa Carol.
Larissa Carvalho, sócia e gestora financeira do Faz Bem, também cita o claro crescimento da comunidade vegana em Brasília. “Há um aumento na conscientização da população sobre os benefícios de uma alimentação baseada em plantas, tanto para a saúde individual quanto para a sustentabilidade”, afirma. Pesquisas realizadas pelo restaurante apontam que uma parcela considerável dos clientes não se identifica exclusivamente como veganos ou vegetarianos, mas estão buscando opções alimentares mais saudáveis.
Compartilhando ensinamentos
A criadora de conteúdo e infoprodutora Claiti Cortes, 26, é uma dessas pessoas que mudou para uma alimentação mais sustentável. “Fui vegetariana por dois anos e sempre tive o desejo de fazer a transição, mas demorei para encontrar a motivação certa", começa. A influencer mudou realmente em 2017, depois de ler e pesquisar sobre consumo, produção de leite e ovos e crueldade animal. “Começou por uma questão mais voltada para a ética da alimentação, pensando em qual direito eu tenho sobre a vida de outros seres. Também por saúde, pensando na variedade da minha alimentação e riscos de doenças crônicas já associados ao consumo excessivo de carne”, completa.
Os dois filhos, Antonela Cortes e Pedro Cortes, de 5 anos e 1 ano, respectivamente, também seguem uma dieta vegana desde o nascimento.“O veganismo está entre os valores que quero passar para eles. Independentemente de seguirem ou não, só de saberem que é possível e crescerem com a mente mais aberta sobre direitos animais e outras formas de alimentação, eu já acredito que os tornará adultos mais empáticos”, afirma. Claiti completa que a filha mais velha tem a opção de comer carne, mas opta pela dieta vegana.
Além dos filhos, Claiti mora com o marido, Douglas Huning, 27 anos. Diferentemente do resto da família, o professor de biologia não aderiu à dieta vegana. “Quando nos conhecemos, começamos a conversar e criar nossos combinados para quando morássemos juntos. Hoje, o padrão da alimentação é vegana e, se ele for consumir algo de origem animal, prepara e limpa”, explica a influencer.
Assim, possuem o acordo de criarem os filhos com a alimentação vegana e com respeito às diferenças alimentares de cada um. “A gente já debateu muito, porque o veganismo é um estilo de vida que tenta, dentro do possível e do praticável, acabar com todas as formas de exploração animal. Mas eu tento me colocar no lugar de quem também, durante boa parte da vida, consumiu carne e não era uma pessoa pior por conta disso”, completa.
Além de fazer substituições coringas da carne na alimentação, como utilizar tofu e proteína de soja texturizada, a influenciadora consome muito os alimentos tradicionais brasileiros. “O básico que funciona é o arroz com feijão. O cereal junto com a leguminosa forma uma proteína completa, com todos os aminoácidos essenciais disponíveis em boas quantidades”, explica Claiti Cortes.
Ela também compartilha receitas nas redes sociais e mostra a rotina alimentar dos filhos. Claiti começou a criar conteúdo em 2019. Nessa época, via muitas receitas veganas com castanhas e legumes muito caros, realidade que tenta desmistificar pelas redes sociais. “Meu desejo sempre foi mostrar as possibilidades do veganismo, como não precisar de alimentos caros ou de receitas super elaboradas”, diz. “A informação é com certeza a melhor forma de se combater os estigmas”.
Receitas Veganas
No dia a dia, Claiti e muitos outros veganos e vegetarianos, utilizam alimentos variados para criarem receitas simples e práticas. Assim, para quem deseja reproduzir receitas veganas e aprender um pouco mais sobre como criar pratos diferentes, a Revista selecionou alguns exemplos da influencer Claiti para inspirar:
Sorvete de manga com maracujá
Para a receita, é necessário uma manga bem madura congelada em pedaços e meia polpa de maracujá. Depois, basta bater em um processador e aproveitar.
Brócolis empanado
Nessa receita, o brócolis entra em cena. Primeiro, basta misturar farinha, temperos e um pouco de água. Para o molho, refogue alho com de ketchup e shoyu. Depois, misture o brócolis na mistura inicial, empane com flocos de milho triturados, sal e pimenta e adicione no molho.
Pizza vegana
Para essa receita, é necessário um pão “velho”, água morna, uma pitada de sal e azeite. Para criar a base da pizza, basta despedaçar o pão e adicionar a água, depois adicione sal e azeite e espalhe em uma forma untada. Préaqueça a massa a 180° graus por 15 minutos e, depois, basta rechear com os ingredientes que desejar e colocar novamente no forno por 30 minutos.
No perfil da criadora de conteúdo Claiti (@imaginavegan), tem essas e mais uma infinidade de receitas veganas, desde bolos e tortas até lasanhas, molhos e salgados.
*Estagiárias sob a supervisão de Sibele Negromonte.
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