
Aquele café quente, logo cedo, coado pelas mãos da avó, pede um acompanhamento especial. No meio da tarde, seja para lanchar, seja para petiscar, ele também pode ser bem convidativo. Agora, se for para relaxar bebendo um bom vinho, é importante que ele esteja perto. Em praticamente todas as ocasiões, o queijo é uma daquelas delícias que fazem parte da vida de qualquer brasileiro. E não se engane, não é só em Minas Gerais que esse alimento é considerado queridinho e famoso.
Estão errados os que pensam que não há buscas assíduas por bons queijos em Brasília. De acordo com Fernanda Barbosa, extensionista rural e técnica em agroindústria da Emater, o Distrito Federal é um centro atrativo para produtores, comerciantes e consumidores de queijo. "A cidade tem um público diversificado e exigente, que busca produtos de qualidade e com identidade regional. Além disso, a gastronomia local tem valorizado cada vez mais os queijos artesanais, seja em restaurantes, feiras gastronômicas ou no consumo doméstico", explica.
Neste momento, a atuação da Emater-DF tem focado, sobretudo, no incentivo ao queijo artesanal e no fortalecimento da identidade local da região, valorizando e respeitando o terroir — do francês, terra — do Cerrado, atendendo sempre às exigências sanitárias. Em janeiro, o governador Ibaneis Rocha instituiu, por meio do Decreto nº 46.718/2025, uma comissão para a definição de ações de fomento, apoio e incentivo à cadeia produtiva do queijo no Distrito Federal, da qual a Emater-DF faz parte.
"Essa comissão terá 90 dias para impulsionar e destravar o setor. A expectativa é que, por meio desse incentivo, mais produtores integrem o setor e a Rota do Queijo, fortalecendo cada vez mais a produção local. Dessa forma, o futuro é promissor, com a crescente valorização dos queijos do Cerrado, consolidando Brasília no mapa nacional da cultura queijeira", afirma Fernanda. De fato, o Quadradinho tem uma vasta riqueza de queijos.
Tanto é que, no ano passado, foi lançado o projeto Rota do Queijo, que inclui a compra dos queijos diretamente do produtor queijeiro. Em algumas propriedades, são ofertadas visitas, nas quais os consumidores podem conhecer o processo de produção, degustar queijos e entender a cultura queijeira local. A Rota do Queijo do DF é uma iniciativa da Emater-DF para a valorização dos queijos artesanais da região, onde atua diretamente no fortalecimento dos produtores, oferecendo assistência técnica, capacitação e apoio na regularização das queijarias, garantindo que os produtos cheguem ao mercado com segurança e qualidade.
Uma divina experiência
E mais do que apenas saborear o queijo, é necessário viver uma experiência além do alimento. Enxergar em todos os trâmites que envolvem a produção, desde a ordenha até a embalagem, uma chance de fazer com que o outro desfrute de bons momentos ao lado de amigos e familiares. Esse sempre foi um dos grandes propósitos da vida de Joe Valle, 60 anos, formado em engenharia florestal pela Universidade de Brasília (UnB). Proprietário da Fazenda Malunga, a roça, como ele mesmo diz, é o seu lugar predileto.
Lá, neste espaço entre matos e ideias, o produtor cumpre um rito familiar, que o acompanha desde que saiu do Rio Grande do Norte, quando ainda era criança. "Minha vó fazia queijo em uma de suas prensas e eu ficava esperando ela me dar uma daquelas coalhadas para que pudesse comer. Eu cresci, praticamente, dentro de uma queijaria rústica do Nordeste. Quando vim embora para Brasília, com 8 anos, fiquei com essas vivências na minha cabeça: queria ser produtor de comida", relembra.
Assim, na primeira oportunidade, no mesmo local onde os queijos são produzidos hoje, começou o que seria a grande empreitada de sua história. Ao lado do pai, compraram uma terra e deram início a essa jornada na queijaria. No entanto, entre idas e vindas neste começo, Joe parou primeiro no Exército até se encontrar, de fato, como um produtor do laticínio. Mas, ainda que tenha dado um tempo na labuta do campo, não havia outro lugar no qual se sentisse tão em casa.
Voltou, depois de servir por seis anos, para a fazenda do pai. Acordava cedo, por volta das 4h, para ordenhar e beber o leite da vaca. Nesta altura, já sabia fazer um bom queijo, sozinho, graças aos aprendizados da avó. Em seguida, o que era uma prática solitária, passou a fazer sentido, também, na vida de outras pessoas. "Virei feirante e levava os nossos produtos para vender. Por serem artesanais, muitos gostavam muito e acabam comprando. Estive nessa função por 15 anos, e tenho os mesmos clientes até hoje", conta.
O amor é a chave
Contudo, como um bom negócio de sucesso, um pouco de fracasso é sempre necessário para encontrar o caminho certo. De acordo com Joe, ele quebrou financeiramente três vezes antes de dar certo. A partir de tais desafios, persistiu e acreditou no processo, especialmente porque não havia outra alternativa, já que a paixão pelo queijo era mais forte do que qualquer contratempo do destino. Na companhia da esposa, Clevane Ribeiro, fez da Malunga o que ela é hoje. "Sem ela, nada disso teria acontecido. Ela é uma das grandes responsáveis pelo nosso crescimento", completa.
Todos os dias, a mesma rotina é feita com afeto e sentimento. O cuidado com as mais de 200 vacas, a ordenha logo cedo, as conversas e os projetos. Há 40 anos, essa tem sido a luta diária de Joe. "Antes, lá atrás, começamos apenas com os iogurtes. Depois, trouxemos o queijo novamente e, agora, temos uma variedade de 28 produtos, tanto de laticínios quanto outros que temos por aqui", ressalta o produtor.
O trabalho árduo é tanto, mas tão bom, que o engenheiro já foi premiado inúmeras vezes em concursos de queijos ao redor do Brasil. Para ele, é importante se dedicar para ser sempre "medalha de ouro e nunca medalha de prata". Assim, se volta à beleza de suas criações e se dedica para a expansão da Malunga. Atualmente, a marca está presente na Ceasa-DF e em outras quatro unidades espalhadas pelo DF: Sudoeste, Asa Sul, Lago Sul e Asa Norte.
São quase 300 funcionários trabalhando em prol de um propósito: levar alimento de qualidade para as casas de inúmeras pessoas. Em média, 800 queijos saem todos os dias da fazenda. Assim, Joe tenta levar um pouco dos conhecimentos da avó para dentro da marca. Essa tradição familiar é a chave para que a Malunga seja o que ela precise ser. "Essa jornada tem sido muito especial e prazerosa. Estamos construindo algo que vai existir pra sempre. E, para mim, é isso: estar aqui é a felicidade de nem notar a vida passar."
Pensando no futuro
A Rota do Queijo Artesanal, embora lançada no ano passado, existe há algum tempo. Alguns locais mais consolidados no cenário já abriram as porteiras para receber o público tanto de Brasília quanto de outros lugares. Assim, para desenvolver melhor esse trabalho e capacitar até mesmo os produtores menores, o GDF começou uma inspeção especial em diversos espaços, pensando, sobretudo, em uma melhor sinalização e divulgação turística para os visitantes.
O início dos encontros foi em 8 de janeiro e tem um prazo de 90 dias para a conclusão do mapeamento e início das implementações de aprimoramento. "Em relação ao crescimento do setor, a iniciativa irá fomentar o turismo em diversos aspectos, como sustentabilidade, estruturação e diversificação da oferta, integração dos empreendedores e empreendimentos, capacitação, além de empregos diretos e indiretos", explica Yula Pereira, coordenadora da Rota do Queijo na Setur-DF.
A seleção das queijarias foi realizada pela Emater e conta com oito locais já mapeados, podendo aumentar para 16 com o avanço das melhorias. Entretanto, vale ressaltar que, segundo a pasta, há um cronograma definido sendo seguido. "Outros empreendimentos que ainda não estão estruturados, mas que queiram fazer parte da rota turística, serão visitados. A intenção é fazermos parcerias de estruturação e qualificação para inserção no turismo", ressalta Yula.
Haverá, ainda, visita aos lugares voltados apenas para a produção, pois é um desejo da Setur inseri-los também nas feiras e nos eventos para a comercialização dos produtos. "A criação da Rota do Queijo de Brasília é um marco para o turismo e para os produtores locais. Além de valorizar a tradição e a qualidade dos nossos queijos artesanais, essa iniciativa impulsiona o turismo gastronômico, gerando novas oportunidades para pequenos produtores e fortalecendo a economia regional. Queremos que visitantes e moradores conheçam de perto o sabor e a história por trás desses produtos", afirma o secretário de Turismo, Cristiano Araújo.
Uma vida no campo
Tecnologia, programação e serviço público. Olhando bem para esses três universos, nenhum deles nada tem a ver com a vida rural ou produção de queijos. Bom, a dona Ana Zélia Menezes, 68 anos, mudou um pouco esses parâmetros com o passar do tempo. Depois de quatro décadas trabalhando como analista de TI, decidiu migrar de profissão e aproveitar o amplo espaço do terreno em que vive hoje, comprado em 2000, chamado de Sítio Vila das Cabras, no Lago Oeste.
A ideia, no princípio, era apenas criar cabras. Em 2014, comprou as primeiras de uma amiga que havia ficado doente e, em seguida, construiu um abrigo com pasto para que elas se adaptassem bem ao ambiente. Dois anos depois, colocou os animais para cruzar, até que dessem muitos filhotes. A partir desse momento, veio a era do leite na fazenda de dona Ana.
"Comecei a vender um pouco (de leite) assim que ordenhava. No entanto, decidi colocar em prática os ensinamentos de minha mãe, que fazia um queijo coalho como ninguém", recorda. Os pensamentos de criar um negócio começaram a invadir a mente da produtora, que resolveu se especializar e buscar aprender ainda mais sobre o mundo das queijarias. Os principais desafios desse começo estavam concentrados na preocupação em preparar um bom alimento.
Outra preocupação envolve a higienização do espaço e pessoal — questões envolvendo cabelo, unha e até feridas no corpo são cuidados essenciais e que devem ser tomados diariamente. "O vestuário também é outro tópico central. Estar com a roupa limpa e branca, sempre com o intuito de trabalhar com um leite sadio para produzir um bom queijo", acrescenta.
Dentro do sítio, a queijaria acopla prensas, panelas, fogão, formas e todos os equipamentos necessários para a produção do laticínio. Construído em 2020, o quase laboratório, como Ana gosta de chamar, está dentro dos padrões da Emater. E é neste lugar que ela, o exército de uma mulher só, produz cerca de 50 queijos por semana. A rotina, apesar de pesada, faz parte da novidade que a produtora buscava quando tinha acabado de se aposentar.
Além do alimento
Apesar de a queijaria existir há poucos anos, o trabalho de dona Ana já foi inúmeras vezes premiado. Em 2024, ganhou medalha de bronze no Concurso Mundial de Queijo, que ocorreu em São Paulo. Os alimentos são produzidos todas as terças, quartas e quintas-feiras. Na sexta, eles são embalados e entregues, aos sábados, para os comerciantes que compram no sítio. Boursin, chancliche, candaguinho, coalho, meia-cura, parmesão e raciete são os tipos preparados pela produtora. Todos a partir do leite da cabra.
No mais, não existe nada nesse mundo que consiga encher tanto o coração de dona Ana quanto cumprir essa mesma tradição todo santo dia. Ordenha, ferve leite, faz queijo, vende e chega até as casas espalhadas por todo o Distrito Federal. Para ela, a busca tem crescido muito, e a rota deve contribuir para que Brasília seja um grande destaque a nível nacional. No sítio, ela já recebe o pessoal, tem lugar para as crianças brincarem e um restaurante, onde ela prepara almoço para quem vai até o local.
Comparar o que Ana faz agora com o que exercia lá no século passado não existe nem debate. Entre produzir queijos e trabalhar com tecnologia, queijo vence todas as vezes. É sobre poder se achegar e estar, de alguma maneira, no dia a dia das pessoas — no café da manhã, nas reuniões entre amigos. "Como é gratificante ver pessoas se deliciando com o que criamos. Tirando um pedaço, saboreando. Quando você gosta de uma coisa, aquilo não tem preço", finaliza.
Rota do Queijo Artesanal
O trajeto da Rota do Queijo conta com oito lugares precursores da produção de laticínios no Distrito Federal.
Queijaria Rancharia — Lago Oeste
Sítio Vila das Cabras — Lago Oeste
Cabríssima — Lago Oeste
Queijaria Walkíria — Jardim Botânico
Ateliê do Queijo — São Sebastião
Ecoara — Cristalina (GO)
Malunga — PAD-DF
Kero Mais — Planaltina (DF)
A importância de comer queijo
Delicioso, todo mundo sabe que o queijo é. Mas, além de bom, ele possui inúmeros benefícios. De acordo com Mariana Melendez, mestre e doutora em nutrição humana da Clínica SIM — Saúde Integrada Multidisciplinar, o queijo é um alimento de origem animal proveniente do processo de fermentação do leite. "É rico em vitamina A, cálcio, proteína. Ele ainda contribui para a preservação de massa muscular, para fortalecimento dos ossos. É um alimento completo e que não tem muito carboidrato", detalha.
Sobre a quantidade exata e os dias em que se pode comê-lo, Mariana afirma que, primeiro, é preciso avaliar se a pessoa pode consumir o queijo. Quando o paciente é alérgico a leite animal, ele está restrito à ingestão. Quem tem intolerância à lactose, se for leve, pode ir atrás dos queijos que são curados, pois o processo de maturação desse tipo altera sua textura, cor e sabor, além de terem pouca ou nenhuma lactose. Sendo assim, o indivíduo não terá nenhum tipo de problema de saúde caso o coma.
"Para pessoas que têm intolerância muito grave, elas têm duas alternativas: usar o queijo zero lactose ou queijo que não tem origem animal, que são os de castanha e leite vegetal. No entanto, esses não apresentam propriedades nutricionais tão boas quanto os tradicionais. Eles não são boas fontes de cálcio nem de proteína", descreve Mariana.
No consultório, Mariana diz que costuma colocar muito queijo na dieta dos pacientes. Fazendo todas as ressalvas em relação a alergia e intolerância, a nutricionista destaca que o alimento é excelente para ser utilizado como fonte proteica nos pequenos lanches. Por ser prático e fácil de comer, é muito recomendado nesses lanches intermediários.
Negócio de família
Dos alpes suíços e quintas portuguesas até o Planalto Central. Para entender melhor o surgimento da Queijaria Rancharia, localizada no Lago Oeste, é preciso voltar há quase dois séculos no passado. Em 1819, chegou ao Rio de Janeiro a família Monnerat, um grupo de colonos suíços que se instalaram na Vila do Morro Queimado, onde é hoje conhecida como a cidade de Nova Friburgo.
Alguns anos depois, no final do século 19, chegava ao Rio de Janeiro, vindo da cidade do Porto, Manoel Henrique Silva, fundador da família Henrique Silva, instalando-se em Niterói. Com o passar dos anos, a família aumentou, mas o gosto pelo campo, trabalho e produção de leite sempre estiveram presentes no DNA dos familiares.
Apaixonado pelas vivências rurais, Maurício Bittencourt Henrique Silva, 66 anos, é parte primordial desse legado histórico deixado por aqueles que o antecederam. Em 1975, ele se mudou para Brasília e, em 1997, o pai, Aldir Henrique Silva, economista, e a mãe, Marly Monnerat Bittencourt e Silva, veterinária, adquiriram uma fazenda em Luziânia onde produziam leite, que era comercializado para a indústria, e queijos, para consumo familiar.
"Nós investimos em genética e no aprimoramento na produção de alimentos, conquistando inúmeros prêmios em diversas exposições locais e nacionais nas cidades de Brasília, Uberaba, Anápolis, Luziânia, Paracatu, entre outras", conta. A partir de 2016, Maurício e a esposa, Rosylana, fundaram a Queijaria Rancharia, após concluírem cursos de formação, especializando-se em queijos artesanais finos, passando a produzir queijos tipo franceses, suíços e autorais para atender a um pequeno grupo de clientes e amigos.
Um novo começo
Entretanto, um pouco antes do sucesso com os queijos, em meados de 2004, Maurício descobriu que o filho caçula, Daniel Silva, hoje com 28 anos, era intolerante à lactose. Assim, o casal decidiu investir na seleção de animais que produzem exclusivamente leite A2A2 para a fabricação dos queijos.
Dessa forma, o reconhecimento do trabalho logo se espalhou e a necessidade de aumentar a produção também veio à tona. "Para atender à demanda, migramos a queijaria para o Lago Oeste, situado a 30 minutos do centro de Brasília, e, com a consultoria da Emater-DF, instalamos a queijaria onde produzimos e atendemos os nossos clientes", comenta Maurício.
Hoje, os queijos são vendidos diretamente na queijaria. As ordenhas acontecem duas vezes ao dia, e a produção dos alimentos ocorre de duas a três vezes por semana. "Até aqui, vivemos uma jornada de muita luta. Muitas vezes, pensamos em desistir. Mas o ideal de fabricar um bom queijo A2A2, em que pessoas com intolerância podem consumir, nos motivou", completa.
A Rota do Queijo do DF, ao menos para Maurício, vem para ajudar especialmente os produtores que, de fato, precisam de algum auxílio — esses que vivem e se dedicam assiduamente em busca não somente do lucro, mas de fazer um alimento de qualidade para a população do Distrito Federal. Desse modo, Brasília pode se tornar um símbolo de identidade do queijo e do turismo para todo o país.
Para entender
O leite proveniente de vacas A2A2 é obtido a partir de animais selecionados e capazes de produzir apenas a beta-caseína A2. Esse leite não desencadeia desconfortos no organismo que provocam a má digestão ou fermentação em indivíduos que têm dificuldade de digerir a beta-caseína A1. Dessa forma, ele torna-se uma ótima alternativa para consumo.