
As purpurinas que dançam pelo chão no ritmo do samba. Os sorrisos espalhados pelas ruas das cidades, esteja fazendo Sol ou chuva. De fato, não existe nada tão bonito no Brasil quanto o carnaval. A escolha da melhor fantasia para celebrar a folia, o encontro de amigos e familiares para criar ou continuar uma tradição carnavalesca que irá perdurar pelo tempo. Enfim, vários são os motivos que tornam essa a festa mais querida e popular entre todas. Em Brasília, essa realidade não é diferente.
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Há quem diga que os brasilienses não sabem aproveitar essa época do ano. "No Distrito Federal não tem carnaval", dizem as más línguas por aí. Acreditar nessa afirmação é jogar fora todo um caminho que foi pavimentado até aqui. Para entender melhor essa história, é necessário fazer um passeio pelo tempo. O ano era 1961, a cidade, recém-inaugurada, ainda entendia seu lugar no mundo.
Mesmo assim, era motivo para se comemorar. Desse modo, ocorreu o primeiro Carnaval de Clube em Brasília que, apesar do nome, não aconteceu em um clube. Muito pelo contrário, foi realizada no Teatro Nacional, que passava pela finalização das obras em seu espaço naquele período. No ano seguinte, os desfiles das escolas de samba começaram. Desse dia em diante, tudo passou a ser diferente na capital do país.
Esse movimento foi imprescindível para que a festa de Momo se tornasse o que é hoje. Na década de 1970, por exemplo, o carnaval no DF era conhecido e popular, sobretudo nos clubes da cidade. Em 1980, depois do alívio que a ditadura militar deixou pelo seu fim, o povo queria e buscava por liberdade — aquela sensação de recuperar o tempo perdido, especialmente após décadas a fio sofrendo pelas repressões culturais e autoritarismo no Brasil.
Uma prática, no início dessa década, tomou conta do Parque da Cidade. O topless, que virou até bloco, nasceu nas praias de Ipanema e viajou até a capital federal para viver esse "desbunde", uma espécie de espírito libertário que ansiava por um novo movimento no Brasil. As mulheres, com os seios à mostra, desfilavam no carnaval de Brasília com um largo sorriso no rosto. Os homens mais atrevidos gostavam de usar apenas uma tanga para, também, fazer parte da brincadeira.
Os anos se passaram e a festa de Momo se consolidou no Quadradinho. Além da alegria que este período traz, a folia virou uma forma de protesto à política local, principalmente com o Bloco Pacotão, conhecido pelas politizações irônicas em seus desfiles. Em 2010, a escola de samba Beija-Flor de Nilópolis decidiu homenagear os 50 anos de Brasília com o enredo: "Brilhante ao sol do novo mundo, Brasília do sonho à realidade, a capital da esperança".
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A vida agora
É fato que, por um tempo, a folia precisou ser interrompida. Em 2020, a pandemia de covid-19 deixou as ruas solitárias e as casas cheias de alegrias contidas. Não era época de celebrar, mas de esperar a hora certa de dar o grito. Quase quatro anos ante tanta ansiedade, a vida voltou ao normal — ou pelos menos tem voltado. Para Jorge Simas, 67 anos, membro da diretoria da Liga dos Blocos Tradicionais do Distrito Federal, o período pandêmico não foi fácil. Ainda assim, Brasília resistiu. E contar essas histórias de sobrevivência é um motivo e tanto para comemorar.
"Nós, aqui, preservamos a memória cultural do país inteiro. Temos tantas vertentes, pessoas de muitos lugares. Somos, hoje, o quinto carnaval do Brasil. Isso é extremamente positivo e motivo de muito orgulho pra gente", comenta. Apesar disso, é importante que todos saibam: a festa não é só agora. É um trabalho de vários braços para fazer com que poucos dias deem certo, para que a população se divirta e consiga irradiar felicidade durante toda essa época.
São inúmeras questões a serem traçadas e desafios sendo superados. Detalhes que, invisíveis aos olhos dos outros, estão sempre presentes para aqueles que vivem de levar a festa para as ruas. "Queremos, além do ponto de vista cultural, gerar empregos, melhorar a economia local e preservar essa memória criada lá no passado. Precisamos atender as linguagens daqueles que não moram aqui. É o que nós fazemos", finaliza.
Uma só história!
De mãos dadas com a criação de Brasília, a Aruc é a primeira escola de samba do DF e tem 31 títulos dos desfiles oficiais. Fundada em 1961, falar de carnaval e não tocar nesse patrimônio local, é quase impossível. De acordo com Robson Oliveira, 66, presidente da Aruc, a agremiação fez e faz história na cidade. Tornando-se, assim, uma espécie de bem comum para quem vive na capital federal.
"Descendemos do movimento cultural do Cruzeiro e fui o primeiro diretor cultural da Aruc, nos anos 1980 — momento de manifestações nas ruas do bairro e que propiciou palco para Renato Russo, Cássia Eller, Jimi Figueiredo (cineasta), Mel da Terra e diversas atrações na música, na poesia, nas artes plásticas e com o CineClube Gavião", relembra.
No domingo passado, foi realizado o tradicional Desfile da Aruc nas ruas do Cruzeiro, quando a escola de samba teve a honra e o privilégio de poder contar com todas as coirmãs do grupo especial, em um desfile conjunto. Segundo Robson, a união e a força de vontade de todos fez com que esse momento fosse tão importante. Além disso, daqui pra frente, será elaborado um calendário anual de atividades, oficinas e eventos culturais, para que o carnaval seja mais que uma festa e, sim, um ideal vivido durante todo o ano.
"Queremos fortalecer nossas agremiações e ampliar a participação das nossas comunidades, além de propiciar integração comunitária com atividades inclusivas e que movimentam a economia criativa com geração de renda e empregos", destaca Robson. A partir de abril, em parceria com o Instituto Latino-America, serão desenvolvidas as Oficinas Aruc de Carnaval, com cursos gratuitos de bateria, samba no pé, figurinos, casais de mestre-sala e porta-bandeira.
Enfim, tanta história, que não acaba por aqui. Muito pelo contrário, a intenção é, justamente, fazer com que essa herança cultural seja permeada e ganhe força para que as novas gerações entendam a importância do carnaval no DF. Entender isso, na visão de Robson, é honrar a memória de todos os que ajudaram a fundar essa que é a escola mais antiga e tradicional de Brasília. A Aruc Samba Show, para os amantes de carnaval, se apresenta no Shopping Boulevard, hoje, das 17h às 19h.
Tradição iniciada há mais de três décadas
Na década de 1990, uma medida de Fernando Collor de Mello, então presidente da época, deixou a população em apuros. Para conter a hiperinflação que atordoava o governo, ele confiscou a caderneta de poupança de todos os brasileiros durante 18 meses. Essa decisão abalou a economia de inúmeras pessoas. Algumas delas, inclusive, planejavam gastar esse dinheiro com uma casa nova, trocar de carro ou passar o carnaval em outra cidade.
Desse episódio, nasceu o Galinho de Brasília, bloco fundado por amigos que não tiveram outra opção se não a de celebrar a festa de Momo na capital federal. "Costumávamos brincar e pular nas ruas do Recife. Entretanto, fomos impedidos naquele período. Em um bate-papo de família, na casa da minha mãe, decidimos nos inspirar no Galo da Madrugada e fazer a nossa própria festa no meio da rua", lembra Romildo de Carvalho, 69, presidente do bloco.
Desde então, lá se vão mais de três décadas de história. Nesse trajeto, o Galinho contribuiu diretamente para a difusão de um dos ritmos mais adorados do país dentro do Distrito Federal. O frevo, que é um patrimônio cultural imaterial da humanidade, reconhecido pela Unesco em 2012 e pelo Iphan em 2007, leva o tom do bloco e a alegria para as ruas da cidade.
Essa paixão enorme, que movimenta tanta gente e promove um encontro de possibilidades, tem mantido o Galinho firme e forte até aqui. Preservar essa memória cultural, na visão de Romildo, é garantir que essa história tão peculiar do passado continue indo longe através das gerações. "A gente se sente muito feliz em contribuir de alguma forma para essa cidade que tem vida. Brasília tem esquina, tem música, tem pessoas que fazem a cultura de forma fantástica", ressalta.
Ainda que o bloco tenha enfrentado anos de dificuldade, seja com a pandemia, seja com a saída da festa de seu lugar tradicional, a razão de existência do Galinho é o folião. Salvaguardar o frevo e homenagear Brasília são os pilares que mostram o porquê de essa folia tão especial ter nascido na cidade. Além disso, claro, estar na rua. Um trabalho de formiguinha que leva tantas pessoas à espera desse momento: a alegria.
"Só sei que as pessoas passam, mas o Galinho vai ficar. Essa imensa felicidade que a gente sente é o nosso combustível. Sobrevivemos a um processo que foi difícil para o país inteiro, para as famílias que perderam seus entes. Mas temos de continuar. O nosso futuro, que já existe agora, com os filhos dos nossos, é essa herança que vamos deixar. Temos esse compromisso cultural com Brasília", acrescenta Romildo. O bloco estará presente amanhã, na Gran Folia, localizado Eixo Monumental, próximo à Rodoviária, a partir das 16h.
Uma marca de Brasília
Em uma ocasião inesperada entre amigos jornalistas de Pernambuco, o bloco Suvaco da Asa veio ao mundo. O que seria apenas uma reunião para pular carnaval na rua, deu origem a uma das folias mais tradicionais da cidade. Os colegas, que moravam basicamente no Cruzeiro e no Sudoeste, brincavam de chamar essa parte onde viviam de "suvaco", em alusão ao Plano Piloto, composto tanto pela Asa Sul quanto pela Asa Norte.
Assim, de lá para cá, vão-se quase duas décadas de festa. Pablo Nunes, 51, um dos coordenadores do Suvaco, conta que começou a participar apenas como folião. Em 2013, no entanto, foi convidado para integrar a coordenação do bloco. Aceitou a proposta e não saiu mais. "Nós nos misturamos com a história de Brasília. Imagine só, temos praticamente um terço da idade do Distrito Federal. Estamos todos juntos nessa construção cultural", afirma.
Para se ter ideia, antes de o Suvaco existir, a cidade mal contava com o famoso pré-carnaval, esse esquenta antes do real vapor que chega com a folia. Hoje, quem conhece sabe que, caso queira diversão dias antes da data oficial, é só procurar o bloco. Eles, inclusive, já se apresentaram no sábado passado, ao lado do Eixo Cultural Ibero-Americano.
Contaram, ainda, com a presença do mais fofo carnaval de Brasília, o popular Suvaquinho da Asa, voltado para o público infantil. De acordo com Pablo, mais de duas mil crianças estiveram no local. Os pensamentos, agora, estão todos voltados para 2026 em que comemoram 20 anos de existência.
"Mal tínhamos acabado de pensar no carnaval de 2024 e o próximo já estava sendo planejado. É inevitável não pensar, será um momento de muita felicidade para todos", completa Pablo. E daqui por diante, não tem como voltar atrás. O público que ainda estava tímido após a pandemia, retornou com sede de viver depois desse hiato tão sofrido. "Não sabíamos como as pessoas retornariam. Tudo era um suspense tremendo. Estamos felizes de estar de volta".
Desse modo, aos que são apaixonados, podem esperar, pois o próximo aniversário será repleto do que muitos encontram desde o início: alegria, música e a saudade do Nordeste. Nessa extensão cultural, o Suvaco liga dois pontos cruciais para aqueles que estão longe de casa: o amor pela festa de Momo e a saudade da terra natal. "Fiquem tranquilos, ano que vem tem mais", finaliza Pablo.
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