Comportamento

Do papel à tela: como os e-readers redefinem os hábitos de leitural

O dilema entre a tradição do livro impresso e a ascensão dos e-readers redefine os hábitos de leitura no Brasil, impulsionados pela praticidade dos dispositivos digitais, mas sem apagar o charme do papel

Um fenômeno silencioso, mas poderoso, tem transformado os hábitos de leitura dos brasileiros. Um número crescente de leitores migra para o conforto e a praticidade dos dispositivos digitais, impulsionados, em grande parte, pelo custo mais elevado dos livros físicos. Nesse cenário, os e-books emergem como um protagonista incontestável, redefinindo o que significa ter uma biblioteca ao alcance das mãos.

De acordo como sexto levantamento Retratos da Leitura no Brasil, divulgado no fim do ano passado, o brasileiro está lendo menos — 53% dos entrevistados não leram nem mesmo parte de uma obra nos três meses anteriores à pesquisa. Nesse cenário, os estudantes formam a maioria dos leitores (77%) e o público entre 11 e 13 foi o único, ao lado dos 70 anos ou mais, em que não houve queda nos índices de leitura. 

A edição deste ano da Bienal do Livro do Rio de Janeiro refletiu um pouco essa realidade: o público recorde foi majoritariamente jovem. E trouxe outros aspecto positivo: aumento de 23% nas vendas, em relação a 2023, data da última edição, provavelmente motivado por preços mais em conta. Livros que no dia a dia custam entre R$ 50 a R$ 70 são ofertados, no evento, por menos de R$ 30.

Mas por que os livros são tão caros? Em termos econômicos, o custo de produção de uma obra física pode variar bastante. Diversos fatores são levados em conta na soma final, como diagramação, revisão, design, impressão, distribuição e até o tamanho do livro. Para quem lê regularmente, pode pesar bastante no bolso. Diante disso, optar por um livro físico parece a opção menos viável, e a ascensão dos aparelhos de leitura digital, os chamados e-readers, ganham espaço. 

E-books

O leitor digital mais famoso e utilizado atualmente é o Kindle, criado pela Amazon em 2007. Na época em que foi lançado, o mundo vivia a expansão da internet banda larga e os livros digitais começaram a se popularizar. O economista e sociólogo César Bergo, professor de mercado financeiro na Universidade de Brasília (UnB), explica que a decisão de muitos leitores em migrar para o mundo digital se deve, especialmente, em razão da economia e da praticidade. "O modo de transporte do livro digital, o avanço da tecnologia digital e da cibernética geraram uma concorrência quase desleal com o livro físico", detalha. 

O Kindle se assemelha a um tablet um pouco menor, com uma tela eletrônica com tecnologia e-ink, que simula a aparência do papel impresso e reage à luz, possibilitando ler confortavelmente, mesmo sob a luz do Sol ou no escuro. Além disso, o dispositivo permite que os usuários comprem livros digitais, ajustem o tamanho da fonte, a intensidade da luz, marquem páginas e texto e até façam anotações.

Mas a experiência de leitura é individual e há quem não troque o livro físico por nada, mas também existem aqueles que gostam de variar. Afinal, apesar das diferenças, livros digitais e físicos têm suas particularidades e vantagens. 

A psicóloga Júlia Teixeira, 26 anos, comprou o e-reader na época da pandemia e o usa regularmente até hoje. Ela diz que um dos fatores que mais a motivou a optar pelo aparelho foi a facilidade para ler à noite, deitada, com as luzes apagadas, sem agredir a visão. Outro fator decisivo foi o espaço reduzido em casa para armazenar os livros físicos. "Na época, eu estava na faculdade e comprava muitos livros, tanto para lazer quanto para estudo, e o espaço que tinha já não estava sendo suficiente", diz. 

Apesar disso, a psicóloga diz que ainda prefere os livros físicos para estudar e trabalhar, pela questão visual de marcações e anotações estarem mais visíveis. "Eu gosto de escrever, de marcar, colocar post-it, passar o canetão, colocar aqueles marca-páginas. Para deixar bem em evidência o que eu estou estudando, o que eu preciso", detalha. 

Seu hábito de leitura também mudou. Júlia diz que, ao ler livros físicos, sente-se um pouco ansiosa com o ritmo de leitura, por ser visível o quanto ainda falta para ler. "No e-book, apesar de mostrar a porcentagem, às vezes, a página que eu estou lendo não tem essa imagem visual clara e definida da quantidade de folhas que me restam, o que diminui essa ansiedade." 

Já a estudante de arquitetura Júlia Cardoso, 21 anos, foi influenciada por causa da facilidade de transporte. Ela conta que consegue ler mais com o e-book por poder levá-lo para qualquer lugar, como transporte público, viagens e até sala de espera de consultas, e mal percebe o quanto leu, parecendo terminar os livros bem mais rápido. Mesmo com essa facilidade, a estudante diz que, se tem a oportunidade e os preços estão acessíveis, prefere comprar livros físicos. 

Ela explica que a experiência da leitura é diferente e varia a depender das circunstâncias. "Se vou viajar, por exemplo, e não posso levar muita coisa, o livro digital é a melhor opção, mas se estou em casa sentada confortável no sofá, prefiro o livro físico, em que a sensação de ler é mais prazerosa", explica. 

Custo-benefício

O custo do aparelho, porém, pode afastar algumas pessoas. César Bergo explica que apesar de o preço parecer salgado, e não acessível para todos, trata-se de um investimento inicial. "Alguém que tem um hábito e um consumo maior de leitura terá um ganho significativo a longo prazo ao optar pelo digital, em vez de continuamente gastar com o físico", resume o economista. 

Alguém que vive essa economia é a estudante Julia de Souza, de 14 anos, que usa o e-book regularmente e com bastante frequência há dois anos. Ela lê de quatro a cinco livros por mês, compra um físico mensalmente e carrega seu Kindle para todos os lados. A adolescente conta que sua vontade de ter o aparelho surgiu justamente pela economia, com as versões digitais saindo até R$ 20 mais baratos. 

Júlia diz que passou a ler com mais rapidez, mas, apesar disso, também não larga a versão física, pela sensação da leitura. "Eu valorizo muito o cheiro, o tato, as anotações e marcações nas páginas, me instiga mais a ler, sinto falta disso no e-book", conta. 

O livro físico vai desaparecer? 

César Bergo acredita que a ascensão da leitura digital pode estar incentivando um novo perfil de leitor, que foi influenciado, muitas vezes, pelas redes sociais e a propaganda da praticidade. E que é possível identificar diferentes segmentos de consumidores. Pessoas acima dos 40 anos, por exemplo, ainda têm uma preferência maior pelo físico; já os jovens na faixa dos 20 ou menos escolhem mais o âmbito digital. 

Mas ao analisar o contexto geral, o livro físico pode até diminuir em presença, mas não chegará a desaparecer, acredita o economista. César acredita que a possibilidade de os livros físicos se tornarem um mercado nichado é grande, mas não de forma completamente negativa. Ele cita os discos de vinil, que eram uma tecnologia datada a desaparecer com a vinda dos aparelhos portáteis, mas cuja venda continua em alta, com pessoas se dispondo, muitas vezes, a pagar mais caro por eles. 

Ele diz que o ato de leitura é algo cultural, amplamente incentivado, sendo uma hábito saudável, além de apenas um hobbie, ressaltando que a leitura física, também incentiva o afastamento das telas. Então mesmo com o preço salgado, e as diversas vantagens dos e-readers, livros palpáveis com papel real, ainda são artigos valiosos.  

Diante desse cenário, o que surge é um mercado em constante adaptação, onde a praticidade e economia do e-reader convivem com o valor sensorial e afetivo do livro impresso. A coexistência dessas modalidades de leitura não apenas desmente a ideia de um "fim" para o livro físico, mas também aponta para um futuro onde a experiência literária se torna mais acessível e personalizada, abrindo portas para cada vez mais brasileiros mergulharem no prazer da leitura, seja qual for o formato escolhido.

*Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte

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