Moda

Estética do "propositalmente destruído" conquista espaço na moda atual

Desbotados, rasgos, manchas e cortes irregulares saem da gaveta para conquistar as ruas, as passarelas e as redes sociais. Por trás da estética imperfeita, um novo jeito de consumir, se vestir e se posicionar no mundo

Calça com lavagem desbotada é uma das tendências da estética washed out  -  (crédito: Reprodução/Pinterest)
Calça com lavagem desbotada é uma das tendências da estética washed out - (crédito: Reprodução/Pinterest)

Durante muito tempo, peças rasgadas, manchadas, desbotadas ou com cortes irregulares eram associadas àquelas prontas para serem descartadas. Agora, a lógica se inverte: o que antes era "defeito" hoje é diferencial. O estilo destroyed, aliado ao vintage e às estéticas washed out (lavagem que cria tons desbotados e desiguais) e worn (visual de desgaste natural pelo tempo), tornou-se símbolo de autenticidade.

Essas roupas carregam não apenas um estilo, mas uma narrativa sobre histórias de uso, personalidade e até posicionamento político. "Muitos jovens enxergam isso como mais autêntico do que roupas novas e impecáveis", explica Mábel De Bonis, CEO do Fashion Campus. Essa busca por um visual mais "real" e imperfeito também é uma resposta à pressão das imagens impecáveis nas redes sociais — um contraponto à estética filtrada e plastificada que dominou a última década.

Destroyed e vertentes como washed out e worn não nasceram no mundo fashion. O jeans, por exemplo, surgiu no século 19 como roupa de trabalho para mineiros, ferroviários e agricultores, valorizado por sua resistência. O salto estético veio nos anos 1970, quando o punk britânico transformou o desgaste em protesto: calças rasgadas, remendos improvisados, alfinetes e estampas provocativas eram um ataque direto ao sistema e à cultura de consumo.

Nos anos 1990, o grunge popularizou o "desleixo com intenção", misturando camisas de flanela, jeans detonados e botas pesadas. Já nos anos 2000, o distressed denim foi incorporado por marcas de luxo como Diesel e True Religion, vendendo calças rasgadas a preços altos.

Agora, em 2025, o retorno vem repaginado, o destroyed se cruza com o thrashcore — visual propositalmente bagunçado, adotado por Kristen Stewart, Timothée Chalamet e Justin Bieber — e se afasta do minimalismo perfeito que marcou o início dos anos 2010. "O que vemos hoje é a mistura de várias influências estéticas, mas com um objetivo comum: criar uma identidade visual única, que não parece saída diretamente de um catálogo", observa Fernando Lackman, stylist e produtor de moda.

As passarelas do imperfeito

As redes sociais são as grandes vitrines do estilo. No Instagram, o contraste é rei: um jeans rasgado com um blazer de alfaiataria em um café sofisticado chama mais atenção que um look totalmente polido. No TikTok, vídeos de antes e depois de customizações — com hashtags como #DIYDestroyed, #WashedOutStyle e #UpcycledDenim — transformam calças antigas em peças únicas e altamente compartilháveis.

"As redes sociais ampliaram o alcance de microtendências que antes circulavam apenas em nichos. O estilo destroyed, com seu apelo visual forte, performático e provocador, viraliza com facilidade", explica Lackman. O Pinterest e plataformas de revenda, como Depop, alimentam microcomunidades dedicadas a explorar subgêneros como punk revival, grunge 2.0 e coastal grunge, tendências que, pouco tempo depois, são absorvidas por marcas e chegam ao varejo.

Como as marcas incorporam a estética

Se antes a estética era fruto do desgaste natural, hoje as marcas investem em processos controlados para criar o efeito sem comprometer a qualidade da peça. Lavagens químicas e mecânicas simulam anos de uso; cortes a laser recriam rasgos; tingimentos parciais geram manchas propositais.

Marcas de luxo, como Balenciaga e Maison Margiela, exploram o conceito de imperfeição visual como statement de moda — e nem sempre sem controvérsia. Em um dos casos mais comentados, a Balenciaga lançou um modelo de tênis com aparência propositalmente "destruída" que chegou a ser vendido por US$ 1.850 (próximo a R$ 10 mil na época), gerando debate sobre pagar caro por um item que parece gasto. Para críticos, essa prática simboliza a elitização de um visual que nasceu de contextos de uso real e reaproveitamento, transformando rebeldia em produto de luxo.

Marcas de luxo, como a Balenciaga, exploram a estética com seu modelo de tênis destruído e vendido a mais de R$ 10 mil
Marcas de luxo, como a Balenciaga, exploram a estética com seu modelo de tênis destruído e vendido a mais de R$ 10 mil (foto: Reprodução)

Já labels de streetwear, como Supreme e Off-White, incorporam o visual nas colaborações, mantendo o apelo urbano. No denim, nomes como Levi's e G-Star Raw mesclam sustentabilidade com estética worn, usando algodão reciclado e menos água nas lavagens. "O consumidor quer a estética, mas também cobra propósito. As marcas que entendem essa demanda não vendem só um visual: vendem um conceito de estilo de vida", aponta Mábel.

Moda sustentável ou só discurso?

O apelo ecológico é um dos grandes motores da aceitação dessas estéticas. Peças vintage, compras em brechós e customizações prolongam a vida útil das roupas, evitando o descarte precoce. "O vintage está diretamente atrelado à consciência ecológica. O setor têxtil é um dos mais poluentes do mundo, e reutilizar roupas, ou simular visualmente esse reuso, tornou-se uma forma de resistência ambiental", afirma Mábel.

No entanto, há um contraponto: muitas redes de fast fashion imitam o estilo com produção em massa, criando peças "rasgadas de fábrica" que pouco têm a ver com reaproveitamento real.

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E a Geração Z, criada na era digital e moldada por crises climáticas, instabilidade econômica e saturação de imagens perfeitas, adotou o estilo destroyed, washed out e worn justamente como linguagem visual que entrega autenticidade, criatividade, rebeldia, sustentabilidade e identidade política. Essa estética promove peças únicas e personalizadas, incentiva o DIY e o upcycling, recusa a estética polida do fast fashion e se conecta ao consumo consciente. Como destaca Lackman, "eles não querem parecer fabricados, querem parecer eles mesmos — e isso inclui aceitar a imperfeição como parte do estilo".

O destroyed, o worn e o washed out podem sair e voltar como tendências, mas a mentalidade que os sustenta veio para ficar. Não se trata apenas de roupas, mas de como escolhemos nos apresentar e dialogar com um mundo acelerado, poluído e saturado de padrões. "A valorização do antigo, do usado e do imperfeito é um reflexo do nosso tempo. A forma como nos vestimos está diretamente ligada à forma como vemos o mundo. E ele, claramente, mudou", conclui Mábel.


Calça com lavagem desbotada é uma das tendências da estética washed out
Calça com lavagem desbotada é uma das tendências da estética washed out (foto: Reprodução/Pinterest)

Como usar no dia a dia

Combine uma peça destroyed ou washed out com outras neutras para criar contraste.

Garimpe em brechós ou lojas de segunda mão para encontrar peças únicas.

Crie suas próprias customizações caseiras para dar um toque pessoal.

Use acessórios contemporâneos para atualizar o look vintage.

Evite exageros: a ideia é parecer autêntico, não exagerado.

Misture elementos de diferentes estilos para um resultado único e pessoal.

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

 

  • Marcas de luxo, como a Balenciaga, exploram a estética com seu modelo de tênis destruído 
e vendido 
a mais de 
R$ 10 mil
    Marcas de luxo, como a Balenciaga, exploram a estética com seu modelo de tênis destruído e vendido a mais de R$ 10 mil Foto: Reprodução/Pinterest
  • Marcas de luxo, como a Balenciaga, exploram a estética com seu modelo de tênis destruído e vendido a mais de R$ 10 mil
    Marcas de luxo, como a Balenciaga, exploram a estética com seu modelo de tênis destruído e vendido a mais de R$ 10 mil Foto: Reprodução
  • Calça com lavagem desbotada é uma das tendências da estética washed out
    Calça com lavagem desbotada é uma das tendências da estética washed out Foto: Reprodução/Pinterest
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postado em 17/08/2025 06:00
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