
Saber o momento certo de se afastar de uma amizade, um relacionamento amoroso ou até de familiares é uma das decisões mais difíceis da vida afetiva. Muitas vezes, o apego emocional, o medo da solidão ou a esperança de mudança acabam prolongando vínculos que já não trazem bem-estar. Refletir sobre sinais de desgaste, respeito e equilíbrio é essencial para compreender quando o rompimento pode ser o caminho mais saudável para seguir em frente.
Relações de amizade
O momento em que não existe mais uma troca justa na relação amistosa é um indicador de que ela deve acabar, segundo a psicóloga Laynara Celia Mesquita de Melo Paiva. Ela define o conceito como quando há afeto, apoio e nutrição mútua. “Se a relação começa a trazer mais desgaste do que carinho, esse já é um sinal de que talvez seja hora de encerrar o ciclo”, resume.
Como cada pessoa tem limites diferentes, Laynara indica atenção aos sinais comuns de desgaste: cansaço, frustração, sensação de desrespeito ou de que você não pode ser você mesma sem medo de julgamento. “Esses incômodos mostram que algo já não está saudável na troca.”
Amizades saudáveis também precisam de momentos de afastamento — e isso não significa rompimento. Para a especialista, um bom sinal é quando o silêncio é confortável e existe respeito, mesmo sem contato constante. “Já o rompimento é necessário quando não há mais respeito e a relação passa a gerar dor e desgaste”, explica. Em consultório, Laynara exemplifica situações relatadas de humilhação disfarçada de brincadeira, manipulação, intimidação ou falta de liberdade., que mostram uma relação insegura.
“O que deveria ser um espaço de apoio e acolhimento passa a ser fonte de dor. Isso pode gerar ansiedade, insegurança, sensação de inadequação e até sintomas depressivos. A amizade é um vínculo profundo, e quando ele não vai bem, afeta tanto a mente quanto o corpo”, argumenta.
Ainda é comum que um afastamento entre amigos gere culpa. “Fomos ensinados a agradar e a suprir expectativas do outro, e por isso a culpa aparece. Mas é importante lembrar que se afastar não é abandono: é um ato de cuidado com a própria saúde emocional”, justifica a psicóloga. Para lidar com o sentimento, ela sugere a reflexão sobre os motivos reais do afastamento.
O apego pode até nos manter presos em relações que já terminaram — muitas vezes, por resultado de feridas antigas. Laynara afirma que, nesse processo, o autoconhecimento é fundamental para discernir o que fortalece ou adoece. E nem sempre o encerramento precisa de um diálogo — ele pode ser silencioso caso a conversa cause desgaste.
A reação do outro pode contemplar frustração, dor, raiva ou negação — afinal, estamos falando de um luto. “Entender que você não pode salvar o outro da dor, assim como ele também não poderia salvar você, é essencial”, diz a especialista. “Todo fim é também um convite ao autoconhecimento. Perguntar-se: “o que essa amizade me ensinou sobre mim, sobre meus limites e sobre meus relacionamentos?” já transforma a dor em aprendizado e crescimento.”
Por fim, a psicóloga sugere a abertura para novos encontros e o cultivo de relações baseadas na autenticidade. “E, acima de tudo, fortalecer a relação consigo mesma. Quando estamos conectados com quem somos, atraímos amizades que combinam com a nossa verdade de hoje”, completa.
Relações familiares
Decidir se afastar de uma relação familiar é ainda mais delicado, já que envolve laços de sangue, expectativas sociais e afetivas profundamente enraizadas. No entanto, nem sempre a convivência com familiares significa apoio ou cuidado: em muitos casos, pode haver desrespeito, cobranças excessivas ou até situações de abuso emocional.
Críticas constantes, ausência de respeito e manipulações emocionais são sinais de alerta, de acordo com a psicóloga Juliana Gebrim. Como conflitos fazem parte de qualquer relação, ela difere o distanciamento definitivo pela repetição de padrões de desrespeito e falta de abertura de mudança.
“Se a presença do nosso pai, mãe ou filho gera medo, sensação de inferioridade ou afeta diretamente a nossa autoestima, é hora de repensar essa relação”, explica. “Uma relação desequilibrada sempre pode gerar ansiedade, depressão, culpa, insegurança e até dificuldade de nos relacionarmos em outras áreas da nossa vida. Afinal, o vínculo parental é a primeira referência de afeto e confiança que temos.”
A culpa no afastamento familiar também pode surgir, já que fomos ensinados a acreditar que laços de sangue devem ser incondicionais. Para Juliana, é importante lembrar que cuidar da própria saúde mental também é uma forma de preservar a dignidade da relação, ainda que seja à distância.
Muitas pessoas ficam presas à ideia de “família perfeita” e, por isso, se mantêm em vínculos dolorosos. A psicóloga sugere separar a obrigação e o medo do julgamento da vontade genuína de estar perto. “Respeito, escuta e espaço individual são fundamentais. Ninguém deve se sentir invadido, desvalorizado ou desrespeitado dentro da própria família”, destaca.
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Em algumas situações, Juliana diz que o distanciamento silencioso pode ser a forma mais segura e saudável de preservar o bem-estar emocional. “É importante ter clareza de que cada pessoa vai reagir de acordo com suas próprias crenças e expectativas. O rompimento pode ser um convite ao fortalecimento interno: entender o que não queremos repetir, reforçar nossos valores e aprender a construir vínculos mais saudáveis”, acrescenta.
Ao encerrar um laço sanguíneo, a especialista ressalta a importância de manter outras redes de apoio: “Investir em amizades de confiança, buscar grupos de apoio e permitir-se criar novos laços afetivos é essencial. Relações escolhidas com consciência podem ser tão ou mais significativas do que as herdadas pela família.”
Relações românticas
Em um relacionamento amoroso, sinais do cotidiano do casal podem ser indícios da necessidade de um afastamento. A psicóloga do Hospital Universitário de Brasília (HUB), Rafaela de Meneses Velozo ilustra situações de grosseria na fala, atitudes desagradáveis propositais e falta de importância no planejamento.
“No desentendimento passageiro os sentimentos negativos como raiva e tristeza, por exemplo, costumam ser mais breves e o casal consegue dialogar sobre o motivo da briga e chegar a um entendimento. Dentro de uma crise, o diálogo é muito difícil, os sentimentos desencadeados têm consequências mais profundas, afetando diversos aspectos da vida do casal”, alega.
A falta de respeito, por menor que possa parecer, é o primeiro sinal de alerta de uma relação tóxica. Rafaela comenta que, se não há respeito, começa a falta de cuidado, e, consequentemente, não se constrói amor, apenas uma relação de posse e controle do outro.
A psicóloga pondera que o término de um relacionamento também é um processo de luto: “Afinal, quando as pessoas iniciam uma relação amorosa, ninguém pensa na possibilidade de término, sofrimento ou que a relação pode tornar-se algo tóxico”. Por isso, o rompimento pode ser questionado se realmente é a decisão correta em função do passado. “Não é fácil lidar com a ambivalência. Dialogar com pessoas de sua confiança — amigos, familiares e profissionais — pode ser fundamental.”
Devido ao histórico de vida ou até mesmo como a relação foi construída, Rafaela descreve que padrões de dependência emocional podem ser desenvolvidos, resultando na dificuldade em desfazer determinadas dinâmicas sociais. Isso pode ser percebido em sinais como não conseguir imaginar-se sozinho(a), necessidade de agradar os outros e de manter determinados papéis sociais.
O autoconhecimento faz-se necessário na hora de divergir o que vem do outro e o que é intrínseco a si, conforme Rafaela. A falta dele impede até a evolução pessoal. No término, a especialista frisa respeitar o tempo de recuperação individual dos nossos processos emocionais para construir dinâmicas de relações mais saudáveis para o futuro.
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